LINGUAGEM LITERÁRIA E FILMICA: diálogo Interartes na formação de professores

 

RESUMO: este projeto, apoiado pelo Edital FAPEMA 05/2015, UTN (Universidade de Todos Nós) foi desenvolvido em 10/2015 a 10/2016, quinzenalmente, aos sábados pela manhã, e atendeu a vinte e oito professoras do ensino fundamental das escolas comunitárias do polo Coroadinho. Ao se eleger esta ação, teve-se por objetivo fortalecer a parceria do Instituto Eco Museu Sítio do Físico com a elevação dos níveis de qualidade de ensino e educação nessa comunidade. O Eco Museu, em parceria com a Rede Leitora, oportuniza aos professores das escolas comunitárias de educação infantil e fundamental, práticas de mediação da leitura. Para tanto, ressalva-se o estudo de textos teóricos da literatura, bem como de outros sobre os princípios orientadores do desenvolvimento cognitivo que visam a possibilidade de trabalho do texto literário e as etapas de leitores. Fundamental, também, foi o estudo sobre os gêneros literários, base para a leitura de poemas, contos e filmes. Se a literatura dialoga com outras artes, torna-se veículo auxiliar ao desempenho docente e atividades no magistério. Assim, oportunizou-se aos professores desenvolverem, em suas salas de aula e, creia-se, posteriormente, com os seus alunos, determinadas práticas de leitura e de produção textual.

 

Palavras-chave: Arte literária. Linguagem fílmica. Formação de professores. Coroadinho.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Debates e experiências no âmbito do ensino de linguagens têm gerado propostas, com destaque especial para a literatura. Isso porque sua linha de ação se assenta no princípio de que a escola deve ser eleita como espaço privilegiado de formação do leitor, ainda em sua fase de latência da aprendizagem. E “aprender a ler significa aprender a encontrar sentido e interesse na leitura. Significa aprender a se considerar competente para a realização das tarefas de leitura” (SOLÉ, 1998, p.172).

 

Em nosso dia a dia, a leitura se faz presente desde as situações mais simples, como pegar uma condução, observar o seu itinerário, ler e preparar uma receita, consultar um manual, uma bula de remédio etc. A literatura não representa esse real de nosso entorno, mas trata dele de forma inventada, e transfigura-o pela criação, espaço onde o leitor descobre o oculto nas entrelinhas. Histórias que nunca aconteceram, mas que são frutos da imaginação criadora, experiência e conhecimento dos seus autores, vislumbram modos de vida, de pensamentos e percepções adquiridas a respeito do próprio sujeito, do outro e do mundo, pois traduzem aventuras humanas e universais.

Atividades de leitura direcionadas aos apontamentos gramaticais, não favorecem o uso da língua em suas múltiplas possibilidades (sejam de leitura ou escrita). Elas não desenvolvem a competência crítica, imaginativa e discursiva dos alunos, pois centralizam-se na memorização de nomenclaturas. Tais práticas, descontextualizadas e ausentes do sentir-se e imaginar-se no texto, talvez sejam responsáveis pelo relativo número de alunos (essencialmente das escolas públicas). Geralmente, eles tardam na aquisição da leitura ou concluem o ensino fundamental sem o domínio da compreensão e da produção de textos significativos, artísticos, sonoros e imagéticos, que a linguagem artística em sua pluralidade semântica oferece.

Tais índices têm inquietado gestores da educação pública, bem como educadores, levando-os a alguns questionamentos: afinal, qual tem sido o lugar da leitura, da literatura e da arte na escola e, também, fora dela? A linguagem artística e literária tem sido vetor de desenvolvimento linguístico, simbólico e metafórico?

Pelo seu caráter simbólico, a arte, em geral, é marcada pela invenção, pela quebra de padrões, de representação do homem e do mundo. A literatura, bem como o cinema, tem na ficção, uma de suas características, o poder mágico de subverter regras, princípio auxiliar no desenvolvimento e transbordamento da mente humana que se expressa, não só verbalmente, mas por imagens que são deformadas e transfundidas do mundo real. Por isso, hoje, os textos propostos aos iniciantes na leitura, são magistralmente imagéticos, lúdicos e coloridos. Dessa forma, a arte se faz um auxiliar instrumento na educação infantil, por justificar um mundo de descobertas que opera na natureza do infante.

