GRAMÁTICA CONTEXTUALIZADA
GRAMÁTICA CONTEXTUALIZADA
Não é de agora que presenciamos um ensino de Língua Portuguesa pautado numa gramática obsoleta, marcada por discursos preconceituosos, desconhecendo a língua como construção social. Pregam-se uma fala e uma escrita que são utilizadas por uma minoria – aqueles que tiveram acesso à escola e dela extraíram proveito suficiente para falar e escrever um português culto.
É lamentável e pouco produtivo reduzir o ensino de língua à Gramática Normativa, que dita construções sintáticas que são rarissimamente utilizadas até pelos falantes mais cultos, a exemplo de: “assistir ao filme” “namorar alguém”. Além disso, não são nomenclaturas que aumentarão a nossa performance linguística, mas a reflexão e o uso da língua. É proveitoso saber o que é uma “oração subordinada substantiva objetiva direta reduzida de infinitivo” se eu não confiro a essa construção uma prática, marcada por um contexto e, logo, por uma semântica?
Ainda que tenha sido acordado que devemos nos pautar por gramática contextualizada, o que vemos são as mesmas práticas de estudo de gramática. Grande parte dos livros didáticos ainda insistem em exigir do aluno que “retire os substantivos do texto”.
Segundo Irandé Antunes, em “Gramática contextualizada” (Parábola, 2014) falar em gramática contextualizada é um tanto redundante porque a linguagem nunca ocorre de maneira isolada, fora de um contexto – linguagem é interação e só ocorre se houver um objetivo de comunicação.
Nós, na condição de professores de Língua, precisamos refletir sobre nossas propostas de ensino, questionando o que concebemos como gramática quando visamos ensiná-la. Essa se aplica a qual contexto? Oral, escrito, formal, informal? E a qual gênero textual? Quais são os usos?
O essencial é garantir aos nossos alunos o acesso constante aos vários tipos e gêneros textuais, para que os discentes sejam capazes de interpretar qualquer texto e de lograr êxito nas variadas situações de comunicação. Infelizmente, são raros os profissionais que inserem o texto como protagonista da aula de Língua Portuguesa. Geralmente, o tempo é ocupado com análises sintáticas e morfológicas de frases descontextualizadas, sem que ao menos reflitam sobre a tradição, sem fazer paralelo entre a norma e o uso. E mais (ou menos?): quase nada de escrita de textos – raramente considerando-se a delimitação temática e o gênero textual a ser desenvolvido, pouco exercício da oralidade formal, quase nenhuma atividade voltada à ampliação do repertório vocabular (à exceção dos ditados).
Sem práticas como essas, continuará a se perpetuar a falsa ideia de que os alunos não sabem falar português, desconsiderando o que eles já dominam. Suas variantes linguísticas estão repletas de complexidades que podem e devem ser exploradas. Enfatize-se que não se defende a abolição da norma culta, mas que essa deve se pautar na observação dos usos orais e escritos da atualidade, nos vários âmbitos da cultura letrada brasileira.
Inadmissível é exigir que alguém fale ou escreva como um Machado de Assis, um Guimarães Rosa, um Graciliano Ramos. Ninguém se expressa literariamente o tempo todo, tampouco é uma Gramática Normativa ambulante. Até os falantes mais cultos seguem uma norma mais flexível, por muitas vezes perde-se a referenciação dos pronomes, cometendo “erros” de concordância verbal e nominal.
A língua está em constante mudança. Desconsiderar isso é ser retrógrado, contrariar o princípio de que a nossa experiência de linguagem está ancorada na vontade de inserção em um grupo social. Também vale lembrar o que disse Mário de Andrade (no início do século XX!) – é o povo que faz a língua, ou, como disse Marcuschi – “São os usos que fundam a língua e não o contrário”.