A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO*

Oséias Santos de Oliveira (1)

Introdução

Os processos que envolvem a democratização da educação pública são discutidos, tanto em âmbitos escolares quanto acadêmicos, sempre considerando-se os aspectos singulares que os circundam. Democratizar a educação perpassa pelo viés da qualidade, como princípio intrínseco aos processos do acesso, da permanência, da autonomia, das práticas e compromissos de seus atores. Essa almejada qualidade se torna concreta na medida em que se destina a preparar o indivíduo para o exercício da ética profissional e da cidadania, bem como para que este possa compreender e ter acesso a todas as manifestações da cultura humana (FONSECA, 2009).

Esse estudo tem como objetivo analisar como são organizadas as políticas educacionais de modo a promover a democratização, dentro das limitações impostas pelo macro sistema, nas relações e nas ações firmadas em torno de um Sistema Municipal de Ensino (SME). Para o alcance desse propósito efetiva-se uma pesquisa de natureza qualitativa, calcada em um Estudo de Caso, quando o Sistema Municipal de Ensino de Santa Rosa (SME/SR), localizado ao Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul é objeto de investigação. Os sujeitos formuladores das políticas públicas, configurados como Gestores Municipais (prefeitos), Gestores Educacionais Municipais (secretários municipais de educação) e presidentes do Conselho Municipal de Educação (CME), são instigados e apresentam suas concepções em torno dos processos que envolvem a democratização da educação local, a partir de relatos em entrevistas e respostas a questionários.

A análise ocorre no período entre 1997 e 2012, quando foram identificados três períodos do SME/SR, sendo: a) Período de Criação do SME/SR (entre 1997 e 2000), sendo o município administrado pelo PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro e quando ocorre a criação do SME (em 1999); b) Período de Implantação do SME/SR que teve à frente do poder municipal o PP – Partido Progressista (que permanece por dois mandatos consecutivos na administração, entre 2001 – 2008); c) Período de Consolidação do SME/SR (2009-2012), quando o município foi administrado pelo PT – Partido dos Trabalhadores e onde foi criada e implementada a Lei Municipal da Gestão Democrática (em 2010).

Como método de análise das políticas públicas executadas no espaço do SME/Santa Rosa, no período entre 1997 e 2012, tomou-se a opção pelo Ciclo de Políticas (BALL; BOWE, 1992, 1994), quando o foco deste estudo recai no Contexto da Prática, onde se entende que as políticas podem ser reinterpretadas e recriadas, a partir das posições assumidas pelos sujeitos que fazem a educação acontecer, com isso, algumas das políticas podem ter sua configuração original ajustada, de modo a provocar mudanças em seus rumos.

1. Abordagem do Ciclo de Políticas: um método de pesquisa para as políticas públicas

A Abordagem do Ciclo de Políticas (Policy Cycle Approach), entendida como um método para análise das políticas, foi apresentada e discutida pelos pesquisadores Ball e Bowe (1992, 1994) que inserem cinco contextos, em torno dos quais uma política é planejada, executada e revisada. Esses são delimitados em: a) Contexto das Influências; b) Contexto da Produção de Textos; c) Contexto da Prática; d) Contexto dos Resultados e e) Contexto das Estratégias Políticas. Os autores desenvolvem esse método com o objetivo de compreender as políticas educacionais no contexto das micropolíticas e orientam que há uma inter-relação entre esses contextos uma vez que não apresentam uma dimensão temporal ou sequencial e, por outro lado, por envolver embates que se dão em arenas de disputas que congregam diferentes grupos de interesse.

O presente estudo tem seu foco no Contexto da Prática, considerando que, como os textos políticos produzidos a partir de conflitos e compromissos de seus formuladores não se esgotam em si precisam, na prática, ser recriados e reelaborados (BALL e BOWE, 1992). O Contexto da Prática se constitui, pois, por meio das possibilidades e dos limites materiais que se destacam nos ambientes escolares e nos espaços de atuação dos professores, dos gestores e demais agentes articulados ao processo de ensino.

