Guaçuí/ES. Educandário São Geraldo: Um pouquinho da História de seus 100 anos.

Por: Prof. Miguel A. Teodoro - Mestre em História

“A 5 de agosto de 1924, iniciaram- se as aulas do Colégio " São Geraldo", num prédio cedido pelo Presidente do Estado - Dr. Florentino Avidos, sob a direção das Irmãs Servas de Maria, Congregação brasileira, nova com poucas vocações. Não puderam as irmãs continuar com a manutenção do colégio, que já estava sendo amparado pelo Vigário da Paróquia, Padre Miguel De Sanctis. S. Miguel do Veado era ainda Distrito de Alegre, pouco desenvolvido, pequena povoação. O vigário julgou de grande necessidade o colégio para o desenvolvimento intelectual, moral e religioso do povo, contratou professoras normalistas, formadas, leigas, isto é religiosamente falando - para recomeçar o trabalho, lutaram com sacrifício, inúmeros obstáculos, incompreensões, dificuldades financeiras, etc. O Colégio foi crescendo, com a comunidade vendo aumentando o número de alunos, acrescendo cursos. No início eram apenas o Primário e o Complementar ( de dois anos). Depois em 1928 foi iniciado o curso de Alfabetização de Adultos. O Ginasial foi criado em 1937 e já deu certificado a 37 turmas. O Normal em 1947 e até agora ( 1977), já diplomou 29 turmas, o Técnico em Contabilidade em 1956, já diplomou 19 turmas. Noventa e oito por cento do professorado do município, diplomou- se aqui; temos mais de 850 normalistas, espalhando conhecimento pelo Estado, pelo Brasil e até mesmo no estrangeiro; dezenas de contabilistas exercem a profissão, enquanto outros subiram os degraus de Escolas Superiores, milhares de ginasianos foram subindo a escalada de outros cursos ou galgaram melhores posições na sociedade, enquanto outros se alfabetizaram, desde os primeiros anos. A direção do Colégio sempre comemorou as datas cívicas e participou das campanhas ou quaisquer empreendimentos da comunidade, como também das atividades religiosas da Paróquia”. (Jurema Moret-shon de Castro Lacerda. Manuscrito. S/D).

Em 1872, chegará ao povoado o senhor padre Jeronymo Pinto Velozo que, além de trazer conforto espiritual para os fiéis paroquianos devotos de São Miguel Arcanjo, trará ainda consigo uma máquina de pilar café, pois a região já havia iniciado, ainda com poucos conhecimentos, o plantio para a exploração desse produto.

Já, neste mesmo ano, orienta a população da pequena Freguesia para a organização do grupo que comporia a segunda equipe que seria responsável pela ordem, segurança e conforto espiritual, e que ficou assim composta:

Juízes de Paz: José Gomes de Azevedo, Luiz Geraldo de Carvalho, Francisco Monteiro Oliveira e José Domingos de Carvalho; Polícia: Sub-Delegado Alferes Luiz Francisco de Carvalho; Suplentes: João Machado de Faria e José Gomes de Azevedo; Vigário: Padre Jeronymo Pinto Velozo.

Ele, além de celebrar missas, ministrar os sacramentos e levar o conforto espiritual às almas dos devotos de São Miguel Arcanjo, prestará ainda, por longos dezesseis anos, outros serviços à comunidade aqui existente, bem como, incentivará e multiplicará seus conhecimentos, ensinando aos fiéis proprietários muitas técnicas novas de plantio que seriam, futuramente, utilizadas para a plantação, manutenção da lavoura, colheita, secagem e pilagem do café.

Dentre tantos feitos, ainda fará construir do outro lado da área que fica à frente da pequena Capela-Matriz, por uma distância aproximada de cerca de 100 metros, um prédio onde fará instalar a sua máquina de pilar café. Essa construção demorou cerca 8 anos para ser concluída. Este mesmo prédio também serviu como depósito de produtos rurais.

Após a transferência do Padre Jerônimo, o Decreto Imperial que libertou os escravos e a Proclamação da República, o prédio passou a pertencer ao governo Provincial, pois já se cogitava a ideia de transformá-lo em um educandário. Entretanto, somente no final da segunda década do século XX, por iniciativa e intermédio da Sra. Maria Viana Emery – Dona Zinha - e seu irmão, o Deputado e Coronel Geraldo Viana, aquele prédio que havia sido adquirido pelo Sr. Nestor Gomes, então Presidente do Estado entre os anos de 1920-1924 e, este, em visita à Freguezia de São Miguel, a pedido de Dona Zinha e seu irmão, o referido prédio será cedido pelo Governo para servir de uso para um Colégio Católico, onde funcionasse uma escola normal. Logo após, Dona Zinha e seu irmão conseguiram três irmãs da Congregação Servas de Maria, no Brasil, para dirigir o estabelecimento, que foi inaugurado em 05 de agosto de 1924.

