COLONIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA

Colonização da inteligência

O processo de colonização do território brasileiro se deu com fins ideológicos nitidamente marcados pelo objetivo de converter os índios, designados como gentios pelos portugueses. Isso é visível a partir da afirmação do cronista lusitano Pero de Magalhães Gândavo ao diagnosticar o que em sua perspectiva seria a mácula do caráter do silvícola brasileiro: a ausência do F, do L e do R, alegando que os povos indígenas não possuíam fé, lei nem rei.

No entanto, essa imagem do indígena brasileiro contribuiu para o processo de apagamento histórico-cultural do povo autóctone, pois a vinda dos jesuítas no período histórico impôs o “Plano Manuel da Nóbrega” entre os anos de 1549 e 1570. Esse plano consistia em um processo de exploração de terras, aculturação e catequização dos nativos indígenas.

O professor Demerval Saviani na obra História da pedagogia no Brasil reforça que nesse processo houve a imposição de práticas, técnicas, símbolos e valores do povo lusitano sobre os indígenas e que a catequese foi uma forma de difundir essa cultura de um povo que visava alcançar o domínio de terras e a expansão de sua cultura através da conversão do povo colonizado.

Porém, sabe-se que esses passos não ocorreram de forma harmônica, seja porque houve o exercício da força que levou à morte de diversas tribos, seja porque existiu a desconsideração da cultura e das tradições do povo local, o que revela uma violência simbólica (e nem tanto), dado que há uma imposição bastante arbitrária de uma tradição sobre outra.

Assim, é imprescindível questionar se os povos indígenas estavam dispostos de fato a se submeterem ao processo de escolarização, pois, durante um tempo que não se pode precisar, eles conviviam de forma relativamente harmônica e organizada dentro da estrutura social que julgavam ser a mais adequada diante de suas castas. Se não cultuavam o Deus da Igreja católica, até pelo fato de o desconhecer, sabe-se que diversos rituais, danças etc. estavam enraizados ao seu modo de vida.

Convém pensar, afinal: que outro objetivo teriam os portugueses senão o de expandir o seu império ao transformarem os indígenas em seres de mais fácil domesticação ao fazê-los se sentirem “impuros”, necessitados de uma figura que os guiasse no plano material (o rei). No caso, os padres/professores; no plano espiritual, o Deus pregado pela Igreja e, por fim, a lei que era categoricamente estabelecida por esse “Rei” que, não raro, usava o discurso da fé como forma de controle e de escravização do povo nativo do solo brasileiro.

Desse modo, é nítido que essa pedagogia lusitana, sob domínio de Nóbrega, pouco estava interessada na real construção de um “projeto de vida” que respeitasse as subjetividades, desenvolvendo, portanto, uma pedagogia da autonomia, como dizia Paulo Freire. Será que houve uma discussão com os aprendentes acerca do sentido de estarem sendo submetidos a pedagogia domesticadora?

Por isso, ousamos dizer que ainda há muito dessa pedagogia pouco preocupada em formar pessoas afeitas à reflexão. Sim, esse discurso pode soar clichê, mas infelizmente ainda estamos diante de uma sociedade pouco questionadora, em que o sistema de dominação perdura, o que acarreta a manutenção da pobreza, por promover pouca mobilidade social.

Esse sistema ainda obriga o aluno a ser mantido em uma prática educativa que o torna como uma marionete para atender aos desígnios de um sistema que, ao passo que mercantiliza o conhecimento, desumaniza os discentes, numa crescente onda do que se denominou Neoliberalismo e se tornou instrumento para manutenção do sofrimento psíquico, conforme nos aponta o psicanalista Christian Dunker no livro “Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico” e que também se reflete na obra “Sociedade do Cansaço”, do filósofo alemão Byung-Chul Han.

A sociedade brasileira resguarda esse patrimônio de escravização e autopunição como marca de um processo de colonização nada pacífico que se perpetua nas desigualdades sociais imensas, mesmo após mais de 1500 anos do “Descobrimento do Brasil” e há 135 anos da Lei Áurea que, teoricamente, extinguiu a escravidão no Brasil, mas não deu oportunidade de ascensão social a milhões de escravizados, sendo uma dessas maneiras a partir de uma pedagogia comprometida a dar ao educando aquilo de que necessita. Assim, percebe-se que a escolarização no Período Heroico resultou em um aglomerado de discursos que volta e meia vêm à tona quando grupos como os negros, povos africanos, entre outros, clamam por espaço à diversidade, pelo respeito aos seus costumes, à sua maneira de crer. Enquanto a Educação no Brasil não estiver de fato comprometida com o respeito à diversidade, já garantida em tese pela Constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases, não teremos uma educação emancipadora, que nos liberte de ideologias que fazem sofrer.

(Texto publicado em A União em 16/6/2023)

*Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.