A partir de Bowe e Ball (1992) se discute que os sujeitos, em atuação nos espaços escolares recebem e interpretam as políticas a partir de suas próprias experiências, de seus valores, de suas histórias de vida e dos engajamentos vivenciados no coletivo profissional. Este movimento denota que, nos espaços do SME, a leitura das políticas não ocorre de modo ingênuo ou descomprometido, uma vez que os sujeitos escolares farão os mais distintos usos de um texto político produzido, pois, serão estes os locais onde a política se insere e para o qual ela é endereçada. Por meio dos textos políticos diferentes leituras são realizadas e as ações cotidianas dos docentes serão sempre associadas às suas possibilidades concretas de atuação.

2. Democratização da Educação Pública

Ao discutir o enfoque da democracia na atual conjuntura Wood (2003, p. 193) afirma que é exatamente o capitalismo “que torna possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas”. Este entendimento da autora possibilita antever, de um lado, avanços na questão da democratização da sociedade e, de outro, uma ausência das políticas e práticas sociais que esta mesma sociedade necessita para suprir suas demandas básicas.

Na obra freireana se encontram elementos suficientes para a defesa de uma ação libertadora dos homens que se faz na humanização, no diálogo e a autonomia que estes vão construindo ao longo de seu fazer histórico. Assim Freire (1987) critica aqueles que falam de democracia, mas, nas práticas querem silenciar o povo, também os que discursam sobre humanização, porém, negam os homens. Tudo isto, no dizer de Freire, não passa de farsa, de mentira elaborada para confundir. No processo de democratização da sociedade e do próprio homem, é preciso que palavras e ações sejam articuladas com um sentido de libertação que se dá comunhão entre os sujeitos que, conscientes de sua natureza, sabem que não se educam sozinhos.

As posições destacadas pelos sujeitos políticos do SME/SR foram agrupadas em torno da categoria Democratização, sendo relacionadas as seguintes subcategorias: a) Autonomia; b) Participação; c) Diálogo e d) Publicização.

2.1 Democratização e autonomia

Ao situar a autonomia como elemento necessário à democratização da educação municipal o GM 01 exalta a perspectiva de autonomia administrativa da Secretaria Municipal de Educação, no Período de Criação do SME/SR, quando “também entrava já a questão do FUNDEF. Então era gerenciamento, daí o secretário também passou a ser o ordenador de despesas, de investimentos em educação. Era outro bojo de responsabilidades que a gente tinha que se inteirar e ter conhecimento teórico. E também nos tínhamos um compromisso de tornar mais independente a nossa gestão administrativa ” (GM01). No mesmo enfoque, relembra que a autonomia financeira das escolas públicas municipais também se colocava como essencial à concretização dos objetivos das escolas quando, conjuntamente, os gestores destas unidades assumiam responsabilidades no gerenciamento de recursos financeiros. Isto se percebe na fala “... nós implementamos uma série de fatores, sempre buscando a fundamentação legal e a questão também possível... nós implantamos a gestão administrativa das escolas, que então era uma prestação e um gerenciamento dos próprios professores, era um valor designado a cada 90 dias, em termos de uma conta específica que eles pudessem gerenciar” (GME 01).

Fruto destas ações de autonomia nas questões administrativas e financeiras, os gestores municipais, frente às necessidades e fixadas às possibilidades legais, passam a discutir as dimensões da autonomia das instituições escolares. No Período de Implantação do SME/SR a percepção do GM 01 salienta que a dinâmica de abertura democrática passa, em algumas situações, por conflitos de interesses dos sujeitos que se articulam, na formulação das políticas ou na sua execução. Em sua lembrança destaca: “se nós decidimos abrir de forma mais democrática um processo gerencial, de modo mais claro o processo educacional, tínhamos que agir assim (...) às vezes era desconfortável, às vezes aquilo que a gente acha que é o melhor se perde... então seria assim uma contradição, ou um conflito. Eu aprendi que quanto mais pessoas a gente ouve menos erros se comete” (GM 01). Assim a construção do SME avança, no embate, nas lutas travadas e nas aproximações possíveis entre interesses distintos e objetivos comuns.

A autonomia da gestão pedagógica e administrativa das escolas municipais é referenciada pelo GME 03, que, em sua atuação frente à Secretaria Municipal da Educação e Juventude (SMEJ), no Período de Consolidação do SME confirma que “... com a criação dos Conselhos Escolares nas escolas este foi um passo muito grande, na democratização e também no fortalecimento. Até então só tinha a Associação Círculo de Pais e Mestres, hoje essa continua existindo, mas vem o Conselho Escolar também com o objetivo de fortalecer ainda mais. Um não vem para tirar o lugar do outro, mas vem para fortalecer a participação popular na escola, a participação da comunidade na escola”.

