VIDAS NEGRAS E VIDAS INDÍGENAS NA PLURALIDADE DE SEUS VIVERES
RESUMO: A contribuição Africana e Indígena na cultura brasileira é evidenciada tanto pelos costumes já incorporados as práticas sociais da população como um todo, quanto nas vivências centralizadas no cotidiano da população negra e no interior de cada etnia indígena. As religiões de matrizes africanas, por serem cultuadas majoritariamente por pessoas afrodescendentes, permanecem no desconhecimento de uma parcela da população que usufrui da justificativa de não ter conhecimento a respeito da temática para desrespeitar aqueles que são fiéis a religiões afro-brasileiras. O objetivo do artigo foi apontar sugestões de atividades com o uso de conteúdos produzidos por pessoas que possuem lugar de fala para contextualizar a sua cultura e esclarecê-la para aqueles que estejam distantes de tais costumes. Como exemplos de recursos pedagógicos para trabalhar a diversidade religiosa e o protagonismo das vidas negras na cultura brasileira foram citados Sambas-enredo das escolas de Samba dos Grupos Especiais do Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro (2023). Nas indicações para trabalho a respeito da diversidade das pessoas indígenas, houve a apresentação do Museu da Pessoa e do Especial Falas da Terra (2021), Rede Globo, recursos online que veiculam histórias de vidas indígenas em seus mais variados modos de habitar o mundo e defendê-lo.
Palavras-chave: Religiões afro-brasileiras; vidas negras; carnaval; samba-enredo; vidas indígenas.
INTRODUÇÃO
O estudo sobre a Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena na Educação Básica tem se concentrado na exemplificação de contribuições já incorporadas a vivência social de toda a população. Nomes falados com frequência ou consumo de alimentos muito apreciados de modo geral não resumem a contribuição cultural africana e indígena na construção da sociedade brasileira. As relações sociais entre pessoas afro-brasileiras e entre indígenas dentro do convívio de sua própria etnia são permeadas por culturas ancestrais evidenciadas, sobretudo, na arte, nas marcas linguísticas e nas práticas religiosas. Compreender a presença e a importância das religiões de matrizes africanas na vida da população negra tal qual sua influência na sociedade como um todo refere-se às:
“Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. (BRASIL, 2004, p. 16).”
À semelhança da aprendizagem sobre as manifestações culturais essencialmente vivenciadas pela população negra, o estudo à respeito dos variados modos de vida indígena poderá contribuir com o entendimento amplo do que é ser indígena, não limitando-se a um único estereótipo do índio, o que culmina em um não reconhecimento das formas de vida que perpassam os limites do padrão amplamente difundido.
“O preconceito, a criação de estereótipos e a consequente discriminação têm como pano de fundo, entre outras
razões, a ignorância acerca das diferentes culturas. E nenhuma cultura é menor, nenhuma cultura é inferior.
Todas trazem em si uma gama de elementos em suas formas de organização, em suas crenças, em seus costumes,
que as diferenciam, mas não lhes conferem menor importância. (LIMA, 2023, p. 44).”
A primeira seção deste artigo refere-se ao destaque do protagonismo das vidas negras na cultura por meio da contextualização dos Sambas-enredo do Carnaval 2023. A segunda seção dedica-se a explanar a presença da fala indígena na conscientização sobre as multifacetadas vidas indígenas no Brasil.
