Nunca recebemos um nobel de nada.
Não sou um apaixonado por futebol, sou um simples torcedor brasileiro mais ligado a outras práticas como a literatura e à música. Porém isso não me torna um indiferente ao esporte. Nasci em 1961 no interior do Ceará e no ano seguinte o Brasil se tornava bi-campeão, mas eu nem soube desse feito na época, lá no meu lugarejo, o rádio veio a aparecer alguns anos depois. Assim se passaram 62 e 66, já em 1970 eu, com nove anos, morava na cidade de Aracati. Lembro-me que vi alguns jogos daquela copa em tv preto e branco na casa de uma tia minha, e foi ali que vi pela primeira vez o nosso país ser campeão pela terceira vez. Hoje, depois do assombro fantasmagórico que acometeu a seleção brasileira ontem ao perder para a Alemanha de sete a um, refleti sobre outras copas do mundo e observo que sempre houve algum fato histórico que marcou minha vida nesses eventos.
Em 1974, eu tinha 13 anos e estudava num colégio particular, já estava olhando as mocinhas com olhos de paixão sensual. Naquele ano houve uma grande enchente na minha cidade, tive férias antecipadas e fui pro interior. O Brasil não foi campeão e a vida continuou.
Em 78, eu com 17 anos, estava tocando numa banda, estava cabeludo, já frequentava lugares proibidos e transava com mulheres de programa. Naquele ano em que o Brasil também não trouxe o caneco, entrei pra Marinha em setembro e segui carreira.
Em 82, eu estava no Rio de Janeiro e cursava a escola de Sargentos para a formação de músicos Fuzileiros Navais. Houve a guerra das Malvinas e o Brasil não foi campeão outra vez.
Em 86, eu estava com 25 de idade, havia assistido ao Rock In Rio no ano anterior e havia viajado de navio pelo mundo, aportara em 13 países. Inclusive em Barcelona, na Espanha, local daquela copa em que o Brasil também não levou a melhor.
Em 90, fui transferido para servir no pantanal mato-grossense, na cidade de Corumbá, eu estava às vésperas de me casar, e me casei em janeiro de 91, estava com trinta anos de idade e tinha me programado pra aproveitar e curtir bastante dos vinte até ali.
Em 94, eu já era papai, a Rebeca nascera em 93, nós morávamos em Natal, e o Brasil ganhou a copa, que beleza!
Em 98, fui transferido de Natal pro Rio pra fazer um curso da Marinha pra eu ser promovido a sub-oficial, e o Brasil foi mal naquele mundial.
Em 2002, eu já estava com a minha família de volta ao Rio e morava na Ilha do Governador, estudava violino e fazia apresentações em bares e churrascarias com teclado e violão e o Brasil foi pela quinta vez campeão.
Em 2006 eu estava na reserva da Marinha, havia passado 28 anos na força, estava separado da primeira mulher e já morava em Russas, interior da Ceará com a minha segunda esposa. O Brasil voltou sem o título naquele ano e ninguém morreu por isso.
Em 2010, eu já havia gravado três cds de música autoral, com arranjos meus, havia me apresentado em programas de televisão e feito apresentações em grandes eventos. Estava trabalhando, como ainda estou numa loja de redes que montei com a minha mulher, e o Brasil não ganhou outra vez a copa, e o tempo nos ameniza todos os percalços.
Estamos em 2014, e não preciso relembrar o que houve no jogo de ontem.
Gostaria de dizer algo mais, abrangendo um pouco de como vejo o nosso país:
Sei que ganhar e perder faz parte do jogo, jogo um pouco do solitário jogo de xadrez, que comecei a praticar em momentos de ócio, quando eu estava com quarenta de idade e sei o quanto pesa se perder uma partida séria de torneio. Contudo não ignoro que uma perda, serve de grande lição sempre.
No nosso país, há um fanatismo grande por futebol e não tenho nada contra os aficionados, os apaixonados pelo esporte. Mas, sem querer ser conformista, relembro pra os mais exaltados que somos ainda os únicos penta-campeões do mundo. Não é a primeira vez que deixamos de trazer o caneco, e certamente não será a última. Nessa copa, apesar do vexame macabro de ontem, vamos sair em melhor posição do que na copa anterior. E é assim, perdas e ganhos, somas e diferenças...
Esporte é esporte, cultura é cultura, e não quero misturar o pão com a rapadura.
A copa vai passar como outras passaram, como outras em que o gigante se sagrou campeão e daí? o que o povo ganhou com isso? pouco tempo depois temos que tocar a nossa vida com ou sem estrela a mais na camisa. Com ou sem vitória esportiva, não será o fim. Relembro que há outras coisas bem interessantes ou mais até do que o simples jogo de bola, pelas quais devemos lutar. Que tal se pensar sobre um nobel de literatura?
Russas, 10 de julho de 2014.