Onde "nasceu" a Psicologia e a chance de uma ciência "nascer" no Brasil
É praticamente clichê dizer que o avanço de um país passa pelo nível de Educação que se oferece à população. Educação no caso, aqui, falo da educação formal, essa ensinada nas escolas e universidade. Inclui-se também os ensinos técnicos.
Vou traçar aqui, de forma sucinta, o motivo da Psicologia ter sido desenvolvida primordialmente na Alemanha no final do século XIX, e o que isso tem a ver com o Brasil. Pela mentalidade e fala de algumas figuras do governo, talvez nenhuma “ciência nova” que venha a surgir, terá o Brasil como sua terra de nascimento. Mas, antes mesmo dos pensamentos e falas vindos destes representantes governamentais, o Brasil talvez careça de autoestima científica, e subestime a si mesmo, ou desvalorize a si mesmo, mesmo contanto com elementos favoráveis.
Obs. Vou de certa forma me restringir neste texto ao cenário da educação de Ensino Superior. Aliás, já deveriam ter modificado este conceito “Ensino Superior”. Ele segrega, elitiza, discrimina.
Vamos lá! A psicologia, mesmo bebendo de fontes da filosofia e fisiologia inglesa e francesa, nasceu e se desenvolveu como ciência nas Universidades alemãs a partir da segunda metade do século XIX e, desde então, difundiu-se depois para todo o mundo. Mas por que surgiu logo na Alemanha, que até antes de 1870 era toda fragmentada em numerosos reinos, ducados, bispados e cidades autônomas e não possuía governo central?
Na verdade, este contexto aparentemente desfavorável, contribuiu. Havia muito mais universidades na Alemanha do que em qualquer outro país europeu, fruto do despotismo esclarecido de alguns reis ou representantes destes estados. Então temos um primeiro elemento. Se a universidade não era para todos, era para muito mais pessoas do que em outros países.
Um segundo elemento: enquanto na França e Inglaterra, países também mais adiantados na cientificidade, limitava-se basicamente ao estudo da Física e Química, a ciência alemã passou a incluir departamentos de crítica literária, história, arqueologia, linguística, lógica... Saía dos limites das ciências naturais e se abria para as ciências das áreas humanas!
Outro elemento: com contribuições da filosofia, ministrada de forma complementar nos cursos existentes, incorporou-se o ideal de “Lehrfreiheit”, que se traduz na liberdade dos professores universitários de dirigirem suas aulas e suas pesquisas sem interferência ou constrangimento de “forças externas”. Incentivava-se ainda a liberdade do aluno de estudar o que fosse de seu interesse e escolher os professores de sua preferência. Parece normal? Pois não era assim em outros países (lembro que estamos falando da segunda metade do século XIX, em que os Estados Unidos ainda não havia se consolidado como potência e tinha problemas internos a resolver ao invés de pensar em “resolver os problemas do mundo”, os países da Europa ainda consolidavam suas fronteiras - processo normalmente permeado por conflitos e guerras – e adquiriam o status de estados nacionalistas, a revolução industrial era emergente, o Brasil apresentava poucas décadas de independência e ainda era um império, etc).
Um último elemento, embora haja muitos outros: o excelente padrão de ensino e de pesquisa nas universidades alemãs eram... instituições mantidas pelo Estado! E deste modo, recebiam muito investimento, desde bibliotecas, equipamentos, laboratórios e afins. Assim, as universidades alemãs conseguiram fazer distinguir grupos de cientistas e de estudantes notáveis, inclusive com estímulo à competição. Inclusive podendo o cientista podendo viver de pesquisas. Inclusive trazendo avanços e recordes de inovações e prêmio Nóbel (criado em 1901, a Alemanha nas primeira décadas foi premiada com mais da metade deles). Inclusive serviu de modelo para as universidades dos Estados Unidos e para outros lugares do mundo.
Portanto, não foi acidental que a psicologia científica tivesse sua origem na Alemanha. Portanto eis aí alguns elementos que podem apontar se o país prefere ser sol ou lua. Se prefere ter luz própria ou viver da luz de outrem. Não parece ter mudado a forma de fazer ciência competitiva. Sem investimento, sem o incentivo a novas ideias, sem a pluralidade de saberes, sem a oferta do espaço, um país ficará sujeito a replicar o que do outro lado de suas fronteiras é inventado. Será sempre um coadjuvante. Estará sempre atrasado. Estará sempre se adaptando ao que o externo propõe. Não será um transformador da realidade, mas, sempre um transformado pela realidade.
Não, a educação não garante prosperidade, não garante o bom caráter, não garante sucesso, não garante avanços. A educação não é um fator determinante. Mas é um fator que contribui. Podemos falar aqui, então, de aumento de possibilidades. Muitas vezes se fala nos ganhos individuais. Pois, pode se dizer que há mais chances de uma pessoa ser bem sucedida sem precisar se envolver com estudos e pesquisas do que um país. Os ganhos coletivos e nacionais podem ser até mais visíveis.
Não é este um texto crítico ao governo atual. Quando cito que representantes apresentam mentalidade de desvalorização à Educação, basta pesquisar frases no google como “a universidade deveria ser para poucos”, “FIÉS levou filho de porteiro para faculdade”, “as universidades são madraças” (ou seja, local de ociosidade), “as universidades são berços de produção de drogas” ... Basta jogar essas frases em sites de busca.
Mas, a bem da verdade, sem um modelo bom e sustentável, que seja então aplicado através de políticas públicas, mesmo investimentos financeiros podem não resultar em êxito educacional. O Brasil de fator positivo: mesmo com déficits, apresenta como meta escolarização universal. Apresenta território e matéria prima para aplicação de pesquisas. É um país laico (aqui haverá quem vê como ruim, respeitemos). É um país que, apesar da oferta e qualidade ser contraditória, apresenta discurso cultural de que a educação é emancipadora e empodera.
O que falta além do investimento? Espírito empreendedor também nas pesquisas? Parceria entre público e privado? Falta de interesse das empresas (principalmente as nacionais) de investirem em projetos de inovação? Os déficits do nível educacional? O que o zeitgeist (espírito de cada época) brasileiro atual contribui ou anula para avanços na ciência? Entendê-lo, talvez, possa ser fundamental para progressos gerais no país.