1. PROTAGONISMO DAS VIDAS NEGRAS NOS SAMBAS-ENREDO DO CARNAVAL 2023
“A ausência da História Africana é uma das lacunas de grande importância nos sistemas educacionais brasileiros. A ausência de uma história Africana, em primeiro lugar, retira a oportunidade dos afrodescendentes de construir uma identidade positiva sobre suas origens. (LIMA, 2023, p. 32).” Muito da história contada sobre a África se resume as narrativas do período escravocrata. Pouco se narra sobre a ancestralidade africana, a cultura que foi trazida ao Brasil e permanece viva em cada pessoa preta do país. Ao exemplificar a contribuição africana são exemplificados hábitos culinários, vestimentas ou músicas que foram incorporados ao dia a dia da população e já são exaustivamente conhecidas por todos, como a feijoada e o acarajé, por exemplo. Contudo, as tradições que permanecem como cultura essencialmente vivenciada pela população negra, as quais não foram massivamente incorporada ao costumes da população branca, não recebem a devida atenção e respeito. É o caso do tratamento dado as religiões de matrizes africanas. A fé e religiosidade de matriz africana está presente na cultura brasileira desde o início da chegada dos povos africanos no país, no entanto, ainda é considerada “à parte” pela sociedade.
No reality show Big Brother Brasil, no dia 20 de Fevereiro, o participante Cristian contou aos colegas Gustavo e Key o fato de ter visto Fred Nicácio “fazendo os negócios dele” (em referência pejorativa as orações Iorubá). No vídeo da madrugada, é possível ver Key e Gustavo rezando com um rosário em mãos, e, após o fim de sua oração, olharem atentamente para Nicácio e rirem por acreditar que ele estava realizando orações referentes a sua religião de matriz africana. Cristian afirmou que, após as orações, Nicácio havia permanecido parado de forma “estranha” e de “dar medo” frente a cama de Key e Gustavo.
Na verdade, Fred estava com os braços dobrados e sentado na cama por não conseguir dormir em razão de uma forte dor que sentia no braço. Nicácio se levantou para ir ao confessionário do reality e pedir um comprimido. Ao retornar para o quarto, teve de andar pelo escuro, visto que as luzes, à noite, não podem ser acesas. Fred caminhou bem devagar frente a uma das camas que tinha muitos itens espalhados pelo chão, por isso, foi visto caminhando de modo compassado. Nicácio, portanto, não estava realizando nenhuma ação relacionada a sua religião como foi interpretado por seus colegas.
Pelo fato de ser um homem preto fiel a uma religião de matriz africana, uma ação comum de estar incomodado com dores no braço e de ter de andar devagar por um quarto escuro, com muitas roupas e malas espalhadas pelo chão, foi interpretada de modo preconceituoso “O Fred estava fazendo os negócios dele, depois ficou para, assim, perto da cama, meu coração disparou e eu comecei a rezar. Fiquei com muito medo (falas de um colega de reality).”
“Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro, têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. (BRASIL, 2004, p. 14).”
Durante o Programa Ao Vivo, Tadeu Schimdt contou aos participantes que eles assistiriam ao Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, no qual a Escola Unidos de Vila Isabel traria a Sapucaí o enredo “Nessa festa eu levo fé”, e aproveitou para perguntar a vários participantes sobre a religiosidade de cada um. Fred Nicácio teve a oportunidade de contar aos colegas sobre a sua religião:
“Então, eu frequento o Ifá, que é o culto tradicional Iorubá, um culto nigeriano. Um culto que traz a natureza como a sua principal divindade. Então, Oxum, das águas doces. Iemanjá, os mares. Oxalá, o sol. Cada contato que eu tenho com a natureza, eu tenho a chance de cultuá-la e gozar dessa benção que é poder vê-la, a maior manifestação da vida, é a própria natureza.”
Tadeu Schimdt, apresentar do programa, agradeceu a explicação e concluiu o momento com o seguinte discurso:
“Vocês já repararam na diversidade religiosa que tem nessa casa? Aqui tem católico, evangélico, tem gente que acredita em tudo, gente que não tem religião. Tem quem pratica, tem quem não pratica religião. Cada um com a sua crença e respeito tem que estar acima de tudo. Todas as religiões tem o nosso respeito. Todas! Nenhuma religião é melhor que as outras. Nenhuma religião é pior que as outras. Não tem religião do bem, religião do mal, todas têm os mesmos direitos. Todas têm o nosso respeito, e a nossa admiração. É assim no Brasil, é assim no BBB!”
