SEM MEDO DE TRIBUNAIS PESSOAIS
SEM MEDO DE TRIBUNAIS PESSOAIS
Escrevo esse texto com um único objetivo: ajudar pessoas, especialmente os profissionais da educação que, por ventura ou desventura, tenham ou estão tendo problemas semelhantes ao meu.
A história de cada um, mesmo que compartilhe momentos com seus contemporâneos, é diferente em intensidade e importância. Não é porque você vive ou convive com uma ou mais pessoas, mesmo que trabalhem juntos, tenham vivenciado os mesmos desafios, encontrado soluções conjuntas que isso significa o mesmo para todos.
A formação pessoal é um bom exemplo para mostrar que na mesma escola, no mesmo ano, os resultados são inteiramente diferentes. São vários os fatores que implicam essa pluralidade; desde as preferências pessoais, as motivações e a capacidade pessoal. Que bom que somos diferentes.
O gasto de energia e de recursos desde o primeiro momento que entramos na escola, tem as suas peculiaridades, nuances, diversidade e importância para cada um. Cada etapa da longa e árdua formação tem a sua história e ficam guardadas na memória os bons e maus momentos.
Quando nos tornamos profissionais, na maioria dos casos, como resultado dessa trajetória, temos orgulho e até arrependimentos de decisões tomadas e oportunidades perdidas. Contudo, depois de assumir compromissos durante essa trajetória, como a constituição de uma família, assumimos a responsabilidade de continuar sendo ou não feliz.
Cada vida em curso traz na carapaça de cada um as marcas do tempo, as cicatrizes e as tatuagens. As tatuagens, em muitos casos, servem para cobrir cicatrizes. É assim no plano físico como no espiritual. A vida tem que seguir seu curso, assim como um rio segue sem se importar muito o que fizeram com suas margens.
Muito especialmente quem escolhe o caminho da educação, essas impressões na carapaça e mais profundamente na alma, são como entalhes em uma rocha. O educador, além de ter a capacidade técnica para conduzir o conhecimento, tem que ter a estrutura emocional, o equilíbrio e o discernimento de saber qual a sua importância na formação social, emocional, moral, ética e psicológica que imprime em cada aluno(a) em diferentes épocas da sua vida.
As impressões deixadas vão desde a admiração, referência, à raiva, antipatia e rejeição. Um(a) professor(a) pode marcar a vida de muitos(as) alunos(as) de formas diferentes; ser lembrado ou esquecido, amado ou odiado. Cada sentimento desses tem seu peso energético na vida profissional e pessoal do profissional da educação.
Ao longo do tempo esse fardo que se carrega, vai enchendo e ficado mais pesado. Como um lutador, um guerreiro, não há quem depois de uma longa jornada não carregue as marcas das batalhas empenhadas. Todo semestre é mais um round numa luta de um indivíduo com vários oponentes de diferentes idades, capacidades e comportamentos.
Todo profissional da educação com 15, 20, 25, 30 anos, tem sequelas das suas lutas, mesmo que seja lembrado como vencedor em muitas batalhas. Quantos de nós já amargou o desânimo pelas injustiças sofridas, pelas avaliações injustas, pelos baixos salários, pelas condições precárias de trabalho, mas continuamos na luta porque nesse rol, tem também as suas recompensas, os reconhecimentos?
A frase seguinte é um tanto quanto forte, mas a repito como forma de provocar reflexão a respeito dessa honrosa e vilipendiada profissão:
O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO, DEPOIS DE MAIS DE 30 ANOS DE TRABALHO, ACUMULA EXPERIÊNCIA SUFICIENTE PARA MORRER POBRE E DOENTE. SE POBRE NÃO FOR, NÃO FOI NA EDUCAÇÃO COM TRABALHO HONESTO QUE RIQUESA ACUMULOU”.
Feitas essas considerações, exponho-me, agora já sem o constrangimento de admitir que estou doente há muito tempo, mas que venho me arrastando em sala de aula até completar meu tempo de aposentadoria. Tempo injusto, a meu ver, especialmente depois da famigerada reforma da previdência, feita por um governo ilegítimo e ordinário. Reforma que os políticos que aprovaram, reprovam se forem aplicadas para eles.
O número de brasileiros que atualmente sofrem com a doença está acima das estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde), que apontam para cerca de 5% dos adultos do mundo...
(Fonte: https://www.poder360.com.br/poder-saude/saude/brasil-tem-os-piores-indices-de-depressao-da-america-latina/)
Durante o seminário, (ver fonte), os pesquisadores apontaram que, seja na rede pública ou na rede privada, os professores sofrem de um mesmo conjunto de males ou doenças, em que há predomínio dos distúrbios mentais tais como síndrome de burnout, estresse e depressão. Depois deles aparecem os distúrbios de voz e os distúrbios osteomusculares (lesões nos músculos, tendões ou articulações).
(Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/saude-mental-principal-problema-para-os-professores-aponta-pesquisa).
Não é fácil admitir que está doente, principalmente quando acometido por depressão reincidente, como uma onda e nós como barco à deriva. O preconceito em torno dessa doença (depressão) só não é maior pela ignorância, inclusive em relação a profissionais da saúde.
Pelos religiosos somos considerados ateus. É falta de Deus! Afirmam peremptoriamente. Pelos que nos arrogam conhecer, é frescura, falta de força de vontade. Por alguns colegas de trabalho, é preguiça. Está fazendo corpo mole. Não quer trabalhar. Pelos que nos veem calados, tristes, melancólicos, é loucura. Pelos que nos veem chorando, é fraqueza. E assim todos nos veem segundo seus pontos de vista, suas perspectivas, transformando-se em júri individuais com tendência a condenar.
Não é fácil manter sua fortaleza e sua gentileza para manter a simples convivência com seus pares. Não é fácil fingir dormência quando todos acreditam que estamos dormindo, que somos indolentes e incapazes de reagir.
As feridas só são medidas se dilaceradas e purulentas. Se tua dor for de paixão, de amor de saudade, de amizade, de qualquer sentimento que dê alento à humanidade... Esqueça! Somos, nesses casos, igualados aos animais sem qualquer alegada racionalidade. Tentamos burlar a realidade.
Esse texto não se trata de uma defesa ou justificativa. Mais precisamente de uma assertiva para, descomposto de qualquer iniciativa que venha, por ventura, ser classificada como subterfúgio das atividades que até então conduzi com o profissionalismo, dedicação, paixão e responsabilidade profissional, quero dizer que mais prejudico e menos contribuindo se obrigado por lei ou uma outra imposição atuar nessas condições.
A depressão ainda não me venceu! Nem vai me vencer. Não vou me matar, ainda que as vozes na minha cabeça, especialmente nos momentos de solidão, quando todos dormem, me seduzem e me convidam para pôr um fim a esse tormento que ninguém desejaria ao seu pior inimigo.
Costumo falar, depois da leitura de “O demônio do meio dia”, de Andrew Solomon, uma referência sobre a depressão para leigos e especialistas, a depressão é como nossa digital. Não há duas iguais em todo o mundo. Assim sendo, se de alguma forma você, leitor, se identificou com algum aspecto desse texto, fico feliz em ter podido contribuir, dirimir dúvidas e, sobretudo, encorajá-lo a falar sobre o assunto sem temor de ser julgado.
Autor: Prof. Dr. Carlos Ociran