Ataque à escola
O ataque à escola ocorrido em uma escola estadual de Cambé no Paraná por um ex-estudante da mesma em que foi morta uma estudante de 16 anos e outro aluno está gravemente ferido não é o primeiro e todos parecem ter uma mesma configuração intencional. Não há uma escolha deliberada das vítimas. Portanto, não está na motivação dos atiradores a vingança contra um determinado professor que lhe atribuiu nota baixa ou um colega com quem teve alguma rixa dentro ou fora da escola.
Em Cambé o atirador disse à polícia que ele queria atingir os jovens com o objetivo de “retaliar o sofrimento” por que passou ali, bem como aliviar seu sentimento de mágoa contra isso. Como assim? Poderíamos perguntar. Quem nunca guardou mágoa de alguém? Até pai e mãe são objetos de muitas mágoas. Aliviar sofrimento até entendo, mas dessa forma? O que leva um jovem a fazer uso de uma ação para libertar-se, curar-se, seja lá o que se quiser chamar, usando de uma arma de fogo e atirar?
Em Aracruz o atirador de apenas 16 anos vestia-se com trajes de soldados nazistas, tinha como leitura a obra de Adolf Hitler que envenenou o sangue alemão na década de 1930 e levou à morte milhos de judeus nos campos de concentração. Também em Aracruz não havia um alvo específico e conseguiu penetrar em duas escolas, uma pública e outra privada, e executar seu plano diabólico.
Os estudiosos a respeito dos aspectos da intencionalidade de nossas ações apontam que estamos num campo muito complexo e profundo. A resposta rápida alegando surto psiquiátrico é o caminho do homem preguiçoso que não quer aprofundar seus estudos. Há intencionalidades que se inserem numa herança familiar, social e até nacional. Desse ponto de vista, também somos herdeiros de intencionalidades de nossos ancestrais. Carregamos o peso daquilo que eles não conseguiram realizar.
Ao mesmo tempo, tipificar a intencionalidade de uma ação como essa a partir de um alvo específico nem sempre nos fornece respostas adequadas. No caso do Paraná é evidente isso. Mas também no caso de Aracruz, ES. Há intencionalidades que remetem a fundos ideológicos de ordem social, política ou religiosa. O desejo de vingança do povo alemão contra os sujeitos foi uma produção ideológica conduzida desde a antiguidade. A esse povo sempre foi atribuída a morte de Jesus Cristo.
Há intencionalidades de fundo ideológico contra determinados movimentos sociais e raciais. No Brasil tem crescido muito a intencionalidade de vingança contra as mulheres decorrentes da ideologia machista. Mata-se a mulher e não apenas uma em específico. A morte de uma mulher hoje reveste-se de uma intencionalidade mortífera a todas as outras mulheres.
Por fim, nos últimos anos da vida política do Brasil, uma tendência extremista de cunho fascista tratou de apontar quem deveria ser metralhado na luta pelo poder. Quando um governante aponta para seu povo quem deve morrer, brincando ou falando sério, esse senhor está envenenando o sangue de uma nação. Na ordem democrática não há espaço para a morte, para a destruição do outro. Podemos ser adversários ferrenhos, jamais inimigos. Quando deixamos crescer entre nós que o outro, o adversário é nosso inimigo e deve morrer, estamos abrindo um caminho muito perigoso no seio da cultura nacional que poderá chegar a uma verdadeira guerra fraticida, uma guerra civil. Já está se configurando entre nós uma oposição de cunho radical entre norte e sul do Brasil. É o pior sentimento que pode crescer entre nós.
Hoje vejo que nossas escolas impera o silêncio até mais forte que nos tempos do regime militar. Vivemos uma ditadura das ações de vingança. Qualquer professor poderá estar sendo gravado no que fala, ser denunciado, ser exposto em praça pública, e enforcado. E o pior, nossas crianças e nossos jovens estão com muito medo de irem para a escola, que era o lugar da alegria, das brincadeiras, do encontro com os amigos, do encontro com o conhecimento. A quem interessa escolas ameaçadas pelo medo? A quem interessa crianças amedrontadas?