É assim no Carnaval, festa que tradicionalmente traz o protagonismo da cultura afro-brasileira ao centro das atenções de todo o país. Assim foi para Unidos de Vila Isabel, que entoou o respeito a diversidade religiosa:
“Pulei fogueira, anarriê no arraiá brinquei
Na despedida também festejei
Renasce na saudade a nossa devoção
Vou respeitando a diversidade,
Seja qual for a religião
O Rei Momo convidou minha Vila Isabel
Nessa festa eu levo fé,
Sou herdeiro de Noel
No tambor da Swingueira
Toda a luz do meu axé… evoé… evoé!”
E é assim em todo o Carnaval, uma das festas mais populares do Brasil, reconhecida em todo o mundo. Ecoa nos batuques da bateria retratos do dia a dia da pessoa preta. O samba nasce das letras, das vozes, da dança e da arte de pessoas negras que narram seu axé, suas dores, seus amores, suas crenças, seus cultos, sua fé e a suas lutas para enfim habitar em “um mundo novo de igualdade racial (ROSAS DE OURO-SP)”.
Carnaval é essência da cultura afro-brasileira e traz das avenidas para o mundo a contribuição africana em todos os seus traços, gestos, ritmos, biografias, histórias, conquistas. É o momento de espalhar conhecimento e de trazer para mais próximo de cada brasileiro a sua ancestralidade. É época de encorajamento, de busca por justiça e de levar ao povo sabedoria. É hora de aprender o que, por vezes, não foi ensinado nas escolas. É, também, oportunidade para as escolas levarem a sala de aula a reflexão sobre a fé de matriz africana que pulsa no peito da mães pretas do Brasil:
“Ora ye ye ô… Iyalodé Oxum
No teu colo obirinsá, fortaleza de poder
Teu axé da natureza, eu quero conhecer
Iyá… Se hoje me coloco aos teus pés
É porque também sou geledés
Em teus braços, reconheço o teu amor
Iyá… Nossa senhora, tens a minha devoção
E nesse adurá em procissão
Pra sempre lembrarei de quem eu sou
Sou filho de mãe preta
Que batizou meu tambor
Herdeiro dessa força ancestral
Oduduá… Oduduá…
Em tom maior, abençoe meu caminhar”.
A marcante presença de palavras com origem Africana chama a atenção nesse trecho do Samba-enredo “"Um Culto às Mães Pretas Ancestrais", Tom Maior-SP. Para explorar a riqueza linguística presente na música e descobrir mais sobre a religiosidade africana e sua conexão com as forças ancestrais, o professor poderá propor uma pesquisa no Site Oficial da LIESA, no qual se encontra a Sinopse do Samba-enredo, elucidando desde o nascimento de Odu, a primeira Iyami, que em Yorubá significa “Minha mãe”, até a representatividade das mães pretas que são avós, tias e mães da atual geração. Para compreender a mensagem trazida pelo enredo, os alunos pesquisarão em demais fontes de cultura africana o significado dos termos presentes na canção. Um pequeno glossário Yorubá será construído:
.Adurá: oração.
.Agô mamãe: pedido de perdão.
.Ayê: Terra.
.Eleié: forma de se referir às feiticeiras mais temidas entre os iorubas.
.Exu: orixá mensageiro.
.Geledés: sociedade exclusivamente feminina das comunidades ioruba.
.Iyami: figura materna nas religiões de matriz africana.
.Obatalá: criador do mundo, dos homens, animais e plantas.
.Obirinsá: mulheres em ioruba.
.Ododua: divindade do candomblé.
.Ogum: orixá representado pela figura de um guerreiro.
.Olodumaré: deus único e supremo.
.Ora ye ye ô... iyalodé oxum: saudação à orixá Oxum, protetora da água doce.
.Orum: Céu ou mundo espiritual nas religiões de matriz africana.
