Os desafios e o papel do profissional docente
Quando nos reportamos à atualidade, ao que se vive no momento, é necessário afirmar que todo o contexto social, para chegar até aqui, sofreu mudanças no passado, sofre alterações no presente e passará por mudanças no futuro.
O homem, ator principal neste palco chamado mundo, influencia, assim como também é influenciado pelo que faz e cria. Das origens dos sistemas educacionais e de transformações sociais, com os modelos da Grécia com Atenas e Esparta, surgem a presença de dois tipos de educadores: Em Esparta, o que aplica a disciplina e a rigidez dos conhecimentos; e o de Atenas, centrado no conhecimento e na dialética utilizando a palavra e a oratória.
O que podemos afirmar é que pela ótica espartana, o professor era o detentor de todo o conhecimento e o aluno o receptor passivo, que mais tarde seria o transmissor desses conhecimentos da mesma forma.
O oposto ocorria em Atenas, mais especificamente. Surgia outra maneira de tratar o conhecimento, com o incentivo à formação do diálogo, da conversa, da ideia, da fala política. Não que não houvesse disciplina, mas era uma forma pela qual a educação passava a ter mais encanto. Havia movimento e vida no conhecimento e não apenas técnicas aplicadas.
Tanto em Esparta, como em Atenas, os professores eram os detentores dessa sabedoria capaz de transformar e portando, legado a esse agente, o papel de estrela do conhecimento, tratado com respeito e reverências.
Mas, há sempre quem conteste e as discordâncias também eram presentes no princípio da educação. Quando Sócrates, o filósofo dos olhos de Platão, avalia o conhecimento sofista, que valoriza a palavra bela, mas não ensina a pensar, há choque.
Era Sócrates o professor daquela atualidade, daqueles tempos modernos, uma pedra no caminho dos modelos de tradição, com ênfase na disciplina e na dureza espartana ou na retórica ensinada pelos mestres sofistas.
Isto posto, serve para nos pormos a refletirmos que a educação, desde o seu surgimento, com seu legado histórico, nos aponta para um estado não parado, mas em movimento, na direção de consolidar novas formas do conhecimento, não desprezando suas origens, mas, aperfeiçoando, sendo o docente o condutor dessas transformações que implicam os comportamentos sociais.
Não há como pensar a educação e o professor, seu principal agente, sem esse pé no caminho da história. Passados séculos e séculos desde a oposição entre Sócrates e os Sofistas e o sistema político de sua época, continuamos a discutir e a debater qual o melhor modelo educacional para o país, sobre os desafios da profissão docente e qual o lugar da docência na transformação da sociedade.
Voltemos para a história. Imaginemos a situação de Sócrates ao desafiar o pensamento consolidado dos sofistas. Imaginemos, algum professor tentar infundir na escola espartana a ideia do emprego da palavra e não apenas da força e da técnica. Certamente não foi fácil. Mudar, quebrar regras, estabelecer o caos e voltar a estabilizar é algo perturbador, desafiador, mas, muito pertinente aos que trabalham com o conhecimento.
Pelo que sentimos em sala de aula e nas conversas com professores fora dos muros das escolas, notadamente os docentes dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas, mas também de universidades públicas, escolas particulares, é que os desafios do profissional, desses agentes, são vencer a desvalorização da categoria, ganhar melhores salários, pertencer a uma escola de qualidade nos quesitos físicos, intelectual e com ferramentas modernas de trabalho. Uma escola na qual a docência volte ao seu centro de importância como fonte do conhecimento e das transformações sociais.
E tem mais. O professor que antes era visto com respeito pelos seus alunos, que antigamente ao entrar na sala da aula era recebido de pé, viu a ferrugem da indisciplina e do desinteresse minar sua profissão. Mas, não apenas isso. As notícias de agressões a esses profissionais é o cumulo do desrespeito.
As escolas estão cercadas por grandes e a polícia precisa fazer rondas constantes para que o tráfico não entre nesses estabelecimentos de ensino. Em muitos casos os entorpecentes já são realidade dentro das salas de aula. O professor não é valorizado como aquele que forma gente, pessoas, a partir de conhecimentos conquistados por esforço próprio após anos a fio enfiado em livros, escrevendo artigos, assim como Sócrates, contestando formas do conhecimento, estratégias educacionais, criando caminhos, depurando o ouro para entregar com prazer em sala de aula aos discentes. A frustração é o que fica.
Onde o retrato da educação é uma escola sob ameaça, o professor é tolhido no que foi para Sócrates sua base de formação, ou seja, o fazer pensar. Se os desafios dos parcos salários, que obrigam o professor a pertencer a várias instituições de ensino ao mesmo tempo, lhe impondo injusta e imoral carga de trabalho, o tolhimento do seu pensamento é a cicuta tomada por Sócrates.
Tememos mais ainda que num futuro não muito distante pelo que desenha a limitação do debate e da construção do pensamento, especialmente quando se trata de disciplinas como história, filosofia, psicologia, sociologia, entre outras influentes cátedras do nosso sistema educacional, seja ainda mais cruel ao professor sua condição de agente de formação de pessoas pelo conhecimento.
Some-se a essa problemática toda, o desafio do docente de receber os destroços que a família desajustada hodierna lança nas salas de aula, independentemente de condição social. Alunos sem esperança, que sem esperança também vivem seus pais, seus irmãos e amigos. E a pergunta fica atravessada na garganta do professor: O que fazer? Olhar o aluno dando às costas à própria educação, ao que pode ser sua única oportunidade de salvação, é difícil mesmo. É ter o remédio, que ofertado com desvelo ao doente, ele se recusa a tomar.
Há um tênue fio de esperança para muitos dos que já se entregaram aos vícios e ao crime e ainda assim estão na escola. Para esses, a esperança está exatamente na figura do docente, na posição da escola. Dói no docente a distância do aluno da sua formação escolar e de ver o futuro deles comprometido por desencantamento com a vida acadêmica.
Há ainda a acrescentar a esses desafios. Na escola atual, o docente tem assumido, além do papel de professor, as tarefas de pai, mãe, irmão, tutor, e de protetor dos desvalidos e excluídos de uma sociedade que anda desarrumada.
Toda essa problemática, constitui desafios que o professor não vencerá sozinho, sem a mão do Estado, sem o apoio da família e da comunidade.
Que a docência não seja vencida pela ignorância daqueles que descredenciam o conhecimento como ferramenta de inestimável valor à formação do cidadão. No passado, com falsos argumentos, levaram Sócrates a julgamento e à morte. Rejeitemos as cicutas da ignorância. Que a docência assuma os desafios que tem pela frente, mas não sem cobrar de quem é de devida obrigação, as responsabilidades pela valorização, credenciamento e fortalecimento do seu mister e da missão do profissional docente. É a docência fundamental no tocante às positivas transformações sociais. Zelemos por ela.