Bom Senso F. C. (texto ao blog 'Pílulas do Poder')
Desde meados do ano o país parece respirar outros ares. Gente na rua protestou, levou faixas, berrou, escreveu com canetinhas em cartolinas. ‘Tudo o que está aí’ era o alvo. Os políticos tremeram, votaram projetos irrelevantes, prometeram mundos e fundos. Até Dilma esteve em rede nacional. De repente, a febre passou. Voltamos a ser os coadjuvantes da vida à toa. Engolimos sapos, bois, lesmas. A fábrica de reivindicações cessou. Carlitos interrompeu seu processo de ‘Tempos Modernos’. Fizemos errado. Seguimos tortos. Veio outubro e de onde menos se aguardava um argumento, veio. Os jogadores de futebol se reuniram. A patota resolveu fundar o Bom Senso Futebol Clube (BSFC), com distintivo e tudo. Agora sim! Os atletas não estão contentes. O calendário brasileiro é uma aberração, por exemplo. A chamada pré-temporada não existe por aqui, outro exemplo. Por conta disto o BSFC surgiu. Aos fatos: deve-se urgentemente adaptar o ano tupiniquim ao europeu. Explico. A principal competição, o Campeonato Brasileiro, precisa iniciar no meio de agosto, parar no começo de dezembro, retornar na metade de fevereiro e, por fim, encerrar nos primeiros dias de maio. É assim na Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália etc. Na Argentina também, diga-se. Nestas nações, o número de jogos por clube é 10, 15 e até 20 vezes menor se comparado ao do Brasil-sil-sil.
Os jogadores são funcionários como quaisquer outros. Ganham fortunas (a mixaria ganha, 5% do total), porém são pessoas normais. Cansam-se, machucam-se, têm problemas. É necessário acumularem 30 dias de férias e mais 30 de pré-temporada. Assim, podem evitar lesões sérias. Nos dez meses restantes, o futebol dá as cartas. Sessenta partidas oficiais é uma quantidade razoável. O Brasileirão deveria contar com 18 times, não 20. Seriam 34 rodadas dos pontos corridos, e não as 38 de hoje. Mas há entraves. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é administrada por uma súcia e nela ninguém toca. A união formidável dos jogadores é legítima e merece toda a classe de elogios. Os manifestos de algumas rodadas atrás, com o cruzamento dos braços e os toques de bola sem expressão foram inesquecíveis. Históricos. É clemente a sua continuação. Afonsinho, craque dos anos 1970, libertador, o primeiro a conquistar o próprio passe, aplaudiu. Pelé tangenciou. Teme ser mal interpretado. Balela. Teme realmente se comprometer com a CBF e seus asseclas. A gangue está formada e só falta chamar os Irmãos Metralha. Os dirigentes – cartolas – desejam a perpetuação da bagunça, do mal estar, da arrogância. Pobre Sócrates... Refiro-me ao jogador. Morreu sem poder rir da CBF, atrapalhada pelo BSFC. Claro, o movimento teria apoio do Doutor. Sócrates não precisa de coroa.
Por trás do BSFC há esculhambação? Jamais. Ponho minha mão no fogo. Jogadores do calibre de Alex (Coritiba), Paulo André (Corinthians), Rogério Ceni (São Paulo), Zé Roberto (Grêmio), Seedorf (Botafogo) e Juninho Pernambucano (Vasco da Gama) possuem força e autenticidade. São agregadores e representam os demais. Uma das propostas do Bom Senso é o Campeonato Paulista com somente sete datas, como é a Copa do Mundo. Discordo. Deve-se tirar os quatro grandes do Estado do torneio. O Paulistão tem de ser disputado pelos médios e pequenos clubes. E podem durar meses, o ano todo se for possível. Desta maneira, agremiações como Oeste, São José, Nacional, e muitas outras, teriam o que fazer e não correriam o risco de desaparecerem. Seriam estimuladas. Corinthians, Santos, Palmeiras e São Paulo se importariam, então, com o Brasileiro, a Copa do Brasil e, se estiverem, a Sulamericana e a Libertadores. Fim. Organizar a situação parece complicado, mas não é. Sempre digo: fazer o simples é muito difícil. O fácil dá trabalho, porque desordena, avacalha, aporrinha. Desde 2003 temos o campeonato nacional dos sonhos: pontos corridos, turno e returno, quem faz mais pontos vence. Notem a singeleza, a pureza das regras. Antes era o contrário. De 1971 a 2002, ano a ano, a fórmula de disputa era trocada, aviltada, assaltada, decepada.
Em 1987, os clubes tiveram a chance de ouro de chutar a CBF para o escanteio e montar a Liga dos Times. Não deu certo. A vaidade é uma inimiga cruel. Viradas de mesa ocorreram e a baderna comeu solta. O BSFC abriu uma luz neste caminho doloroso. Eles peitam os cartolas e os deixam atônitos. Com a TV Globo, idem. A emissora é a dona do futebol verde e amarelo e o seu ufanismo é algo pra lá de repugnante. Milhões de reais em jogo, literalmente. Um cede, outro esperneia, o do outro lado se chateia. Cogitou-se a greve dos jogadores. Aí sim! Eu apoio desde já. Seria um tapa na cara da CBF, Globo, o diabo a quatro. É preciso mais. No fim das contas, noves fora, torço de fato pelo BSFC. Vamos multiplicá-lo, frutificá-lo. Temos de achar o nosso Carlos Caszely, o jogador chileno que se recusou a cumprimentar Pinochet em 1973 e ficou marcado pelo gesto como ficam marcadas as vacas com aquele ferro quente. O ‘gol’ de Caszely valeu pela eternidade. Por enquanto, nosso Caszely foram os braços cruzados nos jogos do Brasileirão. Simboliza quase nada, mas já é um pontapé inicial. Tenho medo de os torneios principais ficarem desacreditados, sem importância. Dar pelota somente à Libertadores e ao Mundial de Clubes é ruim. Por isto, que o Bom Senso renda. Estes dirigentes-topeiras têm de aprender com quem lidam. Unamo-nos ao BSFC! Estou sonhando?