Conjuntos, condomínios e o problema de moradia em Manaus
Manaus, há tempos, sofre com um enorme deficit habitacional. A corrida da borracha entre 1880 e 1910 trouxe milhares de pessoas para a cidade, que passaram a viver em péssimas condições em cortiços. Essa situação piorou na época da crise, a partir de 1920, quando milhares migraram do interior para a capital em busca de melhores condições de vida, dando origem à Cidade Flutuante, um aglomerado de habitações no Rio Negro que chegou a ter 12 mil moradores. Existiram, deve-se mencionar, algumas vilas operárias, mas elas não atendiam a demanda existente. Entre as décadas de 1950 e 1960 o Estado apostou na construção de conjuntos habitacionais para amenizar o problema. O primeiro conjunto residencial da cidade foi o Conjunto Juscelino Kubitschek, localizado na extinta Praça General Carneiro, entre as avenidas Carvalho Leal, Codajás e Castelo Branco, no bairro Cachoeirinha, na zona Sul. Construído através do DAPS (Departamento de Assistência e Previdência Social) e da Construtora Lippi, no Governo de Plínio Ramos Coelho, foi inaugurado pelo Presidente Juscelino Kubitschek em 1957.
No Regime Militar, a Cidade Flutuante foi demolida no Governo de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964-1967). Foram projetados dois conjuntos habitacionais para realocar parte – geralmente com melhor condição financeira – de seus habitantes: os conjuntos de Flores e Costa e Silva, construídos em 1967 e 1968, respectivamente, pela Companhia de Habitação do Amazonas (COHAB-AM). O grosso dos moradores recebeu uma ínfima ajuda financeira, dando origem a ocupações improvisadas em bairros como Compensa, São Lázaro, Crespo, São Jorge e Alvorada. Com a instalação da Zona Franca, em 1967, a população cresceu em grandes proporções com a vinda de trabalhadores do interior e de outros Estados. De acordo com o IBGE, a população de Manaus era de 175.343 habitantes em 1960. Em 1970 ela chegou a 314.197.
Um dos mais antigos conjuntos da cidade, voltado para as classes média e alta, faz parte do bairro Nossa Senhora das Graças, na zona Centro-Sul. Trata-se do Conjunto Isaías Vieiralves. Projetado pelo arquiteto Rubens Madela, foi construído pela Incorporadora Irmãos Valle Ltda, de Goiânia, especializada em apartamentos de luxo, e pela EMBRATEC – Empresa Técnica de Construções, responsável pela contratação dos funcionários. As primeiras residências foram entregues em 1970. Tinham pouco mais de 100m², 3 quartos, dois banheiros, garagem, quarto para empregada, área de serviço, sala ampla, sala de jantar e copa-cozinha. As obras foram concluídas em 1974. Seu nome é uma homenagem a Isaías Vieiralves (1884-1958), cearense de Sobral que veio para o Amazonas em 1914, estabelecendo-se como guarda-livros no rio Juruá e fundando em Manaus a Vieiralves Imobiliária S. A., uma das responsáveis pela venda de casas no conjunto. Manauense, Vila Amazonas, Ica Maceió e Haideya III são outros conjuntos existentes nesse bairro.
O bairro Dom Pedro, na zona Centro-Oeste, nasceu como um conjunto habitacional. As terras, que no início pertenciam a José Gabriel Rolim, foram adquiridas pelo empresário Isaac Benzecry, que posteriormente as vendeu para a Cooperativa Habitacional dos Trabalhadores de Manaus (COOPHAB – TRABAM), que iniciou em 1972 a construção do Conjunto Habitacional Dom Pedro I, nome dado em referência à comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil, festejada naquele ano. A inauguração ocorreu em 20 de março de 1974. As obras foram realizadas pela construtora Flávio Espírito Santo. Posteriormente foi construído o Conjunto Dom Pedro II. Considerado um dos bairros nobres da cidade, é formado pelos conjuntos Dom Pedro I e II, Kyssia I e II, Déborah e pelos loteamentos Parque Jerusalém e Tropical. Nele estão localizadas a sede da Polícia Federal do Amazonas, a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (Fcecon), a Fundação de Medicina Tropical Alfredo da Mata (FMT), a Vila Olímpica, o Centro de Convenções (Sambódromo), a Delegacia Geral da Polícia Civil do Amazonas, o Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro, o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas e a Secretaria de Estado da Juventude e Lazer.