O desenvolvimento humano, em seu aspecto cognitivo é um processo gradativo e possui várias fases. E é na fase inicial, na primeira infância, que a falta de estímulos e de adequadas práticas de leitura pode interferir no processo, causando dificuldades insanáveis no futuro. De outro modo, uma criança que, em seu dia a dia tem contato com livros, internet, jogos de construção, aliados a outras atividades como brincar e exercer pequenas responsabilidades, certamente, terá um desenvolvimento salutar, ressalvadas algumas questões.

Assim, ao se propor trabalhar com a linguagem literária, ressalva-se a necessidade de destacar alguns princípios da teoria literária sobre as funções da literatura, quais sejam: pensar, experimentar a beleza da linguagem, contribuir para a percepção do mundo, ultrapassar a moral e a informação dos fatos. Esse conjunto visa a desenvolver a formação pessoal e intelectual do sujeito em seu desenvolvimento epistemológico, conforme propõe a teoria de Piaget e seus estágios de desenvolvimento cognitivo. Demais disso, alinha-se aos princípios orientadores das etapas de leitura, segundo Nelly Novaes.

Nelly, com base na teoria piagetiana, propõe as categorias de leitor. Essa categorização ocorre da infância à adolescência, período em que o indivíduo pode tornar-se um leitor ou não. Resultado que vai depender de um árduo e cuidadoso trabalho de acompanhamento, não somente da escola, mas da família. Nesse sentido, não há unanimidade crítica, mas para alguns autores, o texto infantil precisa atender ao desenvolvimento do ser que apresenta diferenças em seus estágios cognitivos.

Informações sobre os gêneros literários, base para a leitura de poemas, contos e filmes, foram contempladas. E, embora a linguagem desses textos se aproxime, algumas diferenças são relevantes e exigem uma postura de leitura crítica e consciente. Ao veicularem “verdades universais” eles oferecem conhecimentos acerca do sujeito ator e receptor, da própria vida e da vida do outro e, ao mesmo tempo, do papel que esses ocupam, especialmente na educação, na formação e no desenvolvimento cognitivo do ser, essencialmente, o infantil.

Por assim pensarmos, tal projeto, LINGUAGEM LITERÁRIA E FILMICA: diálogo Inter artes na formação de professores, nascida no Departamento de Letras da UNIVERSIDADE ESTATUAL DO MARANHÃO, chega aos professores do polo Coroadinho. Em parceria com o Eco museu Sítio do Físico, a proposta assenta-se em oportunizar aos professores das escolas comunitárias de educação infantil e fundamental, que participam da Rede Leitora, práticas de mediação em leitura. Ao ser oferecida tal capacitação, valorizou-se o desempenho desses professores em seus magistérios e oportunizou-se lhes que, ao vivenciarem tais práticas, eles desenvolvam-nas com os seus alunos.

Para a realização dessas atividades de leitura e produção intelectiva dos cursistas, alguns textos foram selecionados para leitura: Colcha de retalhos, o longa de Jocelyn Moorhouse, o conto A colcha de retalhos, de Conceil Correa da Silva e Sou feita de retalhos, poema de Cris Pizzimenti. Esses textos apresentam experiências de vida, recortes que são construídos ao longo da caminhada humana e que se traduzem em histórias de vida e em narrativas existenciais.

 

OBJETIVOS

 

Geral: por meio da linguagem literária e fílmica, fortalecer a parceria do Instituto Eco Museu Sítio do Físico, no atendimento às escolas da Rede Leitora, para elevar os níveis de qualidade de ensino e educação no polo Coroadinho.