Pelo Grupo Especial do Rio de Janeiro, A Estação Primeira de Mangueira fez ouvir o seu grito de liberdade em forma de arte com “As Áfricas que a Bahia canta”:
“Deusa do ilê aiye, do gueto
Meu cabelo black, negão, coroa de preto
Não foi em vão à luta de Catendê
Sonho badauê, revolução didá
Candace de Olodum, sou debalê de Ogum
Filhos de Gandhi, paz de Oxalá
Quando a alegria invade o Pelô
É carnaval, na pele o swing da cor
O meu timbau é força e poder
Por cada mulher de arerê
Liberta o batuque do canjerê
Eparrey oya! Eparrey mainha!
Quando o verde encontra o rosa, toda preta é rainha.”
Glossário das palavras de origem africana presentes nas estrofes citadas acima:
.Ilê aiye: é o primeiro bloco afro do Brasil e se consolidou como uma das expressões culturais do Carnaval de Salvador.
.Black: cabelo crespo.
.Catendê: é a divindade que transforma as folhas em remédios.
.Badauê: do Iorubá, significa celebração da alegria, e dá nome a uma banda de afroaxé de Salvador.
.Didá: é uma palavra iorubá que significa “o poder da criação” e dá nome ao primeiro grupo de exclusivo de mulheres percussionistas.
.Candace: Dinastia de Rainhas Guerreiras do Sul do Egito.
.Olodum: Maior bloco afromusical de Salvador.
.Debalê: é um bloco-afro de Carnaval da Bahia.
.Gandhi: líder espiritual e político indiano
.Oxalá: Orixá da vida.
.Pelô: Pelourinho, outrora centro de punições a escravos, ora bairro histórico, conhecido como centro cultural e berço do carnaval Baiano.
.Timbau: tambor brasileiro, inspirado nos tambores africanos.
.Arerê: Folia.
.Canjerê: reunião de pessoas para rituais de religiões afro-brasileiras.
.Eparrey: saudação a Orixá Iansã e significa um olá com admiração.
Para o Carnaval não ficar apenas recluso em uma data, mas produzir conhecimento durante todo o ano, há também a rica oportunidade de os alunos se debruçarem na redação de biografias ilustradas a respeito da vida de pessoas pretas desbravadoras, como Yasuke, imigrante africano que se tornou um dos mais respeitados samurais do Japão:
“A Mocidade Alegre usará todo o potencial do sangue guerreiro de seus valentes foliões. Eles, vestidos de suas armaduras-fantasias, enfrentarão mais uma batalha em busca de uma importante vitória: provar que, assim como um dia fez Yasuke, cada jovem preto pode ser o que ele quiser, mesmo que os opressores, o preconceito e a discriminação digam o contrário."
A vencedora do Grupo Especial de São Paulo fez história, deixou sua marca e sua inspiração:
“Fiel companheiro
Herdeiro da sabedoria
Honrou sua liberdade
Com dignidade
Derramou o sangue justiceiro
Lágrimas em chamas
Cinzas pelo ar
Serás eterno, jamais se apagará
Em cada jovem o sonho brilha
A sua luz renascerá
Pode ter fé
Que todo preto pode ser o que quiser!”
À semelhança da Escola vencedora do Carnaval Paulistano, a segunda colocada nos desfiles das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, trouxe a Sapucaí a trajetória de Rosa Maria Egipcíaca, autora do livro Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas, o mais antigo livro escrito por uma mulher negra na história do Brasil. Na Avenida do Samba, a Viradouro desbravou a história de uma mulher repleta de nuances, para uns santa para outros bruxa, a africana escravizada no Brasil é para a história do país uma incontestável pioneira:
“Me entrego a escrever a predição
Lágrima nas contas do rosário
Dádiva ao clamor do coração
Palavras de um preto relicário
A voz que cobre o cruzeiro
Reluz sobre nós no fim do calvário
Navega esperança à luz do encantado
Reflete o azul
Senti a alma daqueles, os mais oprimidos
Venci heresia na fé dos divinos
A mais bela rosa aos pés do senhor
Candombes e batuques no cortejo
Eu sou a santa que o povo aclamou
Eis a flor do seu altar, sua fé em cada gesto
O amor em cada olhar dos filhos meus
No cantar da Viradouro, o meu samba é manifesto
Imagem de Deus, sou eu.”