Ao longo da década de 1970 surgiram vários conjuntos, como o Ajuricaba, da Sociedade de Habitação do Amazonas (SHAM), na Alvorada; Bancários, da construtora Nóvoa e Cia Ltda., no Santo Antônio; Eldorado e Castelo Branco, no Parque 10 de Novembro, o primeiro a cargo da Soaplan – Sociedade Amazonense de Planejamento e Administração Ltda, e o segundo da SHAM; Coophasa, da Cooperativa Habitacional dos Subtenentes e Sargentos do Amazonas, no Nova Esperança; Parque das Laranjeiras, da ELA – Empresa Líder de Asses Ltda, em Flores; Petro e Tiradentes, o primeiro da A. Gaspar e o segundo a cargo da CERTAM – Companhia de Engenharia Ltda, no Aleixo; Ayapuá, erguido pela ARCA – Arquitetura e Construção do Amazonas, entre Ponta Negra e Compensa; e Santos Dumont, da A. Gaspar, no bairro da Paz.
Na Avenida Constantino Nery, no bairro Chapada, localiza-se o Conjunto dos Jornalistas. Iniciativa da Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP-AM) e da Cooperativa Habitacional dos Jornalistas Profissionais, com financiamento da Caixa Econômica Federal, foi idealizado no final da década de 1970 e construído pela construtora A. Gaspar entre 1980 e 1981. Cada apartamento possui 2 quartos, sala, banheiro, cozinha e área de serviço. A poucos metros dele encontra-se o Conjunto Tocantins, também construído pela A. Gaspar na década de 1980, sendo entregue em 1985.
O bairro Cidade Nova, na zona Norte, surgiu como um imenso conjunto através de planejamento habitacional feito no Governo de José Bernardino Lindoso em 1979. Ele foi criado para abrigar migrantes do interior e de outros Estados que vieram para a cidade trabalhar no Polo Industrial. Foi inaugurado oficialmente em 23 de abril de 1980. O nome Cidade Nova foi dado pois acreditava-se que o mesmo seria desmembrado da capital, tornando-se uma nova cidade que faria parte da Região Metropolitana de Manaus. Isso não ocorreu. O bairro é dividido em 24 núcleos e cinco subdivisões: Cidade Nova 1, Cidade Nova 2, Cidade Nova 3, Cidade Nova 4 e Cidade Nova 5. Em 1986 é inaugurado na Cidade Nova o Conjunto Manôa, construído pelo IPASEA e posteriormente pela SUHAB (Superintendência Estadual de Habitação) no Governo de Gilberto Mestrinho. Destinava-se a funcionários públicos.
O grosso da população, que entre 1980 e 1990 saltou de 642.492 para 1.010.544, não conseguiu moradia nos conjuntos. Foram feitas invasões, originando bairros como São José, Jorge Teixeira, Zumbi, Colônia Terra Nova e Cidade de Deus, nas zonas Norte e Leste, as principais áreas de expansão urbana nas últimas décadas.
Recentemente, o Governo do Estado, através da SUHAB e da Caixa Econômica Federal, construiu, na zona Norte, os conjuntos habitacionais Viver Melhor I e II, no bairro Lago Azul, e Viver Melhor III e IV, no bairro Colônia Terra Nova. Esses são apenas alguns exemplos do que foi feito até hoje para tentar sanar um problema urbano crônico, fruto da falta de planejamento de diferentes administrações municipais e estaduais. Observando boa parte desses casos, percebe-se que os grupos mais beneficiados com moradias foram as classes média e alta, enquanto os mais necessitados, que não podiam arcar com a compra dos imóveis, recorreram às ocupações irregulares para ter direito de habitar a cidade que ajudaram a construir.
Agora vejamos como se deu a construção de condomínios, símbolos da verticalização iniciada entre as décadas de 1970 e 1990, período marcado por significativos avanços nas técnicas construtivas, na otimização do uso do espaço urbano e pela busca, das classes média e alta, de novos modelos de habitação que oferecessem segurança, lazer e serviços de forma integrada.
