Vozes da Educação de Manaus – Parte 5
Hoje, na última parte da série “Vozes da Educação de Manaus”, trazemos a entrevista com a professora Víllian Costa, feita pelo sistema de troca de mensagens (WhatsApp), como segue:
“Sou nordestina e vou iniciar com minha linguagem cultural: sou pavio curto! Zero de tolerância para a ignorância, zero para o egoísmo, racismo, misoginia, machismo, hipocrisia, mentira, covardia, enfim, zero para tudo que danifica a vida humana, ojeriza a tudo que destrói nossa Morada Cósmica: nossa floresta amazônica, nossos rios e igarapés, nossos animais que fogem das queimadas provocadas pela ganância dos obcecados pelo lucro desumano. Onde tudo começou? Tudo começa na alma, quando a gente chega ao mundo e percebe os odores daqueles que desejam cegamente destruir o mundo.
Comecei na Educação antes de ingressar na UFAM, na minha época era UA. Ainda concluindo meu ensino médio, trabalhei numa creche como cuidadora de crianças. Na hora da merenda, eu ajudava as professoras: banhava as crianças, escova os dentinhos delas e limpava o bumbum se fosse necessário. Foi nesse universo meu primeiro contato com a educação.
A educação é um fenômeno histórico-antropológico, ela muda em conformidade com os interesses vigentes. Na atual conjuntura, posso te afirmar que estamos diante de um grande abismo: negação da ciência, negação do pensamento crítico, um verdadeiro momento de distopia que levaremos décadas para reconstruir a história de lutas conquistadas.
Se me considero uma professora realizada? Sinceramente não. Não posso me sentir realizada com crianças fora da escola pedindo esmola nos semáforos. Não posso me sentir realizada com milhões de jovens considerados analfabetos funcionais, isto é, estão na escola ou passaram por ela, estão com um certificado em casa, porém, não sabem ler nem escrever. Como posso me sentir feliz numa profissão desrespeitada pela sociedade?
Se eu deixar a profissão, o que eu seria? Ex-professora? Professor ou Professora de verdade é e sempre será um profissional, mesmo que chegue o momento da minha aposentadoria, continuarei sendo o que sou, sonhando o que sonho e amando a educação. Concordo plenamente com Immanuel Kant quando diz que só é possível nos tornarmos humanos através da educação. Há um questionamento kantiano que diz assim: como tornar os homens felizes se não os tornarmos éticos e sábios? Para que os homens sejam felizes, é preciso que sejam educados. Eis aí a grandeza de um filósofo filho do Iluminismo.
O caminho para a construção da dignidade é a educação. Somos pedra bruta e a educação lapida essa brutalidade animalesca que existe em nós. A educação humaniza nossos hábitos, nosso olhar diante do mundo, humaniza todo nosso Ser. Não tem Ontologia que resista aos fundamentos da educação, quando o projeto político nacional está voltado para a libertação da condição que nos aprisiona a mediocridade, superficialidade.
Digo NÃO para qualquer proposta intencionada para ridicularizar nossas crianças e jovens, digo NÃO para a pedagogia da insensatez, NÃO para a imbecilização do pensamento único que se alimenta de verdades prontas. Somos sujeitos históricos em construção, precisamos educar nossas crianças para se responsabilizarem pelo mundo, mas para essa tarefa, é necessário olhar a cultura, a educação amazônida e sua Antropologia, nosso Ethos das Águas e Canoas, a simbologia riquíssima que está na psiquê (alma) dos nossos educandos e educandas.
Quando conheci a filosofia, muitas paixões desabrocharam na minha alma: a pedagogia existencialista, a fenomenologia e pra completar, Paulo Freire, Vieira Pinto, Rubem Alves, Piaget, Vigotski e Wallon. Entre muitos outros que contribuíram para o meu fazer pedagógico e minhas reflexões filosóficas.
De modo algum é possível ser professor ou Professora e não gostar de ler. A leitura rejuvenesce a alma do educador, renova o intelecto, amadurece a práxis político-crítica de quem estar engajado(a) no projeto de transformação da sociedade e do mundo.
Tenho um projeto no campo educacional. Se Deus me permitir, gostaria de nunca mais ver uma criança nas ruas mendigando. Gostaria de vê-las dentro das escolas construindo sua dignidade. Para a realização desse Projeto, estou pensando em algo que eu possa fazer para amenizar essa bomba social injusta e desumana.
Certo dia, há alguns anos, estava em sala de aula refletindo o Mito da Caverna de Platão. Quando finalizei a parábola socrático-platônica, perguntei se meus queridos e queridas alunas tinham compreendido: um aluno respondeu – “Professora que parada é essa? Platão estava noiado? O cara é doido profa! Maneiro demais essa história de várias pessoas presas numa caverna. Não sei se era Platão ou a senhora que estava noiada. Essa história é show de bola cara”. Foi aquele “kkkkkkkkkkkkkkk” em sala de aula. Platão nos faz viajar mesmo no mundo das ideias, nos faz usar a imaginação enquanto instrumento de reflexão e o menino sacou…
Estou lendo muitas coisas, faço pesquisa diariamente. Estou coordenando um grupo de estudos e pesquisas sobre o Pensamento Filosófico Feminino e neste projeto, estou me dedicando as leituras da filósofa Hannah Arendt. Uma leitura riquíssima e relevante para pensar os dias atuais. Por exemplo, A Banalidade do Mal, conceito filosófico que atravessou o nazismo e hoje nos deparamos com uma conjuntura de ódio e banalização de mais de 600 mil vidas ceifadas pelo descaso político na pandemia.
Por fim, uma mensagem de Hannah Arendt para fecharmos nosso diálogo: “A Educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”. Minha gratidão a você e ao Jornal do Commercio Am que abriu esse espeço para ouvir os profissionais da educação que são, historicamente, invisíveis. Desde já, agradeço pela oportunidade de não morrer engasgada com o descaso da educação em nosso país”.
Fonte: https://www.jcam.com.br/noticias/vozes-da-educacao-de-manaus-parte-5/