Nesta inauguração é denominado de Ginásio São Geraldo, tendo como Primeiro Capelão, por apenas dois meses, o Pe. Calleja e a Primeira Superiora, a Irmã Madalena. Segundo as ordens do bispo diocesano, em decorrência das obras do que seria a Matriz nova, em 29 de setembro de 1924, a capela do referido estabelecimento de ensino foi elevada à categoria de Matriz Provisória.

Entretanto, em 1926, as irmãs Servas de Maria e Pe. Nino Minelli, segundo Capelão que substituíram os diretores anteriores, retiraram-se da direção do estabelecimento. Fato este, que obrigou o Pe. Miguel a chamar para si a responsabilidade sobre o Colégio, assumindo a sua direção e a sua organização, denominando-o Colégio Paroquial São Geraldo.

No mesmo ano, em visita a esta cidade, vinda do Instituto Lafaiete do Rio de Janeiro, a senhorita Jurema Moretshon de Castro Lacerda é convidada pelo Pe. Miguel, para dirigir o Colégio Paroquial. Aceitando o desafio, tornou-se a maior de todas as educadoras que por aqui passaram. Ainda, em 1926, a jovem professora criou o Curso Complementar, aonde o número de alunos chegou a 130, sendo 10 internos.

Inúmeras foram as dificuldades encontradas e os obstáculos que surgiram a cada dia e ano. Em um de seus relatos D. Jurema afirma:

“Fundado a 5 de agosto de 1924, por Irmãs Servas de Maria, foi logo perseguido, a ponto de em 1925, não ter mais alunas para as provas finais. Ficaram apenas as gratuitas. Vendo que havia deficiência de profras. competentes, pois a Congregação era nova e não dispunha de pessoal habilitado e a própria Superiora Geral escreveu que não poderia manter o Colégio, Padre Miguel convidou a Profa. Jurema e esta chamou a sua prima Maria do Carmo Lacerda Freire, recém formada, para ajudar para ajudar as duas e mais uma Irmã que saíra da Congregação - Irmã Paula ( Celeste Bayma),começaram a dar aulas em 5 de fevereiro de 1926, apenas a 3 alunas. Quando o Padre participou ao povo este corpo docente e que a Profa. Jurema, havia desistido de sua cadeira de Profa. Estadual, para ficar aqui, logo as matrículas cresceram. As mensalidades muito pequenas davam rendimento exíguo. E esta Profa. recebeu do Padre apenas o primeiro mês ( 230$00). Nunca mais aceitou nenhuma quantia. Como todo o dinheiro passava por suas mãos, retirava para as próprias despesas, apenas o indispensável. Trouxera do Rio de Janeiro, onde lecionara mais de dois anos, um enxoval, portanto não precisava de roupa, durante muito tempo. Trabalhava pela manhã no Curso Complementar, ensinando Português, Francês, Catecismo, História Sagrada e História do Brasil; isto depois de ter assistido missa às 6 horas da manhã. Durante o dia, dava aula às 3 horas de Jardim de Infância e primeiro ano; chegou a ter mais de 60 alunos, durante anos nestas turmas. Em 1927, formou - se em Leopoldina (Minas) a normalista Ana Freire Melo e veio no ano seguinte trabalhar aqui. Com número pequeno de alunos, pagando 5$, 7$,8$,10$...o rendimento era insignificante, mas o esforço das professoras era muito grande. A Profa. Irmã Paula, foi trabalhar em Vitória”. (Jurema Moret-shon de Castro Lacerda. Manuscrito. S/D).

Em 1927, o Pe. Miguel investe trinta contos de suas economias em obras de melhoramentos e reformas necessárias no referido prédio. Em 1931, o Colégio sofre uma das mais brutais perseguições: o Prefeito e seus aliados buscaram conseguir, frente ao Interventor Federal, a revogação da concessão do prédio. Em 1932, para acabar de vez com as perseguições que assolavam o Colégio, o Pe. Miguel, que já tinha investido mais de dezoito contos em novas reformas, resolveu comprá-lo para acabar para sempre com o perigo do desaparecimento de uma obra tão necessária.

Assim, usando das economias que lhe restavam mais recursos advindos de seu familiares da Itália, Padre Miguel dirigiu-se a Vitória e adquiriu do Governo o prédio por trinta e cinco contos.