Libâneo, Oliveira e Toschi (2011) argumentam que “a autonomia é o fundamento da concepção democrático-participativa de gestão escolar, razão de ser do projeto pedagógico”. A autonomia escolar, e, de modo mais amplo também a própria autonomia do SME é relativa, entretanto, torna-se necessário destacar que todo esforço da comunidade educacional deverá ser pautado na consolidação da gestão democrática, para que sejam garantidos espaços de autonomia que não se limitem apenas às questões legais ou burocráticas, mas que se integrem também às ações pedagógicas de sala de aula e do contexto mais amplo da própria comunidade. Gadotti (1989, p. 73) considera que “insistir na autonomia da escola não é conferir-lhe um estatuto que a isola da sociedade e das lutas aí travadas”.

2.2 Democratização e participação

Ao considerar a participação como o caminho natural para que o homem possa exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo, Bordenave (1985, p. 16), salienta que a sua prática envolve necessariamente “a satisfação de outras necessidades não menos básicas, tais como a interação com os demais homens, a auto-reflexão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas e, ainda, a valorização de si mesmo pelos outros”.

A participação consciente e crítica favorece um maior conhecimento dos objetivos e metas, da estrutura organizacional e das relações que se operam no contexto de um SME sendo ainda uma necessidade fundamental ao exercício democrático. Com vistas a ampliação dos espaços participativos todos os sujeitos envolvidos no processo educacional devem ter a oportunidade de expressar suas ideias e de contribuir para o fortalecimento das políticas sociais projetadas e executadas no espaço das instituições educativas.

O GM 01 relembra que em situações anteriores o aspecto de democratização e participação não estava presente efetivamente e, assim, cabia aos administradores tomar decisões em nome da coletividade. Entretanto, frente às novas dinâmicas de organização das políticas públicas, especialmente no contexto de democratização vivido no Brasil em meados da década de 1980 este sujeito manifesta: “conseguimos aos pouquinhos ir arredando obstáculos daqui e dali, porque, vamos imaginar, no tempo em que, até então, era usual que o prefeito, com o secretário, tomassem as decisões e [as] executassem. A partir de então começamos a pensar, via CME, esse processo de discussão mais ampla, este processo de democratização” (GM 01).

Com o objetivo de dinamizar o processo de participação da comunidade escolar de modo que essa se envolvesse na discussão de problemas detectados em seu meio, como por exemplo, a repetência e a evasão, a administração municipal apostou no fortalecimento do SME, com ações que refletissem um crescimento educacional de qualidade. Isto se evidencia quando o GM 01 menciona: “uma das demandas até então era a evasão escolar e a repetência. Focamos em cima destas questões e fizemos ações bem concretas e objetivas através das escolas. A própria eleição de diretores que desenvolveu uma política de consciência da comunidade escolar. Então este conjunto de elementos mereceu nossa atenção e permitiu que o SME pudesse crescer na sua globalidade” (GM 01).

No CME a participação se efetiva sob o enfoque da representação dos segmentos sociais com assento no órgão colegiado quando os conselheiros, cientes de responsabilidade na formulação das políticas educacionais procuram visitar as escolas e apoiar as demandas que delas se originam. O Presidente 03, atuando no Período de Implantação do SME destaca: “buscávamos através da nossa representação no CME a participação de todos os segmentos, exigindo a presença nas reuniões. Outra forma através de visitas as escolas, apoiando-as e assessorando-as em projetos”. A iniciativa de ampliação dos canais de participação entre de CME e comunidade foi destacada pelo Presidente 05 que considera a aproximação do colegiado com as escolas, quando as políticas formuladas e os textos produzidos são expostos à comunidade, de modo a socializar informações e estimular os sujeitos a acompanhar os processos em execução. É o que se revela na fala deste presidente quando afirma “durante nossa gestão, apresentamos através de um fórum, um caso, onde a pauta foi apresentação das diretrizes/missão/deveres do CME, com a presença de diversas lideranças educacionais” (PRESID 05).