A Avenida Getúlio Vargas foi uma das mais requisitadas para a construção de prédios residenciais. No início da década de 1960 foi erguido o Condomínio Edifício Palácio do Rádio, propriedade do radialista Josué Cláudio de Souza, da Rádio Difusora. Com pedra fundamental lançada em 1957, foi inaugurado em 1962. A construção ficou a cargo da Cointer Ltda. Ele fazia parte um ambicioso projeto denominado ‘Cidade do Rádio’, que previa a construção de três edifícios residenciais de 12 andares, contando com supermercado, piscina, playground, auditório e serviços de luz e água próprios. Ao lado da Policlínica Gilberto Mestrinho se situa o Condomínio Edifício Monte Carlo, de 18 andares, planejado pela Soaplan – Sociedade Amazonense de Planejamento e Administração Ltda e construído entre 1973 e 1984. O Condomínio Edifício Mônaco, na esquina com a rua 24 de Maio, começou a ser construído em 1973. Com as obras paradas por vários anos, foi concluído em 1984.
Na Avenida Eduardo Ribeiro estão alguns clássicos da década de 1970. O Condomínio Edifício Cidade de Manaus, na esquina com a rua 24 de Maio, foi projetado pelo arquiteto Ary Macedo e construído entre 1969 e 1972 pela Construtora América do Sul – CASUL. Inaugurado em 31 de março de 1973, possui 24 pavimentos. Do outro lado da esquina ergue-se outro gigante, o Condomínio Edifício Palácio do Comércio, construído pela Cia. Rio Branco de Engenharia e Comércio. Inaugurado em 1978, possui 23 andares. Em frente a ele temos o Condomínio Edifício Zulmira Bittencourt. Na esquina com a rua Saldanha Marinho situa-se o Condomínio Edifício Manaus Shopping Center. Com 20 andares, foi construído entre 1973 e 1976 pela Construtora Adolpho Lindenberg S. A. Em seu lugar existiu, entre 1913 e 1973, o Cine Odeon. No térreo funcionou o Studio Center, cinema da empresa de Adriano Bernardino. Na parte alta da avenida, em frente ao Ideal Clube, na esquina com a Monsenhor Coutinho, onde ficava o Palacete Miranda Corrêa, domina a paisagem o Condomínio Edifício Maximino Corrêa, de 20 andares, projetado pelos arquitetos Luís Carlos Antony e Fernando Pereira da Cunha, com incorporação da firma Grande Rio S. A. e construção executada entre 1971 e 1973 pela Construtora Santa Catarina. Os anúncios o descreviam como um prédio luxuoso, com apartamentos de 2 e 3 quartos, dependência para empregada, playground e piscina. Teve financiamento da TROPICAL – Companhia de Crédito Imobiliário, com repasse do Banco Nacional de Habitação (BNH). Foi inaugurado em 30 de novembro de 1973.
A poucos metros do Manaus Shopping Center, na Saldanha Marinho com a Costa Azevedo, está o Condomínio Edifício Rio Madeira, construído pela Construtora Novoa & Cia Ltda. entre 1970 e 1973. Possui 12 pavimentos e um centro comercial. Também é na Saldanha Marinho, na esquina com a rua Barroso, que fica o Condomínio Edifício Alfredo da Cunha, construído entre 1970 e 1977 pela construtora Sociedade de Obras Ltda. Têm 49 apartamentos e uma galeria comercial no térreo. Ainda na Saldanha, próximo da Avenida Getúlio Vargas, o Condomínio Edifício Beta, construído entre 1973 e 1977, destaca-se pelos seus amplos apartamentos que chegam a 150m². Nele residiram personalidades ilustres da sociedade amazonense, como o poeta e imortal da Academia Amazonense de Letras (AAL) Almir Diniz de Carvalho e o historiador Coronel Roberto Mendonça.
Entre o antigo Cine Polytheama e o Palácio Rio Negro, na avenida Sete de Setembro, estão dois interessantes condomínios: o Condomínio Edifício Antônio Simões, empreendimento da Novacasa Imobiliária Industrial Ltda., com financiamento da Amazon-Lar (Associação de Poupança e Empréstimo) na qualidade de agente financeiro do Banco Nacional de Habitação (BNH) e construído pela Construtora Artec entre 1969 e 1976; e o Condomínio Edifício Infante Dom Henrique, construído pela construtora A. Gaspar no final da década de 1970 e entregue em 1981.