Para transformá-lo em Ginásio, em 1937, o Pe. Miguel teve que superar três grandes obstáculos:

1º.: Adaptar o prédio em que estava instalado às exigências do Ministério da Educação. Para tanto, novos investimentos, num total de doze contos, tiveram que ser realizados, às próprias custas, para contratar o oficial de obras - o Senhor Wlademiro Azevedo de Carvalho -, principal testemunha dos sacrifícios do vigário;

2º.: Registro do professorado;

3º.: Julgamento do relatório completo, redigido pelo Inspetor designado pelo Ministro da Educação, Sr. Gustavo Capanema. Tais relatórios, em decorrências das perseguições que não haviam cessado, misteriosamente desapareceram por duas vezes da Secretaria da Comissão de Julgamentos.

Conseguindo o Decreto de Comparação Prévia, após terem sido elaborados uma terceira vez e assinados pelo mesmo Ministro, o Pe. Miguel conquista mais este feito, ou seja, o de elevar o Colégio Paroquial São Geraldo à categoria de Ginásio São Geraldo que, em 1938, abre suas portas ao Curso Primário, Curso Complementar e Curso Secundário. Além desses cursos, os alunos, que àquelas salas frequentavam, recebiam também, formação religiosa, o que proporcionava o florescer de muitas vocações religiosas e, é claro, o constante aumento do número de alunos que buscavam frequentar o referido educandário.

Já, pelos anos 40, em decorrência do grande número de alunos, foi necessário novos empreendimentos sem comprometer as atividades estudantis, fato que se comprova com a participação dos alunos – atletas do São Geraldo – nos eventos estaduais, conforme a afirmação de Araújo A. Q: ao fazer publicar na Imprensa Oficial de Vitória, no ano de 1949, pela Secretaria da Educação e Cultura sobre a Olimpíada Escolar de 1948:

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“... E, a lista de grêmios esportivos que representavam o Interior do Estado estava composta pelo Centro Cívico da Juventude Coelho Neto, do Colégio João Bley de Castelo; o Grêmio Muniz Freire, do Colégio Muniz Freire de Cachoeiro de Itapemirim; o Grêmio Lítero-Esportivo Recreativo Graciano Neves, da Escola Técnica de Comércio de Cachoeiro de Itapemirim; o Grêmio Euclides da Cunha, do Colégio de Muqui; o Grêmio Esportivo Graça Aranha, do Ginásio Mimosense de Mimoso do Sul; o Grêmio Lítero-Esportivo 12 de Outubro, do Ginásio Irmãos Carneiro de Guaçuí; o Grêmio Esportivo Rui Barbosa, do Instituto Alegrense de Educação de Alegre; o Grêmio de Diversão e Cultura Castro Alves, do Ginásio São Pedro de Cachoeiro de Itapemirim; o Grêmio Lítero-Desportivo 5 de Agosto, do Ginásio São Geraldo de Guaçuí. Todas as cidades ficavam no interior do estado e subsistiam com uma economia basicamente agrária”.

Entretanto, desta vez, o objetivo a ser alcançado era ampliação do espaço físico a fim de que se pudesse oferece maior comodidade ao corpo discente. Assim, deu-se início às ampliações do Educandário São Geraldo tendo em vista a construção de um prédio novo. Fato que só foi possível graças às generosidade dos benfeitores, doações e ementas parlamentares, conforme se pode comprovar no discurso elaborado em face da inauguração do novo prédio, no ano de 1954, pela digníssima diretor Jurema Moret-shon de Castro Lacerda, que afirmou:

