A Copa é nossa!
Se virmos pessoas adultas brincando seriamente de queimada, ou pique-bandeira, provavelmente as consideraremos tolas e infantis. O futebol é uma brincadeira tão infantil quanto essas, por alguma razão, no entanto, foi transformado em coisa séria; acostumamo-nos a isso.
Sob um ponto de vista estritamente racional, a brincadeira não passa de uma tolice. Outras considerações, contudo, tendem a abrandar tal julgamento. Pode-se passar agradáveis momentos acompanhando e torcendo por algum time; o futebol também facilita a socialização e o contato entre as pessoas. Poderia ter um papel educativo, não o tem. Ao contrário: o futebol está francamente embebido de malandragens, espertezas e demais formas de corrupção, uma lástima. O amante do futebol recebe constantemente a mensagem, passada pelos profissionais dos meios de comunicação, de que o logro é válido e desejável; o “bom jogador” deve simular faltas, cavar punições aos adversários, disfarçar suas ações irregulares, e, de maneira geral, executar todas as artimanhas ilegais que favoreçam seu time. Os comentaristas estimulam francamente o jogo sujo.
Fora de campo, a mesma tônica se repete, sendo desejáveis as vantagens indevidas conseguidas no tapetão, a compra da arbitragem, e uma sucessão de atitudes vis perpetradas pelos cartolas. Pouco espaço sobra para uma “ética futebolística” que consiste fundamentalmente em reconhecer a autoridade dos poderosos, e evitar determinadas ações, como fazer embaixadinhas em frente ao adversário. Por alguma estranha razão essa cândida ação gerará enorme indignação e ira no adversário que esteja perdendo. Talvez isso sugerisse, por exemplo, cavar a expulsão de um rival, instado a responder o gesto com uma agressão. Correria-se o risco, no entanto, de uma repreensão da arbitragem por atitude antidesportiva; vige uma estranha ética nos campos de futebol.
Estranhamente, também causa profunda aversão a quebra do “fair play”. Embora isso devesse significar “jogo limpo”, consiste na obrigatoriedade da devolução da bola ao adversário após interrupção do jogo por contusão. Pouco importa, por exemplo, que a contusão tenha sido simulada com propósitos escusos; por algum estranho código, não devolver a bola corresponde a ato execrável! Estranha moralidade ensina-se nos gramados.
O futebol, essa brincadeira tola, mas agradável, com a qual nos acostumamos, poderia ter um papel educativo ensinando atitudes éticas. Tem tido exatamente o papel oposto, estimulando e ensinando a dissimulação, o logro, respaldado pelos comentaristas esportivos e pelas várias instâncias administrativas do futebol, como a FIFA a CBF e as entidades estaduais, todas notoriamente corruptas.
Sem usar o termo, Zico se orgulhava de ter corrompido os japoneses que, anteriormente, se obstinavam em cumprir as regras. Novos ventos, no entanto, começam a soprar. A malandragem, o logro, tem sido repudiada em campos europeus; Neymar desagrada ao cavar faltas; são elogiadas atitudes, ainda raras, de confissão de culpa.
Leio que os alemães ameaçam não jogar em Recife caso certas irregularidades cruéis continuem a ocorrer por lá, sob a justificativa da copa. As manifestações podem gerar um motim: a FIFA tem dado fortíssimos motivos para execração, é hora de reformar radicalmente os valores que ela impinge, ou de ser destituída e sobrepujada.
Talvez pudesse, o povo brasileiro, se apossar da competição, denunciar e excluir a quadrilha que rege o futebol internacional e tomar as rédeas da copa. Poderíamos então averiguar os gastos exorbitantes nos estádios, embargar os pagamentos restantes, instituir o jogo limpo em todas as instâncias da competição, dentro e fora dele. Ainda há tempo. O futebol só tem algum sentido se puder ter papel educativo.
Tomemos o controle. A Copa é nossa!