 

Específicos:

• Oportunizar aos professores das escolas comunitárias de educação infantil e fundamental, práticas de mediação de leitura de textos plurais;

• Apresentar alguns teóricos da literatura e estudar suas teorias;

• Desenvolver atividades de leitura e narrativas por meio de textos literário e fílmico;

• Interpretar e elaborar textos em que o professor seja o autor de sua narrativa de vida.

 

3 POR QUE A FORMAÇÃO NO POLO COROADINHO?

 

A construção de uma Pátria que se quer educadora, nunca será possível sem que haja vontade, propósitos conjuntos e um trabalho de base, essencialmente nas escolas da rede pública de ensino, principalmente nas de educação infantil e ensino fundamental de bairros periféricos.

No Maranhão, cidades bem próximas à capital, São Luís, vivem à margem de políticas públicas, o que se agrava, consideravelmente, no segmento educacional. Alguns bairros, sabidamente os mais carentes, onde as políticas não abrangem as necessidades básicas, escolas, crianças e professores são alijados dos direitos inalienáveis do ser humano: educação de qualidade, assistência social e política. Esta é, pois, a realidade em que se encontra o polo Coroadinho, quase sempre noticiado como um espaço propício para a violência, o uso de drogas e outras tristes pechas. Daí mudar esse lugar e espaço, se faz urgente e necessário.

Nesse sentido, algumas questões inquietantes nos levam a pensar que a educação no Brasil carece de reflexões profundas e as entidades envolvidas com ela precisam pensar em atitudes e mudanças. Isto porque o Brasil tem pontuado como um dos primeiros países no ranque do analfabetismo, e um dos últimos no quesito qualidade de ensino, desempenho linguístico, interpretação e criação de textos, por exemplo.

São, pois, essas as principais razões que justificam um trabalho com o texto, em sua face literária e outras linguagens da arte, como a do cinema, por exemplo. Elas podem suscitar alguns fatores, primeiramente de ordem cultural e “a literatura se apresenta como uma instituição do pensamento e da arte [...]. Sua linguagem tem a ver com o inconsciente, com a reprodução do real e com a palavra em estado de arte” (COSTA, 2007, p.10). Por isso, é imperativo relacionar a literatura à formação do professor para atender à indicação de acervos e à motivação para formar leitores. Quanto ao fator educacional, “a escola tem como fundamento de sua ação o ensinar a ler e escrever. Essas ações passam pelo conhecimento da língua e de seus usos sociais” (COSTA, 2007, p.10).

O texto literário de qualidade faz com que a língua nossa de cada dia se vista de trajes bonitos e trate de assuntos e situações narrativas que nem sempre são próprias de nossas vivências, mas guardam significativa beleza e validade. No entanto, os personagens, quase sempre carregam dramas existenciais bem próximos dos nossos. Por isso, a escola, como instituição social, e os professores, como agentes de leitura, precisam escolher bons escritores e textos literários.

Nesse sentido, pode-se discutir o papel da sociedade contemporânea, a forma de pensar e agir quanto aos produtos culturais e valores que a escola defende. Ela precisa fazer frente, discutindo, por exemplo, o que é regido pelo consumo, pela globalização, pelo acesso à informação, conjunto que exerce influência direta na vida do aluno e do professor.

Dessa forma, o Eco Museu Sítio do Físico, ao coexistir com o polo Coroadinho, conhece suas necessidades, essencialmente as das Escolas Comunitárias. A partir daí, resolveu oferecer capacitações com o objetivo de qualificar os professores que participam dos projetos desenvolvidos pela Rede Leitora, sendo um deles, a formação de mediadores de leitores. Assim, justificada a demanda, o projeto-semente, gera frutos.

E a UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO, por ser uma universidade pública, por meio do seu corpo docente, tem como uma de suas metas servir à sociedade, desenvolvendo cursos extensivos às comunidades carentes de assistência e qualificação. Ademais, tais ações permitem aos alunos, especialmente aos das licenciaturas, a oportunidade de pôr em prática os conhecimentos advindos do ensino e da pesquisa, aliando-se a outros, cujo desejo convirja para determinada finalidade.

