O SABOR DO SABER

O sabor do saber

Sempre fui afeito à palavra. Desde criança, gostava de refletir acerca de seus significados, questionava sobre o meu desconhecimento acerca do nosso vernáculo, a Língua Portuguesa. Intuía, pois, tal qual Clarice Lispector, de que a palavra seria/é a minha quarta dimensão e o “meu domínio sobre o mundo” – pelo menos o meu mundo. Tudo que é linguagem e expressão me fascina. Gosto de ler textos em palavras e textos em pessoas.

Aos 12 anos, disse: quero ser professor de Português. Parece daquelas histórias extraordinárias do tipo predestinação, mas não. Sei que foi chamado, o que alguns chamam de vocação, mas esse chamamento não é de nada se não estivermos cientes de que precisamos aprender a como chegar e entendermos que não devemos deixar de procurar. E foi por volta desses anos que eu já ensaiava alguns escritos, frases e poemas um tanto aleatórios, mas que me impeliam a divulgar entre amigos, familiares e professores.

Quando estava na 1ª série do Ensino Médio, apresentei alguns poemas ao professor Plínio Dias, professor de Literatura, que me incentivou a continuar a escrever. Essa também será a figura humana que me servirá como referência para eu me tornar docente. Aos 18 anos, apresentei-lhe meu primeiro livro de poemas, “Lembrança Perseverante”, cujo prefácio é de sua autoria, como não poderia deixar de ser, já que esse docente tanto acreditou na minha poesia. Posteriormente, ingressei na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I, João Pessoa, no ano de 2010. Nesse mesmo ano, publiquei meu segundo livro de poemas, “Versos Versáteis”. Embora se perceba que o fator escrita estivesse desde cedo presente, sempre tive consciência de que o meu ingresso no curso não era motivado por isso. Fui, de fato, a Letras para seguir a carreira docente.

O fato é que me tornei professor com a mesma energia que me motiva a ser leitor assíduo e escritor: viver muitas vidas em uma só. Se “cada cabeça é um mundo”, desafio-me a interpretar cada terreno que encontro em sala de aula. Não, não é fácil. Nem todos os solos são tão férteis quanto gostaríamos, mas a alegria ocorre no plantio. Eu semeio e frustro-me ao constatar que algumas sementes não conseguem mostrar o máximo de suas potencialidades.

Não me tornei professor (é um eterno vir a ser), mas profetizo. Professo minha sede de almejar ser melhor, o desejo de ser útil e trazer um pouco de sol a mundos que, por vezes, são tão obscuros, para alguns órfãos de pais vivos, para pessoas que necessitam apenas de um olhar mais demorado, sem pressa. Tenho vocação. Sou chamado, mas estou aprendendo a como chegar lá. Espero que esta busca pelo caminho harmônico nunca cesse. É a avidez, a ânsia pela novidade que me conduzem.

Não quero ceder à mesmice e me dar por satisfeito. Como disse Paulo Freire: “ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Alguém pode nutrir uma admiração pelo professor porque vê a categoria como “seres iluminados, dotados de vocação, quase como um sacerdócio”, mas assim não é. Professor é alguém povoado de esperança – isso não há como negar, porque só não enxerga quem não quiser: os docentes que se comprometem com o ofício apresentam um contrastivo sentimento de expectativas e desilusões. Ser professor é algo que me consome, mas não me esgota, pois tamanha é a satisfação quando ouvimos “professor, eu aprendi isso contigo”, “você fez diferença em minha vida”.

Sim, vivo esse ofício de resistência. Nado contra a correnteza – dos baixos salários ao desinteresse de alunos. Como dar de beber a quem não tem sede? Por mais que se insista, há sempre aqueles que não acreditam em si, fecham-se para novos conhecimentos, não entenderam que saber e sabor têm a mesma raiz, como diz o professor e poeta Amador Ribeiro Neto. Ser professor é dosar temperos. Enorme é o desafio: há muitos paladares e nem todos são apurados. Por que sou professor? Porque tenho fome e quero que outros tantos também a tenha. Quem descobre a delícia do aprendizado entende o quanto a vida é rica em possibilidades.

Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.

(Texto publicado em A União em 24/03/2023)