“… Quem diria que a semente lançada por D. Emiliana e D. Maria Viana Emery, há 30 anos, vicejasse, vivesse vida penosa entre flores, espinhos, frutos, chegasse ao esplendor de 19 de março 54. Depois de Deus devemos exaltar, com justiça, o trabalho, o sacrifício dos diretores, professores, país, alunos, amigos. Entre esses quero ressaltar a figura simpática, bondosa, querida do nosso emérito Dep. Fed. Dr. Francisco Lacerda de Aguiar. Foi ele que com subvenções Fed. de 90,00, 70.00 e 100,00 cruzeiros, verdadeiro benfeitor do GSG. Desprendido, simples, afável, sempre se interessou por nossa obra, contribuindo para o bem desta terra que se orgulha de tão nobre filho. Dr. F. L. de Aguiar, aceitai nossos protestos de gratidão imorredoura. Devemos patentear também, ao público, aos amigos presentes nosso reconhecimento aos benfeitores: Dr. Jones dos Santos Neves, DD. Governador do Estado; ao Exmo. Sr. Secretário de Educação e Cultura, D. Maria Madalena Pisa pela doação de carteiras escolares; ao Dep. Est. Eugênio Paixão pela subvenção estadual e bolsas de estudo e outros benefícios, ao Exmo. Sr. José H. Cortat - DD. Prefeito Municipal por tudo quanto tem feito ao nosso favor ao Exmo. Dr. Atilio Vivaqua pela subvenção de 50,00 em face de alunos pobres; aos amigos generosos que de todos os modos nos auxiliam; a todos e a cada um em particular renovamos as palavras de agradecimento, pedimos a Deus que os recompense conforme seus merecimentos. Ainda quero prestar uma homenagem ao digno representante de S. Exa. e Sr. Bispo Diocesano Monsr. João Batista Pavesi, DD. Pároco de Alegre, educador como nós, dedicado ao bem das almas e a educação da juventude. Para ele peço uma salva de palmas. Não podemos esquecer a dedicação, o esforço e carinho mesmo do construtor Durval Emery a quem agradecemos.

Encerro minhas palavras desataviadas convidando o Exmo. Sr. Prefeito Municipal, para descerrar a bandeira que encobre o retrato do insigne benfeitor do G.S.G. Dr. Francisco Lacerda de Aguiar”. (Jurema Moret-shon de Castro Lacerda: Discurso. 01/03/1954).

A inauguração deste novo prédio, anexo ao antigo prédio do São Geraldo, é reflexo do grande desenvolvimento sociocultural, político e económico do município de Guaçuí/ES na mencionada década de 50 do século passado. Haja vista que se constrói e inaugura-se, em 1956, o segundo maior monumento ao Cristo Redentor do Brasil e primeiro genuinamente brasileiro; inaugura-se, em 02/10/1959, a captação do sinal de televisão, o que torna Guaçuí a cidade pioneira na captação e transmissão do sinal de TV do interior do Brasil; e, na educação, o Educandário São Geraldo desponta-se como ícone da educação no Sul do Espírito Santo acolhendo alunos, não somente do Estado do Espírito Santo, mas de diversas outras cidades de inúmeros estados do Brasil.

No decorrer dos anos sessenta – década em que se reflete todo seu auge e esplendor - o educandário São Geraldo mantinha um modelo de ensino ímpar, ou seja: ali se obtinha conhecimentos de amor à pátria, moral e civismo, religiosidade e de todas as ciências necessárias para o crescimento espiritual e intelectual do ser humano. Tanto é que o próprio Governo do Estado, através da Lei nº 2.180, 24 de dezembro de 1965 cria, em seu Art. 1º, na cidade de Guaçuí 1 (uma) Escola Normal que funcionará junto ao Ginásio “São Geraldo”. Lei esta que prevaleceu somente por 32 anos, pois, no ano de 1997, em decorrência da a promulgação da nova Lei das Diretrizes Básicas da Educação, a 9694/96, extingue-se o Curso Normal. Fato que, definitivamente, pôs fim a um sonho sonhado por muitos.

Já na década de setenta, após a morte do Pe. Miguel, o nobilíssimo educandário, apesar de todos os esforços de seu corpo docente se manteve firme alicerçado nos fundamentos pedagógicos de outrora. Porém, no inícios dos anos oitenta entrou em franca decadência. Todavia, devido ao desprendimento de inúmeros educadores, este educandário, desde os anos noventa, ainda se destaca com uma nova pedagogia, um novo modelo administrativo e ainda sobrevive, mas nos moldes da nova pedagogia de ensino.

FONTES:

ARAUJO A. Q. Estado do Espírito Santo. Secretaria da Educação e Cultura: Olimpíada Escolar de 1948. Vitória: Imprensa Oficial; 1949.

GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO: Lei nº 2.180, de 24 de dezembro de 1965

JUREMA MORET-SHON DE CASTRO LACERDA: Discurso. 01/03/1954

JUREMA MORET-SHON DE CASTRO LACERDA: Manuscrito. S/D

TEODORO, Miguel A. Guaçuí Ensaio & História. Colonização - Desenvolvimento & Cultura - Editora AgBook. São Paulo, 2014.

TEODORO, Miguel A. Monsenhor Miguel de Sanctis Sed sacerdos non extat Guaçuí pontificem magnum, qui penetravit - Editora AgBook. São Paulo, 2014

TEODORO, Miguel A. Por essas Terras de São Miguel Arcanjo... De Capela à Matriz Paroquial. Editora AgBook. São Paulo. 2016.