 

4 A NARRATIVA: objeto transitivo nas relações humanas

 

Com Regina Machado (2004), pensamos que nesse caos de começo de milênio é que a imaginação criadora se liberta das amarras e pode operar como possibilidade humana de conceber o desenho de pessoas melhores que precisam atuar em prol de um mundo melhor. Diz ela que os contos, principalmente os milenares

são guardiães de uma sabedoria intocada, que atravessa gerações e culturas; partindo de uma questão, necessidade, conflito ou busca, desenrolam trajetos de personagens exemplares, ultrapassando obstáculos e provas, enfrentando o medo, o risco, o fracasso, encontrando o amor, o humor, a morte, para se transformarem ao final da história em seres outros, diferentes e melhores do que no início do conto. (MACHADO, 2004, p. 15)

E no que atine à literatura, ela pode, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – DCNF, ocupar um lugar primordial, contanto “que seu estudo não se feche unicamente na literatura erudita, mas se abra, sem preconceitos elitistas, para outras manifestações literárias, como a literatura para crianças e jovens, a literatura popular e a literatura de massa”. (In: FARIA, 1999, p. 9)

Nelly Novaes Coelho, ao mencionar o contexto em que a literatura se insere, diz que “o mundo tem passado por diversas transformações, e, atualmente, por uma das maiores, com o advento das novas tecnologias e do poder que a Internet exerce sobre a criança” (1995, p. 14). Então, questionamos: num futuro próximo ou já chegado, as crianças vão abandonar a preferência pelo livro? Caso não haja um esforço conjunto no sentido de seduzi-las, ainda na primeira infância, isso de fato aconteça. Para Peggy Heeks,

 

a literatura traz a criança para um encontro com a língua em suas formas mais complexas e variadas [...]. E o envolvimento com as palavras está no coração da experiência literária. É o estilo que, em última instância decide a qualidade de uma história [...], ele pode ser desfrutado pelas crianças sem ser identificado por elas..., mas é essencial que nós, adultos que selecionam os livros, nos exercitemos quanto à sensibilidade em relação às palavras. (apud Hunt, 2010, p. 47)

 

Nesse sentido, a literatura pode via a ser, conforme expressa Maria Alice (1999, p. 12), “um patrimônio pedagógico precioso, não só para fornecer a professores e alunos caminhos para atingir as metas fundamentais propostas pelos PCN, como ainda ser um esteio para a interdisciplinaridade”. Por sua vez, Sydney Bolt e Roger Gard expressam que: “em termos de valor educacional, a literatura tem muito a contribuir para a aquisição de valores culturais”. (apud Hunt, 2010, p. 47)

 

4.1 As narrativas que serviram de ponte nessas relações...

 

a) Colcha de retalhos – o filme

 

Este filme, protagonizado por Winona Rider, conta a história da jovem Finn que se refugia na casa da avó para concluir a escritura de sua tese, enquanto seu apartamento está em reforma. Confusa em relação à decisão de casar-se, Finn acaba participando da história de sete mulheres envolvidas na confecção de uma colcha de retalhos.

 

Das sete mulheres, três moram sozinhas: uma solteira, uma viúva e outra que foi abandonada pelo marido, ainda jovem. Duas outras, irmãs, moram juntas após terem ficado viúvas. Com elas mora a Ana, que foi empregada da casa e sempre morou com a irmã mais velha. Do grupo, apenas uma delas ainda vive com o marido.

 

Elas moram na mesma cidade, onde passaram sua juventude, se casaram e criaram seus filhos. Uma delas, a mais jovem, com cerca de 50 anos, embora tenha viajado muito, voltou à cidade onde nasceu, talvez, impulsionada pela necessidade de avaliar sua vida, nos últimos anos. Elas são amigas, se conhecem e se encontram há muitos anos e já confeccionaram outras colchas, diferentes, pois cada uma tem um tema. A essa colcha em confecção, dão o nome de “Onde mora o amor”.

