30 Anos da Tragédia de Sarriá
Hoje se relembra os 30 anos daquele célebre Brasil 2 x 3 Itália que ficou conhecida na nossa memória como a "Tragédia de Sarriá".
Um dos jogos mais emocionantes da história das Copas que mudou inclusive os rumos do futebol mundial de maneira lenta e gradual.
E tudo isso por um simples hat-trick de um jogador que vinha de uma pesada suspensão por manipulação de resultados.
Pra entender melhor a magnitude desse jogo, vamos recapitular a situação dos times naquele momento.
A Itália vinha de uma campanha medíocre na primeira fase onde obteve três empates e classificou-se por um golzinho a mais do que Camarões e na segunda fase, suou pra ganhar da Argentina e o Brasil, por sua vez, vinha atropelando todo mundo com seu futebol-arte regada a ofensividade ao extremo. Tinha vencido no sufoco a União Soviética, é verdade, num jogo que teve três golaços de fora da área, mas depois massacrou a Escócia, a Nova Zelândia e também a Argentina, em um jogo que teve Zico dando show e Maradona dando vexame, inclusive sendo expulso ao dar um verdadeiro coice em Batista.
Paramos o retrospecto aqui e agora. O Brasil apenas precisava empatar para garantir a vaga para as semi-finais e a Itália precisava de uma vitória quase impossível para chegar lá. E todos achavam que o escrete canarinho levaria de barbada esse jogo pela brilhante campanha que fazia e pela mediocridade que a Azzurra apresentava até então.
Aqui parafraseio o grande piloto Juan Manuel Fangio dizendo que partidas são partidas e só acabam no apito final.
E essa a gente nem desconfiaria que entraria pra história do futebol.
O jogo começa e logo vem o gol. Mas da Itália e logo aos 5 minutos, com Paolo Rossi acertando uma cabeçada no meio da área em um cruzamento despretensioso.
Um gol que ninguém esperava. Porém, o Brasil foi a frente e conseguiu empatar com Sócrates chutando cruzado num pequeno espaço entre Zoff e a trave. Estava empatado e a vaga era brasileira.
Todavia, a velha frase onde digo que todas as coisas do mundo tem sua fraqueza se fez aparecer nesse jogo, e mais uma vez Paolo Rossi marcou aproveitando um passe errado de Cerezo na intermediária e chutando na saída do goleiro Valdir Peres. Era a tragédia se avizinhando.
Terminou o primeiro tempo e a Itália estava fazendo seu milagre. O Brasil só precisava de mais um gol e estava nas semifinais.
Veio o segundo tempo e as emoções começaram a florir em ambos os lados. O Brasil bombardeava e a Itália estocava de vez em quando e voltava pra defesa como um samurai perito na técnica lai.
Então novo empate ocorreu com Falcão acertando um torpedo de fora da área e comemorando com um grito incontido. A vaga mudava de mãos novamente e o tempo estava se esgotando. Pro Brasil era só manter o placar e forçar os italianos a um milagre praticamente impossível.
E o tal milagre veio apenas 7 minutos depois com Paolo Rossi novamente. Um escanteio da direita, um chute tosco de Tardelli que se transformou em um passe mortal para o centroavante italiano que tocou para o fundo das redes e começou ali a mudar a história do futebol pra sempre.
A vaga mudava de lado novamente e o desespero tomava conta dos brasileiros. Era chutes dali e cabeçadas daqui que pararam na trave ou para fora ou nas mãos calejadas de Dino Zoff como a do último lance do jogo.
Uma bola alçada na área e Oscar cabeceia pro chão como todo bom cabeceador faz. A bola ía entrando mansamente e o veterano Zoff consegue fazer uma espetacular defesa em cima da linha no melhor estilo anime japonês.
O jogo termina com uma inacreditável vitória italiana e uma mais impressionante ainda classificação para as semifinais superando o futebol-arte brasileiro. E no fim, a Azzurra se sagrou campeã com um roteiro que nenhum diretor hollywoodiano seria capaz de transformar em filme.
Quanto ao Brasil, nunca mais conseguiu jogar um futebol ofensivo e alegre como antes. Ganhou dois títulos mundiais, é verdade, mas jogando um futebol mais simples e pragmático.
E lentamente, os técnicos perceberam que para ganhar jogos e campeonatos o futebol não poderia mais ser tão ofensivo e estiloso, mas pragmático e eficiente.
Nasceu nesse jogo o futebol de resultados, onde os times somente precisavam fazer uma coisa: vencer a qualquer custo, nem que seja de "meio a zero". Nem que fique todo o tempo na defesa e só atacando quando tiver uma chance, no melhor estilo guerrilheiro.
E este mesmo estilo garante o emprego dos treinadores até a próxima partida.
Eu tinha apenas 6 anos na época, mas me lembro muito bem de ter visto esse jogo e recordo do silêncio que pairava em Cruz Alta depois da partida. Tudo preparado para uma festa que se transformou em uma grande tragédia.
A tragédia de Sarriá.
A tragédia de um estádio que nem existe mais.