A necessidade de aproximação e de ampliação dos canais de participação é percebida também pelo GM 02 que destaca “a administração optou pela construção coletiva, através de Conferências Escolares e Conferência Pedagógica Municipal, dos princípios Pedagógicos que norteiam o ensino da rede Municipal de Santa Rosa”. Na proposição de ampliação dos espaços participativos houve, por parte da comunidade escolar, uma resposta positiva à convocação dos gestores do SME. Em especial o GEM 03 salienta que “temos percebido que as comunidades escolares estão muito participativas, acolheram nosso chamado, acolheram o chamado da escola”.

Deste modo, em 2009 realizou-se, em Santa Rosa, a Conferência Municipal de Educação efetivando assim uma das propostas do Plano Municipal de Educação, que previa a realização deste importante espaço para discussão das questões educacionais locais. Essa conferência esteve articulada à discussão nacional das políticas educacionais – promovida pela CONAE/2010. Inicialmente, os eixos temáticos da CONAE foram discutidos nos espaços escolares envolvendo os segmentos: professores, alunos, funcionários, pais ou responsáveis e, posteriormente uma representação de cada escola participou da Conferência Municipal, quando foram eleitas duas delegadas para participação na Conferência Estadual de Educação, sendo que uma delas representou o município na CONAE em Brasília/DF, no ano de 2010. A socialização da participação nessas etapas da CONAE foi fundamental para que se possibilitasse a compreensão, por parte de todos os sujeitos do SME/Santa Rosa, da importância deste momento para a definição de rumos da educação nacional.

Na preparação dos grandes eventos, configurados como conferências, se sobressai a participação dos sujeitos escolares que, engajados, trazem suas contribuições para expandir o enfoque democrático e de qualidade do ensino municipal, sendo que fica evidente esta perspectiva na voz do GM 03 que afirma “nós fizemos a 1ª Conferência Pedagógica do Município de Santa Rosa, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, e o que antecedeu isto foi o trabalho nas escolas, com as conferências escolares, com a participação dos segmentos das comunidades, trazendo depois para sistematização, na Conferência Municipal e isto foi muito gratificante pois a participação efetiva, [...] culminou na criação dos princípios pedagógicos para a rede municipal de ensino” (GM 03).

Junto ao CME a participação também se faz elemento necessário para que os envolvidos na formulação das políticas possam se qualificar e dar retorno às demandas da comunidade educacional. O Presidente 04, analisando a atuação no CME no Período de Implantação do SME refere que: “com as escolas há bom relacionamento, procuramos emitir ofício para informar assuntos do interesse das mesmas, bem como procuramos divulgar à comunidade, através do jornal, ou rádio o que vimos realizando, como pautas das reuniões, eventos que realizamos e participamos, encontros regionais e estaduais que envolvem a participação de todos os conselhos”, por outro lado, indica que ainda há necessidade de avanços nas relações com a SMEJ para que a participação seja efetivada de modo integrado e consistente, citando que “é preciso unir esforços por parte da administração municipal para que o CME funcione, articulação com as entidades que integram o CME para fortalecer sua participação” (PRESID 04).

Contudo, a observação do GME 03 é clara no sentido de que um processo de participação na definição e execução de ações educacionais locais precisa se configurar em políticas públicas, que se projetam a longo tempo e não como meros programas que se prestam por um período e que, mudando o governo, são esquecidos pelos sujeitos escolares. Sua perspectiva aponta que “neste momento sinto a aceitação bem maior dos grupos das escolas. Isto pode se comprovar com a participação dos grupos nas formações e com as contribuições dos grupos nas formações. Então acho que esta questão do conservador hoje não se tem sentido muito mais isto, está bem mais tranquilo, as pessoas estão bem mais abertas ao novo e a uma proposta acolhedora que venha para fortalecer a educação como um todo. No sentido de fortalecer a educação, que não seja um modismo para daqui a pouquinho, passando o governo, acabou também a proposta” (GME 03).

Compete ressaltar a partir de Freire (1986, p. 60) que “é impossível ensinar participação sem participação” do mesmo modo que é “impossível se falar em participação sem experimentá-la”. Então, nos espaços privilegiados do SME, este exercício precisa se constituir em ação de permanente aprendizado, ultrapassando as barreiras do comodismo, do conformismo e dos determinantes muitas vezes impostos aos sujeitos educativos.

2.3 Democratização e diálogo

Ao promover a reflexão sobre as relações entre democracia e diálogo Freire (1992, p. 61) entende que nesta imbricação “o diálogo é a possibilidade de que disponho de, abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento”. Nas trocas de informações, de experiências e de vivências dos sujeitos que se relacionam em torno de práticas comuns ou distintas, o diálogo se projeta como elemento indispensável à promoção do respeito tanto às individualidades quanto às diferenças.