 

O filme mostra as mulheres envolvidas na elaboração de um projeto comum: cada uma pode reviver momentos significativos de suas vidas, dividindo suas lembranças e experiências com uma mulher mais jovem. Ao longo, e, enquanto bordam a colcha, elas têm a oportunidade de contar um pouco sobre como viveram o amor em suas vidas. Ao relembrar e interagir suas histórias, cada uma tem, também, a oportunidade de integrar suas experiências pessoais.

 

No recontar, cada uma delas pode não apenas avaliar o que viveu, mas olhar suas experiências sob outro ponto de vista. É o que acontece com essas mulheres, que se dedicam à costura e ao bordado, criando juntas, nos últimos anos de suas vidas, verdadeiras obras de arte.

 

No filme, essas mulheres fazem parte de um “clube de costura” e se reúnem regularmente para fazer esse trabalho, há mais de vinte anos. Elas se conhecem desde a juventude e conhecem as histórias umas das outras, percebem as diferenças entre si, mas se respeitam e se mantém unidas. Esses encontros mostram o quanto o convívio é importante para cada uma delas. Ao vê-las tão serenas e dedicadas ao trabalho, bordando um pedaço de sua vida naquela colcha, pode-se observar que em seus corações há aceitação e amor, o que é muito significativo.

 

O filme nos leva a pensar como queremos chegar à velhice, juntando os “pedaços” de nossa vida... Assim, esperamos construir uma história da qual cada uma de nós possa se orgulhar.

 

b) A colcha de retalhos – o conto

 

Essa narrativa fala de Felipe, um garoto que, nos finais de semana, ia para a casa da sua vovó se deliciar com as guloseimas preparadas por ela, suas histórias alegres, criativas e amadas. Certo dia, ao chegar à casa da vó, Felipe encontra-a sentada numa cadeira em frente à máquina de costura e rodeada de muitos retalhos...

 

Ela, ao ver o neto, disse-lhe que havia juntado vários pedaços de panos de costuras feitas ao longo dos tempos e, que, naquele momento, ia aproveitá-los para fazer uma colcha de retalhos. Felipe pediu para ajudá-la e passou a separar os pedaços, conforme a semelhança das estampas. Em um dado momento, ele identificou um retalho como sendo parte de uma roupa que a avó lhe havia feito. Naquele instante, ambos passaram a lembrar às férias passadas... Ah que boas lembranças!

 

Em seguida, identificaram mais um retalho restante de uma camisa que a vovó havia feito para o pai de Felipe. Outro retalho de um vestido de sua mãe, também foi encontrado. E assim por diante, à medida que surgiam novos retalhos, iam recordando os momentos referentes aos encontros e experiências familiares...

 

Felipe observou que, em alguns momentos, a vovó suspirava e perguntou-lhe por que ela estava triste. A vó explicou que não era tristeza, mas “saudade”. O menino, porém, não entendeu o significado da palavra. Ela explicou que, somente com o tempo, ele poderia entender.

 

Passados alguns dias, quase esquecido daquele evento, ao chegar a sua casa, Felipe observou que uma linda colcha de retalhos cobria sua cama. Debruçado sobre ela, o menino passou algum tempo pensando, quando de repente um retalho de certo tecido despertou nele uma lembrança, fazendo-o suspirar... Naquele momento, ele entendeu o sentido da palavra saudade.

 

Felipe pediu a sua mãe que o levasse à casa da sua avó. Chegando lá foi recebido com um delicioso bolo de chocolate. Ele, então, confidenciou no ouvido da vovó que havia aprendido o significado da palavra saudade!

 

c) Sou feita de retalhos – o poema

 

Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.

Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.

Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior…

Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…

Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também.

E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados…

Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha vida...

E que me permitem engrandecer minha história com os retalhos deixados em mim.

Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de “nós”.

 

4.2 Competências esperadas das professoras

 

O ato de contar histórias é uma prática antiga, e por isso, deve renascer nas escolas e em toda parte. Assim, após as leituras paradidáticas do filme, do livro e do poema, oportunizou-se às cursistas que produzissem textos orais e escritos. Suas narrativas deveriam convergir para a temática central, a metáfora dos retalhos, dos quais nós nos formamos e nos tornamos seres de possibilidades, conforme diz Cris Pizzimenti (2013): “sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma”.

