Copa de choros

O choro de um camisa dez estendido no chão foi assistido ao vivo por milhões, talvez por bilhões ao redor do mundo. O choro de dor que molhava sua camisa amarela foi visível, preocupante e assustador quando visto nos enormes telões do estádio da decisiva partida e em telas rodeadas de gente nas casas e pelas praças do mundo. Era mais um choro em uma copa onde o choro foi tão presente e tão discutido.

Na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, a cada hino cantado com mais força pelos pulmões, surgiram cenas de pessoas chorando nas arquibancadas, nas ruas, nas praças, nas casas e principalmente, no próprio campo de futebol. Onde o jogo é jogado, jogadores não se contiveram e verteram lágrimas que caíram no ritmo do hino que cantavam. O choro em copas não é uma novidade, mas na de 2014 foi uma constante e como uma epidemia alcançou todas as fronteiras mundiais. Surpreendentemente, o choro ou a ausência dele, juntamente com regras, estatísticas e lances polêmicos, começaram a fazer parte das discussões futebolísticas em mesas redondas, mesas de bares e mesas de casas. As pessoas, agora, querem saber se um choro epidêmico pode ser de dor ou pode ser de alegria. O público e a mídia, agora, perguntam se um choro é bom ou ruim para um atleta ou para o futebol.

Séculos atrás, William Shakespeare disse que chorar é diminuir a profundidade da dor. Mas, será que o choro é apenas tentativa de se espantar a dor? O que se viu no grandioso evento é que muita gente também chorou de alegria, entretanto se reconhece que o choro de dor costuma ser mais marcante, comovente e aumenta a audiência. Dentro das quatro linhas, nas doze sedes, também foi possível presenciar, definitivamente, que o velho ditado de que homem não chora ou não deve chorar, parece estar a caminho da extinção. Homens marmanjos de todas as raças, credos e seleções choraram aos borbotões. Choraram pelos seus hinos, choraram pelos seus povos, choraram por si próprios, choraram pela dor na falta sofrida, choraram pela alegria do gol, choraram pelo gol perdido, choraram pela vitória, choraram pela derrota, choraram antevendo o fracasso ou a conquista. Simplesmente choraram porque desejaram chorar. Até capitães choraram, e diga-se a verdade, não existem regras que impeçam o direito do capitão de uma equipe chorar. Por que Thiago Silva, capitão do excrete canarinho, não pode chorar em campo? Até Arthur Wellesley, Duque de Wellington, considerado um dos maiores comandantes de todos os tempos, chorou no campo de batalha após ver milhares de seus soldados mortos ao final de um de seus combates contra o temível exército de Napoleão Bonaparte. Ainda bem que, em um esporte muitas vezes bruto e muitas vezes injusto, ainda se é permitido chorar, porque se não for permitido chorar isso será uma amarga injustiça, e Sêneca, filósofo romano, sabiamente afirmou que não há maior causa para pranto do que não poder chorar.

É possível que daqui a alguns anos, a copa de 2014 receba o epíteto de Copa dos Choros, pois nela assistiu-se aos mais diversos tipos de choros. Alguns choros foram previsíveis, uns inusitados e outros inexplicáveis. Assistimos o choro de um treinador vencido, o choro do jogador agradecido aos céus, o choro escondido sob uma camisa suada, o choro do corpo derrotado e exausto caído na grama, o choro na arquibancada da criança, da mulher, do homem e do velho. Acompanhamos o impensável choro de um mordedor arrependido. Aflitos e comovidos, presenciamos o indesejável choro pela espinha partida e o choro amargo de quem sai de uma copa sem querer sair.

Enfim, não é preciso assistir aos decisivos jogos finais para saber que mais do que se esperava, o choro acabou atuando na copa de 2014 e sempre acaba escalado em uma decisão de campeonato. Sem direito a cartão vermelho o choro ganhou uma visibilidade e titularidade inimaginável. Competiu com os gols e seus artilheiros a primazia de aparecer nas transmissões para o mundo. Certamente, para aqueles que acompanharam a Copa do Brasil de 2014, seja de perto ou de longe, o que não sairá da mente de cada um, serão as cenas do choro do possível e o do impossível acontecendo. Perplexos, constatarão que mais uma vez a bola ou uma jogada determinam, além dos resultados, os próximos choros, e se escutarem o poeta romano Ovídio, ouvirão dizê-lo que há certo prazer no chorar. Portanto, a partir do encerramento da copa mundial de futebol em terra brasileira, quando futuramente se falar de futebol, além de questões técnicas, físicas, passionais e estruturais, também será normal e importante se perguntar: Quem é candidato a chorar? Que tipo de choro se presenciará? Vale a pena chorar?

Jean Richard da Costa
Enviado por Jean Richard da Costa em 08/07/2014
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