O desejo de trazer ao conhecimento do povo a devida representação dos povos negros e dos povos originários na independência do Brasil estimulou a Beija-Flor de Nilópolis a entoar o canto a “Brava Gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência.” São 200 anos de Independência, porém, Independência para quem? O país depende do trabalho de milhões de brasileiras e brasileiros que mesmo gerando riqueza a nação, sofrem por não ter o pão de cada dia a mesa. Quem é essa população que em 200 anos não teve o seu grito incluído na agenda de prioridades da Nação? A Beija-Flor concedeu ao povo o direito de se ver representado, na luta, na conquista e na comemoração! É a luta diária do povo que constrói a nação!
“A revolução começa agora
Onde o povo fez história
E a escola não contou
Marco dos heróis e heroínas
Das batalhas genuínas
Do desquite do invasor
Naquele dois de julho, o sol do triunfar
E os filhos desse chão a guerrear
O sangue do orgulho retinto e servil
Avermelhava as terras do Brasil
Eh! Vim cobrar igualdade, quero liberdade de expressão
É a rua pela vida, é a vida do irmão
Baixada em ato de rebelião.”
Ademais, o samba enredo oportuniza o estudo de uma data importante para o povo brasileiro, o dia 02 de Julho, feriado da Independência do Brasil na Bahia:
“Em 2 de julho de 1823 o sol foi brasileiro. O dia em que o povo ganhou. Esta data marca a vitória libertadora com a expulsão dos portugueses e, desde então, é celebrada com uma grande festa que tem cheiro, cor e sabor de brasilidade. Uma algazarra pública, que tem nas figuras do caboclo e da cabocla símbolos da liberdade. Esta festividade celebra e louva a ampla participação popular, sobretudo de indígenas e negros, na luta pela emancipação ante a tirania e o julgo colonial. (Sinopse do enredo da Beija-Flor).”
Ao pesquisar sobre a data, os estudantes constatarão o quanto é importante ao povo Baiano relembrar que foi pela luta do povo que o Brasil se viu livre de todos as tropas portuguesas que ainda permaneceram no solo do país após o dia 07 de setembro de 1882. Em homenagem a data, o Hino Oficial do Estado da Bahia também é chamado de Hino ao Dois de Julho. Tal como para Bahia, todo o país pode se ver de fato livre das forças de opressão portuguesa a partir do dia 02 de Julho, portanto, a data significa a vitória do povo para toda a população brasileira, merecedora de conhecer tal legado.
2. VIDAS INDÍGENAS NAS PLURALIDADES DE SEUS VIVERES
No Carnaval há espaço para todos os povos e etnias, assim, Barroca Zona Sul trouxe ao Anhembi a história dos Indígenas Guaicurus, reconhecidos como Índios Cavaleiros, bravos lutadores em defesas das Terras do Pantanal de Mato Grosso do Sul. O desfile retrata a vida cotidiana, a arte, as pinturas, os traços culturais e presença Guaicuru na Guerra do Paraguai. Em outro retrato da história dos Guaicurus, a escola mostrou como o povo foi traído pelo exército brasileiro depois de participar bravamente na Guerra do Paraguai. A história faz lembrar da luta dos povos indígenas pela proteção do nosso país, luta muitas vezes solitária e impedida por invasões a seus territórios e pela omissão do Estado. A toda sociedade urge ouvir o clamor dos povos que desde antes da história do Brasil passar a ser escrita, estiveram lutando pela preservação da maior riqueza de um país: A mãe natureza!
