Dunga: da mágoa ao ressentimento (ou "A vitória da incongruência")
Nesta Copa do Mundo de Futebol, muito se tem falado sobre a convocação da seleção canarinho pelo técnico Dunga. Há certo consenso entre jornalistas (comentaristas) e torcedores que alguns jogadores foram injustamente preteridos pelo treinador. Ronaldinho Gaúcho, Ganso e Neymar, dignos representantes do futebol arte, sequer ficaram no “banco” para servirem de alternativa nos momentos adversos.
Dunga justificou as suas escolhas dizendo que priorizou o coletivo. Optou por jogadores “comprometidos” com a seleção e que participaram do processo de avaliação. Citou, como exemplo, o goleiro Doni, que foi punido pelo Roma, por ter decidido jogar na seleção. Mas Dunga se “esqueceu” que Kaká, em 2007, pediu dispensa da seleção, durante a Copa América, alegando cansaço. Também convocou o atacante grafite que jogou, durante toda preparação, apenas alguns minutos.
Por esses – e outros – atentados à boa lógica, Dunga foi severamente criticado. Muitos o consideram incompetente; outros, “burro”. Mas ficou claro que ele agiu como um ditador: fez questão de contrariar o senso comum para mostrar o seu poder. Em seu favor pesaram as recentes conquistas da seleção nas Copas América e das Confederações, além da tranqüila classificação para a copa do Mundo. Esses resultados o fortaleceram como treinador. Apesar de tudo, a sua rejeição não diminuiu. A insatisfação foi recrudescida pela teimosia e pouco carisma que possui junto aos torcedores, além do deselegante tratamento que dispensa à mídia nacional.
Para entender esse fenômeno comportamental, pouco comum para um técnico da seleção nacional, é preciso percorrer a trajetória profissional de Dunga. Como jogador foi mediano. Em 1990, na Itália, foi considerado o principal responsável pela pior participação brasileira em copas do mundo. Em 94, nos Estados Unidos, deu a volta por cima e conquistou o campeonato, porém como coadjuvante da dupla Romário-Bebeto. Esse período do futebol brasileiro ficou conhecido como a "Era Dunga", caracterizado por um futebol destrutivo e de pouca criatividade. Mas, em 2006, foi guindado ao cargo de treinador da seleção sem ter qualquer experiência na função. Foi severamente criticado, no início do trabalho, pela forma como organizou a seleção, mas, por um "aborto do azar", obteve bons resultados e foi prestigiado pela CBF. Agora, com poderes quase absolutos, passou a agir com soberba sem se importar com a opinião pública e a crítica desportiva. Age como se a seleção fosse sua propriedade.
O acaso fez de um treinador medíocre alguém capaz de contrariar uma nação inteira e o bom senso, numa demonstração explicita de ressentimento pelas críticas que sofreu (e tem sofrido) no exercício do cargo. Ele não conseguiu abstrair as objeções ao seu trabalho e as tomou como pessoais, permitindo que interferissem em suas decisões dentro e fora do campo. Tem a sorte de não dirigir um time de “pernas de pau”, como Remo ou Payssandu. Na seleção brasileira, mesmo sem convocar, por birra, os melhores jogadores que o país dispõe, pode continuar tendo sucesso e até conquistar a copa do mundo de 2010. Porém, ficou claro que Dunga não entendeu o significado mítico que o futebol possui para os brasileiros. Ele não é apenas um esporte capaz de nos propiciar grandes vitórias, mas uma força imaginária que congrega irreverência, técnica e beleza, num estado de espírito que nos faz sentir detentores de algo singular no "mundo da bola". Algo que corre o risco de desaparecer se a "Era Dunga" tiver continuidade.
O azar dos amantes do bom futebol foi, paradoxalmente, o êxito obtido pela seleção verde-amarelo em competições de pequena monta. Na copa das confederações, a seleção enfrentou quatro adversários de pouca expressividade (com exceção da Itália) no cenário internacional; na Copa América, embora tenha desenvolvido um futebol sofrível, conseguiu uma boa vitória contra a aqui-rival Argentina, na grande final. Esses resultados promoveram Dunga a “grande estrategista do futebol mundial”.
O "endeusamento" de Dunga foi fortalecido pela dificuldade que o homem comum possui de avaliar os fatos que compõe a realidade, tomando-os de forma invertida em suas causas e efeitos. Alguns entusiastas desavisados não perceberam que não é o técnico que faz a seleção brasileira, mas, ao contrário, é esta que o faz. Pela qualidade dos nossos jogadores – mesmo que os melhores não sejam escalados – sempre haverá a possibilidade da equipe vencer qualquer torneio. Quando a vitória ocorre, costuma-se louvar o treinador, quando até um técnico como "Charles Guerreiro" poderia conduzir a seleção com sucesso .
Por isso, uma possível vitória do escrete nacional representará um grande prejuízo intelectual e moral ao povo brasileiro, principalmente aos menos escolarizados, pois o hexacampeonato causará o equivocado entendimento de que é possível abrir mão da coerência e ainda lograr êxito na vida.
Nisto Dunga se assemelha à candidata do PT à Presidência da República, Dilma Roussef. Ambos foram construídos pelo sistema, mas, por uma falha da sensibilidade, se acredita que as suas ações produziram a benfazeja realidade. Esse “erro de percepção” dos torcedores (e eleitores) brasileiros tem decretado a transformação de pessoas medíocres em verdadeiros mitos nacionais.
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P.S - No ônibus da seleção: "Lotado! A teimosia inteira de Dunga está aqui dentro."