No ato da recepção dessas competências narrativas, e, porque não dizer artísticas das professoras, o momento exigiu percebê-las na condição de produtoras de suas próprias narrativas, a partir dos retalhos de vida que compõem a caminhada humana especialmente. Essa proposta, decerto, lhes serviria de inspiração em suas atividades futuras e com os seus alunos.

No entanto, é necessário que falemos um pouco sobre o público alvo deste projeto. São professoras, sem graduação ou qualquer qualificação, que atendem a alunos oriundos de diversas realidades e famílias do polo Coroadinho, daí a natureza de suas produções. É interessante ressaltar, ainda, que boa parte dessas alunas/professoras mal concluiu o ensino médio; outras há pouco iniciaram a faculdade de pedagogia, um sonho de todas elas...

Após as leituras (do filme, conto e poema), seminários, intervenções e discussões, um desafio foi lançado: elas deveriam narrar um fragmento (retalho) que fora importante em suas vidas, e cuja lembrança fosse significativa naquele contexto e momento de criação. Ressaltamos que a sugestão era falar sobre um retalho de vida que fizesse referência aos fragmentos que compõem uma colcha, metaforicamente, a vida, um texto.

Urge nos posicionarmos frente às dificuldades enfrentadas no exercício desta nobre, mas difícil missão de formar e educar cidadãos para a vida. A existência não teria sentido se o aprendizado não tiver continuidade. As crianças dependem de uma educação de qualidade para saírem do limbo da ignorância, da errância e da miséria em que a sociedade as coloca, essencialmente, em localidades marginalizadas socialmente e politicamente.

Essa realidade, certamente é a de outras comunidades que se encontram a espera de olhares administrativos e pedagógicos no sentido de, não somente estruturar as escolas com mobiliários, as bibliotecas com livros atualizados e computadores... o que essas unidades de ensino precisam, essencialmente, é que o seu corpo docente (professores e administradores) receba capacitação e qualificação constantes.

 

5 DE COMO FOI A METODOLOGIA DO CURSO

 

O polo Coroadinho dispõe de várias escolas que recebem algumas ações das universidades locais. O espaço onde se realizaram as atividades do projeto foi no Centro Educacional e Profissional do Coroadinho – CEPC. Ao oferecer sua estrutura física, ofereceu, também, parte de seu corpo docente para a formação. Essa instituição recebe apoio do Instituto Eco Museu Sítio do Físico, do Coroado de Natal, do Rotary Clube João Paulo e abriga, também, atividades da Rede Leitora, que estabelece diálogo constante com outras redes.

Os encontros realizados com a presença da coordenadora e das bolsistas adotou várias estratégias de leituras. Em um primeiro momento, a leitura de textos teóricos como os de Piaget, por exemplo, sobre a construção do cognitivo e o conhecimento das etapas de desenvolvimento humano. Outros, de teóricos da literatura como os que tratam da formação leitora da criança, das etapas de leitura, segundo autores como Nelly Novaes, Marisa Lajolo, dentre outros que fornecem princípios orientadores do trabalho com o texto, em sua linguagem artista.

Após a leitura desses textos teóricos (com duração de 5 encontros), foi feita, em primeira mão, a leitura fílmica (Colcha de retalhos), seguida de debates e rodas de conversa, destacando-se alguns temas contidos nesse texto (durante 3 encontros). Um encontro foi dedicado à leitura do conto (A colcha de retalhos), assunto retomado no encontro seguinte com a leitura do poema (Sou feita de retalhos), perfazendo um total de 40h aulas.

Nos encontros que se seguiram às leituras (totalizando 2), realizaram-se seminários que abrangeram a variedade textual, bem como a pluralidade linguística e temática peculiares aos textos. Nos encontros seguintes (um total de 3), as cursistas (em equipes), se dedicaram à confecção de materiais que, em suas especificidades, pudessem narrar histórias vinculadas às temáticas dos retalhos... Nessas oficinas elas confeccionaram cartazes, dobraduras, desenhos, realizaram oficinas de contação de histórias e narrativas que foram apresentadas.