“Lágrima escorre do meu rosto
Pintado de dor e de traição
Página da história esquecida
Escondida no olhar de cada irmão
Brasil, meu país menino
O passado não me fez servil
Clamo ao cavaleiro da floresta
Verdadeiro filho dessa pátria mãe gentil
Hei de preservar meu Aracê
Meu povo é sentinela Kadiwéu
No pantanal há de resplandecer
O verde das matas, o azul do céu
O pranto da alma apaga essa chama
É luz de Iara, Tupã e Caaporã
Dono da terra é falange Guaicuru
Barroca é resistência por um novo amanhã.”
Garantir a representação do lugar de fala das vidas indígenas e negras é o fundamento vivo do Museu da Pessoa, acervo cultural que abriga mais de 18 mil histórias de vida, com dedicação especial as Vidas Indígenas e as Vidas Negras. O Projeto comemora 30 por meio da exposição “Qual é o seu legado?” Os legados de cada entrevistado não são materiais, mas sim construções pessoais, sociais, valores, crenças, sonhos, lutas, desafios, conquistas, lágrimas, risos, família, trabalho, tudo quanto cabe em uma vida comum, que anseia colaborar com a formação de uma sociedade pautada na igualdade de oportunidades. A exposição presencial está em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, até dia 02 de abril de 2023, de modo online, pode ser acessada por meio do Site Oficial do Museu da Pessoa. A educadora social Bel Santos Mayer, curadora do eixo Vidas Negras declara sobre o Projeto:
“Eu diria que o museu da pessoa, ao registrar essas vidas pretas, diz pra todos e todas aquilo que o ministro Silvio
Almeida trouxe no seu épico discurso de posse: você existe e é importante. Mas aí a gente faz isso na primeira
pessoa. Eu existo. Isso é importante para a história geral do nosso país.”
Dentre as exposições destaca-se “Vidas Indígenas – Modos de habitar o mundo”, na qual pessoas indígenas aldeadas, urbanizadas, líderes espirituais, líderes governamentais, militantes entre tantas outras facetas indígenas falam sobre os seus propósito de vida: Pagu Fulni-ô, professora de Direito, luta por demarcações das terras de seu povo; Para Potyra Tupinambá, nascer dentro do seu lugar no mundo é um direito de toda criança indígena, para tanto, luta pelo respeito a autonomia dos povos isolados; por sua vez, o escritor Cristino Wapichana, autor do livro infantil A Boca da Noite, acredita que as histórias indígenas nutrem o seu poder próprio, o seu encanto. Vencedor do Prêmio Jabuti, Cristino narra histórias que descrevem com ludicidade o cotidiano da criança Wapichana, levando representatividade aos curumins de seu povo além de compartilhar com o Brasil e países do exterior as vivências da infância indígena Wapichana.
Com o intento de manifestar a pluralidade das vidas indígenas, assim, no plural “vidas”, em razão de serem plurais, multifacetadas, únicas, expressas de diversos modos, atuantes em distintos espaços sociais, o Especial Falas da Terra (2021), Rede Globo, convidou 21 pessoas indígenas para narrar, em primeira pessoa, a sua história de vida. Entre as vidas protagonistas do Especial estão:
.Myriam Krexu (Povo Guarani Mbyá) – Médica, Myriam é a primeira cirurgiã cardiovascular indígena do Brasil:
“Minha luta é para que o indígena tenha uma educação básica de qualidade. A gente não pode esquecer que muito da medicina como nós conhecemos, hoje, começou com a observação da natureza, e muitos dos cientistas que desenvolveram medicamentos foram indígenas.”
.Alessandra Korap Munduruku (Povo Munduruku) – Líder indígena, detentora do prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos (2020). Alessandra é uma voz potente contra os grandes empreendimentos e o garimpo na bacia do rio Tapajós. É ativista contra a invasão dos territórios indígenas e a favor da demarcação das terras indígenas e preservação das florestas:
“A Amazônia está pedindo por socorro. Nós estamos pedindo por socorro! Grandes máquinas estão entrando dentro do território, trazendo veneno, prostituição, drogas. O povo tem metil mercúrio no sangue. Não estamos lutando só para nós, estamos lutando para defender pessoas que estão na cidade. Nós, povos indígenas, não queremos essa destruição, não queremos que nos envenenem cada vez mais, queremos vida! Água é vida, floresta é vida, Amazônia é vida, e povos indígenas também são vidas!”