Na tradicional Avenida Joaquim Nabuco, outrora endereço da burguesia durante a Belle Époque, o Condomínio Edifício David Nóvoa, na esquina com a rua Lauro Cavalcante, representa bem os esforços de modernizar a cidade nos primeiros anos da Zona Franca. Seu lançamento ocorreu em 27 de setembro de 1968. Com 17 pavimentos, foi construído entre 1968 e 1972 através de consórcio entre a Importadora Nasser Comércio e Engenharia, de Belém, e a Construtora Nóvoa Ltda., de Manaus. Na época de sua inauguração foi considerado o edifício mais luxuoso da cidade. Nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, na rua Miranda Leão, encontramos o Condomínio Edifício Bader Sadala, propriedade da tradicional família Sadala, cujo nome homenageia a matriarca Bader Sadala, natural do Líbano. Sua construção teve início em 1985, foi paralisada em 1987 e concluída em 1990.
No início da avenida Constantino Nery, ainda no Centro, ao lado do Terminal de Integração I, chama a atenção o Condomínio Edifício Manoel José Ribeiro, um tanto maltratado. Construído entre 1987 e 1989 pela Construtora Plinic, possui 80 apartamentos. Na Leonardo Malcher estão dois edifícios construídos pelo engenheiro paulista Luís Carlos Nistal: o Condomínio Edifício Maria Beatriz, de 1991-1992; e o Condomínio Edifício Anaira, na esquina com a rua Tapajós, erguido entre o final da década de 1980 e início de 1990.
O Condomínio Edifício Simon Bolívar, em rua homônima, perto da Praça da Saudade, é um genuíno representante da verticalização ocorrida em Manaus na década de 1980. Foi construído entre 1984 e 1987 pela Construtora Rayol Ltda., do saudoso empresário Murilo Rayol. Um pouco mais distante dali, na rua Ferreira Pena, o Condomínio Edifício São João Del Rey destaca-se pelo alto padrão e amplos apartamentos. Sua construção se deu entre 1987 e 1989 pela Construtora Rayol Ltda.
Até aqui é perceptível como o Centro foi a área em que teve início a verticalização. Com a ausência de leis de proteção ao patrimônio histórico, muitos bens de época foram demolidos para dar lugar a edifícios residenciais. A partir da publicação de planos diretores e do Tombamento da região central, esse processo foi levado para outras zonas, principalmente as Centro-Sul e Centro-Oeste. Um dos bairros mais afetados foi o Parque 10 de Novembro, na zona Centro-Sul. Na Avenida Djalma Batista foi erguido o então luxuoso Condomínio Amazonas Flat, projetado pelo premiado arquiteto Severiano Mário Porto e construído pela Engecenter entre 1986 e 1991. Primeiro apart-hotel de Manaus, foi considerado um dos prédios mais modernos e luxuosos da época, com apartamentos de 1, 2 e 3 quartos, 2 piscinas, sauna, quadra de tênis, squash, central telefônica, centro comercial, garagem coberta e circuito de TV. Em poucos meses todas as unidades foram vendidas.
Atualmente, de acordo com o IBGE, a cidade possui um déficit de moradia de 105.587 habitações. Seria necessária a construção de 5 mil casas por ano. Manaus tem uma população de 2.219.580 habitantes, dos quais 195 mil vivem na extrema pobreza. A tragédia ocorrida no bairro Jorge Teixeira, causando oito mortes, é parte de uma lamentável e histórica ausência do poder público no que diz respeito a políticas de habitação pública. Faltam políticas ambientais, sociais e habitacionais sólidas. Quanto aos condomínios, estima-se que eles existam em número de 500, atendendo diferentes tipos de gostos e bolsos. Aos interessados em conhecer de forma aprofundada o problema de moradia na cidade e sua verticalização, recomendo as dissertações Habitar na cidade: Provisão estatal da moradia em Manaus, de 1943 a 1975, da historiadora Vládia Pinheiro Cantanhede; e Solo Criado: estudo sobre o processo de verticalização em Manaus, do geógrafo Fellipe Costa Barbosa.
*Artigo publicado na coluna Memória JC, do Jornal do Commercio, em 04/04/2023, p. A5*.