A partir da perspectiva freireana o diálogo pode ser compreendido como o fundamento antropológico a inspirar homens e mulheres a alimentar “a esperança na construção de processos socioculturais emancipatórios, que venham a concretizar a utopia de um mundo mais humanizado” (ZITKOSKI, 2005, p. 01). Portanto, a prática dialógica, fundada em princípios autônomos conduz à libertação dos sujeitos que, não se condicionando aos determinantes impostos por aqueles que querem manter as coisas do jeito que sempre foram, avançam na concretização de uma construção social mais justa e coerente com os valores e sentidos que fundamentam a vida humana.

O GME 01 avalia que no Período de Criação do SME/SR houve uma necessidade explicita de estabelecer um diálogo aberto com a comunidade escolar, para que, na função de gestor à frente do órgão responsável pela execução das políticas educacionais pudessem ser conhecidas as necessidades das escolas da rede municipal. O trabalho que então se efetiva se assenta no diálogo como forma de integração entre executivo e sujeitos escolares, conforme afirma: “como secretário passei em todas as escolas, em assembleias de pais onde, no turno da noite, fazíamos palestras, com o intuito de colocarmos a relação da família-escola. Trabalhei com todas as escolas, na época nós tínhamos 36 escolas... E assim também, na questão das creches, onde efetivamente se colocou a importância da presença dos pais na educação do filho. E este trabalho nós desenvolvemos com muita responsabilidade, com muita seriedade e atingimos um contingente, considerando os alunos, de mais de oito mil pessoas. Foi um chamamento, muito forte, pedagogicamente falando, e também uma interação efetiva entre escola e família” (GME 01). O diálogo entre os distintos sujeitos, tanto os integrantes da sociedade política quanto daqueles advindos da sociedade civil, se fixa na interação e mediação para que sejam compreendidos os sentidos da integração família e escola.

As ações dialógicas levadas a efeito no Período de Consolidação do SME são recordadas pelo GM 01 a partir da ideia de um progressivo entendimento entre sujeitos formuladores de políticas, que também se alarga aos demais espaços da sociedade civil. Sua reflexão sinaliza que “houve o entendimento progressivo das pessoas e este entendimento criou a convicção na maioria das pessoas e permitiu que cada passo pudesse ser dado e, à medida que as coisas foram andando notava-se que tinha valido a pena aquela modificação”. Porém, a abertura de um processo de democratização das ações educacionais, que necessariamente passa pela dimensão de dialogar com o outro e também assumir a atitude de escuta, nem sempre se insere num processo tranquilo, pois quando interesses antagônicos são manifestos podem ocorrer conflitos. É o que assegura o GM 01 quando relembra que a abertura do processo gerencial implicava também em ouvir e respeitar a opinião divergente, ainda que isto signifique, grosso modo, algum recuo no processo político instaurado pelos administradores municipais. Neste sentido, o desafio maior no sentido de se estabelecer um diálogo mais próximo foi destacado na relação com o CME, pois conforme cita o gestor esse órgão : “era composto por pessoas qualificadas e nós procuramos respeitar isto, mesmo que em alguns momentos houvesse algumas contendas, algumas divergências, mas no global eu posso assegurar que estas instâncias, estes fóruns foram muito importantes para permitir que aquilo que está na lei passasse a estar na vida... na ação do professor, do diretor, dos pais, dos conselhos” (GM 01).

Ainda que os conflitos de interesses se manifestassem na relação entre executivo e CME em determinados momentos estes se afinavam em nome do bom entendimento entre os sujeitos da sociedade política e da sociedade civil. O Presidente 05, em seu mandato à frente do órgão colegiado explicita que: “durante todo período de nossa gestão, não foi percebido inconformidades referente à atuação do CME. As negociações se mantiveram tranquilas nas suas tratativas, buscando sempre um acordo, onde com bom senso todos saíssem satisfeitos, com o andamento das correções das irregularidades apresentadas”. Ainda, este presidente destaca a aproximação que o conselho buscou manter com os sujeitos políticos quando, em plena campanha eleitoral municipal de 2004, os candidatos ao cargo de prefeito foram chamados para debater junto ao CME suas propostas para a área educacional. Isto se referencia na fala do Presidente 05 que explicita: “num outro momento, tivemos a oportunidade de proporcionar uma discussão com os candidatos a prefeito, onde estes apresentaram sua plataforma de governo, e foram questionados pelos conselheiros, gerando sem dúvida um belo momento de reflexão e consequentemente de definições”.

