POESIA NA ESCOLA, SIM!

POESIA NA ESCOLA, SIM!

A poesia não pode nem deve ser um luxo para alguns iniciados: é o pão cotidiano de todos, uma aventura simples e grandiosa do espírito.

(Murilo Mendes, 1972)

A poesia, por seu caráter rítmico, imagético e ambíguo, valendo-se de inversões e subjetivismos construídos através das metáforas, que não raro causam estranhamentos, é considerada um gênero difícil. É comum esse discurso ser utilizado tanto pelos educadores, sejam eles docentes ou pais, desconsiderando a importância de toda a riqueza que os poemas comportam. Esquecem que somos seres musicais, que a nossa presença no mundo se dá através dos sons, intimamente associados às rimas e aos ritmos.

Pouco tempo é necessário para nos reportarmos às cirandas, parlendas e músicas que nos acompanharam durante a infância, assim como às cantigas de ninar, passando pelos trava-línguas e adivinhas, até as canções folclóricas, a exemplo da “Ciranda, cirandinha”, “Atirei o pau no gato”, “Se essa rua fosse minha...”, “Boi da cara preta” e os poemas musicados, como “A casa”, de Vinícius de Moraes, entre outras.

O que há na poesia, especialmente na poesia infantil, que nos atrai? Se na tenra infância mal temos controle sobre a linguagem, conhecimento vocabular e de mundo, como explicar esse fascínio? Como explicar que os jogos de linguagem e o desconhecido nos provoquem sensações que vão do riso ao choro?

Acredita-se que a aproximação do leitor com a poesia infantil não seja o caráter facilitatório, a saber: vocabulário simplificado, construções sintáticas corriqueiras (ordem direta) ou os temas mal elaborados que cedem à puerilidade. A professora Maria Antonieta Antunes Cunha, em seu livro “Poesia na escola” reclama que “ainda que fosse a poesia difícil de entender, isso não seria suficiente para alijá-la das salas de aula: a poesia não é para se entender, mas para se sentir. Quantas vezes não entendemos completamente a obra (poema, romance, música, composição em língua estrangeira), e, no entanto, nos emocionamos?”

Quais são os elementos implícitos nesse aparente “não entendimento”, mas que contribuem para “o sentir”, “o emocionar-se”. Dentro desses textos, há formas que colaboram para obtenção desse efeito. Entre elas, o ritmo e a rima que surgem como elementos sugestivos.

Quanto às atividades escolares em torno da poesia, quando raramente inseridas no âmbito escolar, utilizam-se do poema como pretexto para reconhecer nomenclaturas gramaticais (substantivo, adjetivo, verbo) ou para pensar superficialmente sobre “o que o autor quis dizer” (paráfrase). Este tratamento é irrelevante para a sensibilização e para o crescimento cognitivo do leitor.

O texto poético possui caráter pouco objetivo, ou seja, quem o lê não está à procura de uma informação específica; isso pode dar a impressão de que, por não ser utilitário, não é importante. Entretanto, trabalhar com poesia é conviver com abstrato e se apropriar dele para compreender o que há de mais concreto: os sentimentos e as vivências humanas.

É preciso que o texto poético seja apresentado às crianças a partir de uma seleção significativa quanto aos textos escolhidos e quanto à forma como o material é disponibilizado, com sensibilidade. É impossível incentivar o gosto pela leitura se os profissionais envolvidos nessa tarefa não conseguirem sentir e transmitir esse prazer.

Entretanto, pretende-se não reduzir o espaço da poesia (de maneira geral) à escola. Por isso, insisto em um discurso voltado aos educadores, quer sejam os pais dessas crianças, quer sejam os professores.

O texto literário, em especial a poesia, é de caráter plurissignificativo, permite diversas leituras, favorecendo o desenvolvimento cognitivo. A sociedade precisa compreender que isso confere maior liberdade ao leitor, mobilizando inúmeras vivências. O texto poético, diferentemente do texto objetivo, rompe com o conhecimento estanque, explora sensações, o inconsciente e o pré-consciente.

A dificuldade em abordar a poesia infantil deve-se ao fato de que esta comporta uma série de estudos voltados às crianças, a saber: Psicologia Cognitiva, da Educação, sociologia, entre outras.

Espera-se que os educadores adquiram maior consciência sobre os aspectos lúdicos que constituem a base para o encantamento com a literatura em geral, mas, principalmente na poesia, por ser esta um gênero de maior liberdade para jogos de palavras e construções plurissignificativas, sendo tão importantes para o aprimoramento do ser criança e do imaginário durante a infância. Talvez assim tenhamos melhores adultos.

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.

(Texto publicado em A União em 02/6/2023)