.Beto Marubo (Povo Marubo) – Uma das principais lideranças ativistas dos povos isolados do Brasil, Beto é membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari e do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. Sua luta é pelo direito ao território, à proteção física e cultural e pela autonomia dos índios isolados:
“Vocês sabiam que existem 28 povos indígenas isolados? Nós temos, como exemplo, os últimos dois remanescentes do povo Piripkura, que guardam informações de um povo que foi muito grande em um passado recente. Esses povos optaram por viver em isolamento voluntário devido a invasão de seus territórios e a extinção. Uma gripe pode levar a extinção de um povo inteira em três dias. A nosso relação com o nosso território não é comercial, a nossa relação com o nosso território é de vida, é com a nossa Mãe Terra!”
.Daniel Munduruku (Povo Munduruku) – Daniel Munduruku é escritor e vencedor do prêmio Jabuti e do Prêmio de Literatura pela Unesco. Há anos, defende que o Dia do Índio seja um dia de consciência indígena e não uma data de celebração que reforça estereótipos, como acontece nos dias atuais:
“Os povos indígenas ainda sofrem muito preconceito, muito porque, o que a gente aprende na escola, é a história contada pelos colonizadores, desprezando a participação das sociedades indígenas que aqui estavam. Eu escrevo para as crianças perceberem que essas populações forem importantes para construção da identidade nacional.”
A partir da apresentação de quatro das vinte e uma histórias de vida narradas no Especial Falas da Terra, é possível identificar a multiplicidade de profissões, trajetórias, locais de moradia e lutas dedicadas a valorização de tantas e tantas maneiras de ser indígena. Ao explorar todo o conteúdo audiovisual os alunos terão a oportunidade de desvincular o seu conhecimento dos estereótipos aprendidos sobre a vida da pessoa indígena.
Myriam Krexu (Povo Guarani Mbyá), protagoniza uma história de encorajamento e representatividade indígena no mundo acadêmico. Por meio de sua trajetória, os alunos poderão pesquisar as vidas de outros médicos indígenas, suas especialidades, seus desafios e suas conquistas. A partir da vida de Alessandra Korap Munduruku (Povo Munduruku), os estudantes investigarão novos nomes de atuação em defesa da causa ambiental, do fim do garimpo ilegal, da expulsão dos madeireiros invasores dos territórios indígenas. A luta de Alessandra relembra a importância da temática que está tão presente nos dias de hoje, com a luta pela expulsão dos garimpeiros ilegais em território Yanomami. Os alunos precisam reconhecer a importância da luta indígena pelo seu direito básico: o direito à vida em seus territórios originários.
Beto Marubo trouxe a defesa das populações isoladas e citou a vida dos dois últimos indígenas da etnia Piripkura. “Etnias inteiras foram riscadas do mapa, levando consigo sua cultura e a contribuição que poderiam ter legado a identidade do país. (LIMA, 2023, p. 43).” A vida dos irmãos Piripkura e a necessidade de preservar o seu local de moradia já foram destaque em programas jornalísticos e em um Documentário lançado em 2018. A partir da vida dos Piripkura os alunos poderão se sensibilizar sobre a necessidade de lutar pela preservação das terras não apenas como um território, um espaço, mas como o único meio de sobrevivência de etnias inteiras e toda a sua história que perpassa a existência das narrativas sobre o Brasil.