No Período de Consolidação do SME as ações efetivadas no campo educacional são anunciadas pelo GME 03 como embasadas no diálogo entre os sujeitos ligados à administração municipal, ao CME e às escolas da rede. Anuncia assim esta perspectiva: “temos como prática o diálogo e o fortalecimento dos grupos, dos Conselhos, então não poderia ser diferente com o SME. Temos tido sim um bom diálogo com o CME, temos tido um bom diálogo com as escolas e a SMEJ busca o fortalecimento do Sistema desta forma, com um bom diálogo e também com a formação dos grupos”. Como instrumentos para firmar o diálogo com a comunidade o gestor deste período informa que “temos o site da prefeitura aonde todas as questões vão para este site para que a comunidade possa estar acompanhando. Fazemos também um trabalho ocupando a mídia nas rádios do município e acho que também as visitas, os encontros que a gente faz nas escolas, aproveitando estas reuniões de pais, enfim, para estar dialogando com eles”.

Os avanços decorrentes do estabelecimento de uma prática dialógica são saudados pelo gestor, pois, em sua concepção, “hoje eu percebo uma leveza assim, as pessoas têm tranquilidade em estabelecer o diálogo, em resolver as coisas através do diálogo com a SMEJ, percebendo que esta é a prática da secretaria. Então eu acho que evoluímos bastante neste sentido, e eu vejo a aceitação do novo, sendo bem mais tranquilo lá na escola, da Proposta Pedagógica nova, das orientações a respeito de uma escola mais democrática e de qualidade social” (GME 03).

A participação cidadã, pautada no diálogo e na autonomia, frequentemente proclamada nos documentos orientadores das políticas educacionais caracteriza-se, na visão de Teixeira (2001), pela busca de consensos, pela construção de identidades, pelo controle na aplicação dos recursos públicos, pela interferência na elaboração de orçamentos, pela criação e efetivação de direitos e pelo enfrentamento de problemas que se apresentam no dia a dia. Será, por meio do diálogo produzido nos espaços dos conselhos, dos fóruns, das conferências e de outras arenas públicas que a participação se constitui, com o enfoque da sociedade exercendo papel fundamental no controle social e político do Estado, pois, “o diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com outro” (FREIRE, 1992, p. 60). Desta forma se cria a possibilidade aos cidadãos de atuarem na definição de critérios e parâmetros que serão imprescindíveis para o planejamento e execução das políticas públicas.

2.4 Democratização e publicização

O termo publicização, empregado neste estudo, pode ser compreendido como a ação de tornar público os atos executados no período de existência do SME/SR. Os atos, tanto aqueles do poder executivo, do legislativo e do CME precisam ser divulgados amplamente para que a comunidade esteja ciente das formulações e implementações de políticas nos âmbitos administrativos e normativos.

Na definição de publicidade há que se considerar que o conceito, quando compreendido em seu sentido amplo, pode abranger toda e qualquer informação que é tornada pública, seja através de propagandas, discursos políticos, veiculação na mídia impressa e falada, consultas públicas, debates, encontros entre outras formas de socialização de informações.

É preciso considerar ainda, quanto à característica de publicização nas esferas administrativas públicas que, dentre os princípios alocados pela Constituição Federal/1988, no seu Artigo 37 estão expostos: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. No primeiro parágrafo deste mesmo artigo ainda preceitua que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas (...) dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social (...)” (BRASIL, 1988, Art. 37, § 1º).

Além das publicações legais produzidas e publicadas no período de existência do SME/Santa Rosa, essenciais ao ordenamento jurídico que baliza os atos da administração pública, cada governo utiliza-se de instrumentos e meios de publicidade para a divulgação das ações realizadas na esfera da educação municipal.