Vale ressaltar que, o conjunto textual oferecido fomentou diálogos e rodas de conversa que subsidiaram a produção textual das cursistas, visando ao conhecimento, não somente científico sobre a narrativa em suas faces artísticas, mas, especialmente, sobre o sentir-se no texto, proposta que, certamente, lhes servirá de inspiração para as atividades futuras e com os seus alunos.

Dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais que “um projeto comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania” (Brasil, PCN, 1998: 87).

Por essa razão, além da variedade de leituras, as atividades realizadas se traduziram em dinâmicas de contação de histórias, seguidas de produção textual, bem como da realização de murais com a produção das professores, incluindo fotos, desenhos, dobraduras etc. Seminários também foram realizados, objetivando enriquecer e divulgar os saberes. Esse material produzido pelas professoras foi exposto em um mural que permaneceu na escola durante o tempo de realização do curso.

Para a culminância do projeto, e por iniciativa acordada previamente, as cursistas, a coordenação e as bolsistas fizeram um almoço, cujas comidas eram típicas de suas regiões de origem. Antes da partilha, porém, o prato foi apresentado, sua história sendo contada, considerando as questões: com quem aprendeu a fazê-lo, o que ele significava e que gatilho recordador fez remissão à memória naquele momento.

 

CONCLUSÃO

 

Somente a formação melhora a relação do ser humano com a sociedade, porque formar-se faz parte da própria existência, e é esse processo que dá sentido ao viver e ao fazer. Tendo em conta que a leitura só tem sentido quando ligada à ação de ler, compreender, interpretar, criar e recriar, indiscutivelmente, ela contribui para formar cidadãos críticos.

O projeto, em sua essência, teve como principal meta e competência, demonstrar como a arte e suas linguagens podem ajudar na formação e preparação de professores mediadores de leitura na escola e fora dela. Esta proposta, direcionada aos profissionais da educação, essencialmente a infantil e fundamental, teve a pretensão de que, ao conhecerem essas possibilidades, também eles se tornassem amantes dessas linguagens e perpetuassem esse desejo nas experiências com os seus alunos.

Este trabalho, apesar de árduo, se desenvolvido com seriedade e competência, servirá, decerto, para amenizar os vergonhosos índices obtidos nas pesquisas e nos testes nacionais de estudantes brasileiros, quando investigados, essencialmente, sobre a capacidade e a qualidade leitora e interpretativa.

O curso teve a duração de um ano e propiciou, não somente para as cursistas, mas também para as bolsistas, alunas do curso de letras, momentos ímpares de novo aprendizado e experiências singulares. Acredita-se que essas experiências proporcionaram crescimento, não somente do ponto de vista profissional, mas, especialmente no quesito pessoal, pois interagimos, somamos, multiplicamos..., e, nos dizeres de Cris Pizzimenti, “em cada encontro, em cada contato, vamos ficando maior… Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…”.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais.

COELHO, Beth. Contar histórias, uma arte sem idade. São Paulo, Ática, 1991.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna. 2000.

COSTA, Marta Morais da. Metodologia do ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: teoria e prática. São Paulo: Editora Ática, 1994.

FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares e literatura: as personagens que os alunos realmente gostam. São Paulo: Contexto, 1999.

HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. (tradução: Cid Knipel). São Paulo: Cosac Naify, 2010.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ed. Ática, 1999.

MOORHOUSE, Jocelin. Colcha de retalhos. DVD em 116 min. 1995.

MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004.

PAULINO, Graça et. al. O jogo do livro infantil. Belo Horizonte: Editora Dimensão, 1997.

PIZZIMENTI, Cris. Sou feita de retalhos. 2013.

SILVA, Conceil Correa. A colcha de Retalhos. São Paulo: Editora do Brasil, S/A, 2010.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. César Coll. Porto Alegre: Artmed, 1998.

 

 

Camilamsn
Enviado por Camilamsn em 09/02/2022
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