Daniel Mundukuru, escritor, foi um dos responsáveis pela criação do Samba-enredo da Barroca Zona Sul, em homenagem a etnia Guaicurus. Para ele, por meio da beleza do Carnaval é possível tocar corações para uma causa urgente: "O carnaval ele tem que servir para educar, combater o preconceito que a sociedade vive, e valorizar o que essa sociedade tem de bonito". Os Guaicurus são exemplo de vidas que resistiram e lutaram pela sua sobrevivência por muitos séculos. Nos dias atuais, seus descendentes, os indígenas Kadiwéu, permanecem em luta pela defesa de seu território, sob constante ameaça de grileiros, madeireiros, além de estar recuperação ecológica após queimadas ocorridas nos últimos anos.
Multifacetadas, plurais, diversas, variadas são as histórias de cada vida indígena que habita o nosso país. As Vidas Indígenas são e vão muito além daquilo que o senso-comum costuma contar. Por fim, há uma história impactante que também poderá ser alvo de pesquisa: a vida de Sônia Guajajara, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Times, e Ministra dos Povos Originários. Em seu discurso de Posse, defendeu a importância de a população brasileira reconhecer as diferentes formas de ser Indígena:
"Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês puderem imaginar.
Vivemos no mesmo tempo e espaço que qualquer um de vocês, somos contemporâneos deste presente e
vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral."
Evidenciar as manifestações culturais afro-brasileiras expressas no Carnaval e destacar as iniciativas de promoção do protagonismo Indígena para dar luz as suas próprias histórias foram as sugestões de atividades para trabalhar a diversidade com as crianças em sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer a cultura Afro-brasileira e Indígena é essencial para compreender as suas marcas da vida, as suas lutas, as suas crenças, as suas fontes de força ancestral. A sociedade estruturada no padrão estético, cultural e social europeu não oportunizou espaços para que a voz da população preta e indígena ecoe a verdade sobre a história do país. O caminho para a valorização das raízes afro e indígenas é o contato com a sua cultura, com a sua contribuição para a vida de todas as pessoas. O Carnaval é para o povo negro o maior portal de transmissão cultural com o povo. É o lugar de fala da pessoa preta, é retrato do que é a sua vida, pela sua letra, pela sua voz, pela sua dança e pela sua arte, pelo seu axé.
A partir da exploração do acervo Museu da Pessoa, que abriga histórias de milhares de brasileiras e brasileiros negros e indígenas, o professor tem um vasto exemplar de como retratar, em sala de aula, a história do povo tal qual ela verdadeiramente é. A trajetória de vida é narrada pela própria pessoa, evidenciando o seu eu e sua vida dentro pelo próprio grupo étnico. São pessoas indígenas que anseiam por levar ao conhecimento de todos a existência e o valor da história de seu povo. “Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós. Povos indígenas deste país, vocês existem e são valiosos para nós. (Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania).”
Em homenagem a Glória Maria, Manoel Soares afirmou que a jornalista deixou uma lição: “Se você tem conhecimento e informação o lado que está te oprimindo ficará mais fraco.” Quanto maior for o conhecimento sobre a História Africana, Afro-Brasileira e presença Indígena nos mais diversos espaços sociais, mais difícil será para aqueles que as discriminam manterem seu preconceito pelo usufruto da justificativa de não saberem o que dizem.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF, 2004. 35p.
CONGRESSO EM FOCO. Vocês existem e são valiosos para nós: leia a íntegra do discurso de Silvio Almeida. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/leia-a-integra-do-discurso-de-silvio-almeida-somos-a-vitoria-dos-nossos-antepassados/. Acesso em: 01 mar. 2023.
FANTÁSTICO. Desmatamento avança nas terras dos indígenas isolados Piripkura. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10060663/. Acesso em: 01 mar. 2023.
FANTÁSTICO. Gloria Maria deixou um legado grandioso para jornalistas e comunicadores. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/11342119/?s=0s. Acesso em: 01 mar. 2023.
G1. Carnaval 2023 em São Paulo. Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/carnaval/2023/. Acesso em: 01 mar. 2023.
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https://globoplay.globo.com/categorias/carnaval/. Acesso em: 01 mar. 2023.
Ilé Àṣe Òṣòlúfón-Íwìn. Dicionário Yorubá. Disponível em:
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