A divulgação das políticas formuladas e executadas no Período de Criação do SME/SR esteve, segundo informa o GME 01, centrada em informativos, folder e jornais. Em suas observações destaca que “quando era um instrumento a nível municipal então sim tinha parte da educação que era divulgada, através de folder, através de jornal, através de instrumentos de divulgação das atividades realizadas ou comparativas e assim por diante, mas a nossa atividade era diária na divulgação e claro a gente tinha e era direto com os diretores e professores, porque nós tivemos encontros marcantes na educação” (GME 01). Em especial, este gestor relembra que, através do contato direto com a comunidade, foram promovidos via Secretaria de Educação encontros e reuniões nas escolas municipais: “pela nossa atividade de visita aos pais, quer dizer, palestras aos pais e encontros nas escolas, nas creches e assim por diante, também era uma forma específica da área da educação divulgar o que estava sendo feito. Além do gerenciamento da merenda, do transporte” (GME 01).

Entre os anos de 2001 e 2008 quando, por dois mandatos, a mesma administração se manteve no poder executivo municipal, aqui apresentado como Período de Implantação do SME, a divulgação das políticas educacionais esteve essencialmente centrada nos espaços midiáticos (imprensa falada e escrita). Na lembrança do GM 02 é ressaltado que “fazíamos bastante esta divulgação do trabalho realizado, tanto que na época tentei manter um programa de rádio exatamente onde tinha este espaço para as escolas se manifestarem, onde as escolas divulgavam suas ações” (GME 02). Este programa radiofônico, comandado pela SMEJ, contava em cada edição com a participação das escolas através de alunos, professores e diretores que utilizavam estes espaços para socialização de projetos e atividades realizadas internamente por suas instituições educativas. A estratégia de utilização de jornais escolares também foi estimulada neste período quando as próprias escolas produziam seus informativos que eram destinados à comunidade local. Nestes periódicos escolares a SMEJ buscava os destaques de ações significativas realizadas pelos educandários e encaminhava para divulgação na imprensa local e regional: “tivemos o jornal no qual as escolas participavam e podiam trazer as suas informações. Sempre se procurou sim divulgar, se procurou ajudar as escolas neste sentido [...] na secretaria sempre tínhamos uma pessoa responsável pela parte da divulgação e que fazia esta ponte com as escolas. Quase todas as escolas, as maiores ao menos, elas têm o seu próprio instrumento de divulgação, mas mesmo assim a gente ajudava a divulgar, mandava para os jornais da cidade e da região e mesmo os estaduais e nos próprios instrumentos internos que nós criamos para fazer esta divulgação” (GME 02).

No CME a estratégia de apresentação das ações tomadas pelo colegiado municipal esteve, no mandato do Presidente 05, voltada para reuniões com a comunidade escolar com o objetivo de discutir e de situar o papel deste órgão. Assim se reporta o Presidente 05 “durante nossa gestão, apresentamos através de um fórum, um case onde a pauta foi apresentação das diretrizes, da missão e dos deveres do CME, com a presença de diversas lideranças educacionais”.

Ao considerar a publicização, no Período de Consolidação do SME, o GME 03 traz um elemento até então não utilizado amplamente, que trata dos recursos tecnológicos digitais, além dos já consagrados meios jornalísticos e radiofônicos. Os encontros com a comunidade também são destaque em sua fala: “temos o site da prefeitura aonde todas as questões vão para este site para que a comunidade possa estar acompanhando. Fazemos também um trabalho ocupando a mídia nas rádios do município e acho que também as visitas, os encontros que a gente faz nas escolas, aproveitando estas reuniões de pais, enfim, para estar dialogando com eles” (GME 03).

No espaço do CME as ações de divulgação das ações, dos atos normativos e diretrizes se efetivaram, em relação às escolas, de modo muito espontâneo, pois, conforme cita o Presidente 04: “com as escolas há bom relacionamento, procuramos emitir ofício para informar assuntos do interesse das mesmas, bem como procuramos divulgar à comunidade, através do jornal, ou rádio o que realizamos, como a pautas das reuniões, os eventos que realizamos e participamos, encontros regionais e estaduais que envolvem a participação de todos os conselhos” (PRESID 04) e ainda referenda que, além da publicidade na imprensa, o contato com a comunidade escolar é de fundamental importância, pois: “a divulgação das ações do CME é feita nas reuniões pedagógicas com os diretores e professores, cada um na sua área. São divulgados na imprensa local, rádio, folhetos impressos, através de palestras, etc” (PRESID 04). Em relação à aceitação dos atos e orientações que emanam do CME, o presidente, que atuou no Período de Consolidação do SME define: “as políticas em educação, de modo geral, foram bem aceitas. Não tenho conhecimento de resistência ou não aceitação por parte dos professores de qualquer ato normativo emitido pelo CME” (PRESID 04).

