A Necessidade de Regulamentar o Uso da Tecnologia na Educação, o Celular
A regulamentação do porte e uso de aparelhos eletrônicos na escola, especialmente telefones celulares, é matéria que suscita questões como: a) distração em sala de aula, tempo de exposição diária a telas em detrimento de atividades benéficas para a saúde física, exposição precoce a conteúdo inadequado; b) competência para regulamentação; c) direito das pessoas com deficiência a acessibilidade. O Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023 , lançado com o subtítulo “A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, afirma que o uso de tecnologia por estudantes em sala de aula pode causar distrações que prejudicam a aprendizagem. A afirmação baseia-se em resultados de diferentes pesquisas, tais como efeito negativo encontrado entre o uso de telefones celulares por estudantes e resultados da educação, considerando estudantes do pré-primário à educação superior em 14 países; associação negativa entre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e o desempenho dos estudantes no PISA3 acima do limiar de uso moderado; pesquisa com professores participantes do ICICLS 20184 , em que um terço de professores em sete países participantes concordaram que o uso das TIC em salas de aula distrai os estudantes.
O Relatório alerta também que a aprendizagem online se apoia na habilidade de estudantes de se autorregularem e que pode colocar os que têm menor desempenho, bem como os mais novos, em risco cada vez maior de abandono escolar. Sobre o tempo de exposição a telas, o Relatório afirma que o tempo prolongado, no caso das crianças, “pode afetar de forma negativa o autocontrole e a estabilidade emocional, aumentando a ansiedade e a depressão. Por essa razão, por exemplo, o Ministério da Educação na China limitou o uso de dispositivos digitais como recursos educacionais a 30% do tempo total de ensino e há países que proíbem o uso de smartphones nas escolas, ou o uso de ferramentas ou redes sociais específicas nas escolas (Itália e os Estados Unidos). Um estudo populacional com mais de 40 mil crianças e adolescentes verificou a associação entre o tempo de tela e a diminuição dos indicadores de bem-estar psicológico entre crianças e adolescentes de 2 a 17 anos. Após a primeira hora de uso, mais horas de tela foram associadas a uma diminuição do bem-estar psicológico, incluindo menos curiosidade, menos autocontrole, mais distração, mais dificuldade para fazer amigos, menos estabilidade emocional e menor capacidade para concluir tarefas5 . Na maioria dos casos, mesmo um uso “moderado” de tela, de 4 horas por dia, também está associado à diminuição significativa dos indicadores psicológicos quando comparados à um uso reduzido, de até 1 hora por dia. Os adolescentes de 14 a 17 anos com esse uso moderado, comparado com o uso reduzido, estavam 78% mais inclinados a não serem curiosos, 60% mais inclinados a não manterem a calma quando desafiados, e 66% mais inclinados a não concluírem suas tarefas, e 57% mais inclinados à discutem demais com seus pais e responsáveis. Os efeitos da associação do tempo de tela e o menor nível de bem-estar psicológico foram maiores entre os adolescentes do que entre as crianças. Esses resultados não deixam dúvida sobre a necessidade de se regulamentar o uso de telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis em sala de aula, tema dos projetos de lei em exame. Não há, contudo, até o momento, orientação explícita do Ministério da Educação sobreo tema, apesar de estar vigente a Base Nacional Comum Curricular, com a definição de habilidades e competências relacionadas ao mundo digital, a Política de Inovação Educação Conectada e a Política Nacional de Educação Digital .
O entendimento de que a matéria deve ser tratada pelos sistemas de ensino, instituições escolares e docentes, em diferentes níveis de autonomia, não deve ser compreendido, a nosso ver, como empecilho para uma regulamentação em lei nacional que trate de aspectos que devam ser seguidos por todas as escolas, em benefício de todos os alunos, deixando para cada sistema de ensino, instituição escolar e docente espaços de discricionariedade para regular as peculiaridades em seus âmbitos de atuação.
Nessa direção, propomos: a) permissão de porte e uso para os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio; b) autorização em sala de aula para fins estritamente pedagógicos; c) garantia de porte e uso aos alunos com deficiência, independentemente da etapa de ensino e do local de uso, com vistas aos processos de acessibilidade de que necessitarem.
Como argumentos em defesa dessas restrições, citamos algumas das constatações da publicação Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital8 , da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP),
“O uso precoce e de longa duração de jogos online, redes sociais ou diversos aplicativos com filmes e vídeos na Internet pode causar dificuldades de socialização e conexão com outras pessoas e dificuldades escolares; a dependência ou o uso problemático e interativo das mídias causa problemas mentais, aumento da ansiedade, violência, cyberbullying, transtornos de sono e alimentação, sedentarismo.”
Fonte: Relatório apensado ao projeto de lei N. 104/2015
Câmara Federal
Relatório de Monitoramento Global da Educação -2023