As orientações do Ministério da Educação (BRASIL, 2007, p. 11), expostas no documento Plano de Desenvolvimento da Educação – Razões, princípios e planos, provocam a comunidade a um posicionamento explícito no sentido de exigir transparência no tratamento das questões educacionais e também no debate em torno das políticas de desenvolvimento da educação, pois, “desse modo, a sociedade poderá acompanhar sua execução, propor ajustes e fiscalizar o cumprimento dos deveres do Estado”. A partir da fixação destas necessidades percebe-se que, nos documentos normativos nacionais que delimitam os atuais programas e ações em execução no locus municipal, há uma preocupação com a questão da publicização das informações e dos atos efetivados tanto em contextos escolares como dos demais órgãos ligados aos Sistemas de Ensino.

Considerações

No aspecto do gerenciamento de um SME convergem interesses que, advindos de pontos distintos sinalizam para um aprendizado de gestão democrática. Ainda que incongruências sejam manifestas em determinados momentos da gestão, a cada tomada de decisão imediatamente são registrados reflexos sobre a totalidade ou partes do sistema, ainda, sobre as práticas escolares, sobre os ajustes legais e sobre a organização dos grupos quando são passíveis de aceitação ou, em situações pontuais, de refutação. Portanto, na gestão do SME/Santa Rosa se articulam forças que, muitas vezes veladamente, contribuem para que o processo decisório seja realizado.

Os propósitos educacionais efetivados no SME e que solidificam a gestão democrática nas escolas municipais de ensino fundamental vêm laurear um processo que tem início na criação do sistema de ensino próprio. Depois de uma década de existência do SME consolida-se, no âmbito municipal a Lei da Gestão Democrática que fixa a garantia legal da eleição de diretores e a instituição da vice-direção nas escolas com mais de 350 alunos, o que propicia maior organização por parte das instituições, em sua gestão interna. Também essa legislação possibilita a autonomia pedagógica e a relativa autonomia financeira de modo que, em cada escola, a comunidade possa gerenciar recursos e desenvolver projetos voltados à sua realidade. Todavia, sem dúvida, o maior progresso na democratização da gestão se introduz com a criação dos Conselhos Escolares.

O alargamento do legado democrático, participativo e emancipatório do SME/Santa Rosa se projeta com um dos grandes desafios a ser conquistado. Se, no Contexto das Influências estes princípios foram desenhados, e no de Produção de Textos foram fixados, agora, mais que nunca, no Contexto da Prática, a afluência de fazeres pedagógicos, sociais e culturais precisa ser coerente com os desígnios propositalmente firmados. Sem dúvida a ampliação dos espaços participativos, a efetivação de práticas democráticas e a construção educacional com vistas à emancipação dos sujeitos sociais, que tem parte no SME/Santa Rosa, podem ser consideradas como metas altruístas, porém cabe a indagação freireana: este “é um sonho possível ou não?”. Partindo do pressuposto de que se considerem as condições antagônicas que surgem no processo de construção deste sistema de ensino, o próprio Freire responde: “se é menos possível, trata-se, para nós, de saber como torná-lo mais possível” (FREIRE, 1986, p. 112). Este é, pois, o foco principal neste desafio: buscar compreender os dilemas, as falhas, as incongruências e revisar as práticas em execução no espaço do SME – compreendido como SMEJ, CME, escolas –, reelaborando as ações que estiveram, em algum momento, pautadas em interesses pessoais, partidários, ideológicos e governamentais e acorrendo para ações de enfrentamento à falta de participação e falta de diálogo.

Referências

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* Artigo pulicado como Capítulo 1 da obra:

Diálogos sobre políticas públicas e formação docente / organizadores, Oséias Santos de Oliveira ... [et al.]. -- Fortaleza: INESP, 2018. 240p. ; 21 cm. -- (Fazer Educativo; 17)

Obra disponível gratuitamente em:

https://www.al.ce.gov.br/publicacoes-inesp/educacao-pedagogia?page=3

(1) Doutor em Educação (UFSM/RS). Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/Câmpus Curitiba). Docente do Programa de Pós-Graduação em Administração Pública (PROFIAP) da UTFPR. Superintendente Executivo da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba. Contato: oseiass@utfpr.edu.br.