O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DA ESCOLA

O SENTIDO DA EXISTÊNCIA DA ESCOLA

Por Francisco Saraiva Moreira Júnior

Contents

RESUMO

1. Introdução

2. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: Uma significação pessoal

3. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: Uma significação social

4. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: Uma significação profissional

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA

RESUMO

Este trabalho analisa as possíveis respostas à questão do sentido da existência da escola, tomando como base, principalmente, os pensamentos de João Amós Comênius, contidos na sua Didática Magna. Essas considerações serão vistas sob três aspectos que, embora tratados separadamente, são complementares, parte de um todo, como três dimensões de um mesmo objeto. Primeiro, o sentido da escola para a formação pessoal; segundo, a sua importância para a formação social; e, terceiro, o seu sentido para a formação profissional.

Palavras-chave: Existência da escola. Comênius. Significação pessoal. Significação social. Significação profissional.

1. INTRODUÇÃO

Segundo Comênius (2001), cintando Filipe Mclanchton, “a educação perfeita da juventude é coisa um pouco mais difícil que a tomada de Troia”. Partindo dessa afirmação, é possível pensar o sentido da existência da escola de uma forma mais ampla, abrangendo o máximo possível de ângulos em que pode ser observada. Aqui, neste artigo, ela será observada de três formas diferentes, refletindo a complexidade de pensar sobre o sentido da sua existência. É importante destacar, de início, o que vem a ser escola e o que não é escola para, em seguida, refletir sobre os sentidos da sua existência.

Antes de tudo a escola não consiste em um espaço responsável apenas para transmitir os saberes científicos acumulados até o momento, com a finalidade de preparar uma pessoa para um determinado exame de admissão em uma universidade ou a preparação para o exercício de uma profissão no futuro. É algo mais. Pela citação acima conclui-se que o sentido da escola vai além disso e exige a participação da maior quantidade possível de pessoas preparadas para isso, da mesma forma de os soldados gregos planejaram estrategicamente a dominação dos troianos. Também, não é um local garantidor, em si, de acesso aos saberes ou de acensão social. Para que essas funções sejam contempladas é necessário que a instituição de ensino receba uma atenção especial.

Etimologicamente, a palavra escola, vem do grego scholé, e significa descanso, lazer, dando a ideia de que as escolas também precisam ser um local agradável, que promova o ensino e favoreça a aprendizagem eficaz e de forma prazerosa. Portanto, é um lugar onde vários agentes atuam com a finalidade de oferecer uma educação integral, preparando o novo ser para saber lidar consigo mesmo, saber viver bem em sociedade e que tenha uma ocupação que lhe garanta sustento e que lhe confira dignidade e senso de utilidade, fatores muitas vezes menosprezados pelas instituições de ensino e pela educação de modo geral. Em resumo, é um espaço onde as pessoas se humanizam. Como pode ser visto a seguir, o sentido primordial da escola é a humanização das pessoas. Comênius, definindo o homem, diz que ele é “um animal educável, pois não pode tornar-se homem a não ser que se eduque”. E ainda, citando Platão diz que “o homem é um animal cheio de mansidão e de essência divina, se é tornado manso por meio de uma verdadeira educação; se, pelo contrário, não recebe nenhuma ou a recebe falsa torna-se o mais feroz dos animais que a terra produz” (Comênius, 2001, p. 107). Portanto, “a arte das artes está em formar o homem” (Idem, p. 15)

2. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: UMA SIGNIFICAÇÃO PESSOAL

Pensar o sentido da existência da escola sob o prisma da sua função de formadora da pessoa humana passa, inevitavelmente, pela reflexão sobre o conceito de homem. Aqui é tomada como referência a visão de Comênius sobre o gênero humano. Ele diz que “no homem, foram acumulados, por assim dizer, como num só monte, todos os elementos do mundo, todas as formas e todos os graus das formas, para que manifestasse toda a arte da divina sabedoria”. Partindo desse pressuposto, serão apresentadas algumas características do ser humano que precisam ser levadas em consideração no momento da sua educação escolar. Portanto, a importância dessa instituição para a formação pessoal de um ser humano é elementar.

Em primeiro lugar, é preciso considerar a parte física de uma pessoa, o seu corpo em toda a sua abrangência. O papel da escola de levar em consideração essa área vai além das lições de biologia, onde se estuda as partes do corpo humano e suas diversas funções. Aqui é imprescindível a conscientização para os cuidados que se deve ter para uma vida saudável fisicamente. Isso inclui hábitos saudáveis na alimentação (a própria escola deve ser um exemplo disso, oferecendo uma alimentação saudável em seu cardápio), cuidados com o sono, exercícios físicos e prática de esportes. Ainda nesse sentido, é importante destacar o respeito ao seu e e ao corpo do outro. Deve-se ter em mente limites claros quanto a isso, além de valorizar as diferenças nos biotipos. Esse espaço de ensino e aprendizagem chamado escola deve ser onde o corpo de uma pessoa é levado muito sério.

Segundo, o aspecto psicológico do aluno, que também deve ser valorizado pela comunidade escolar. Os avanços dos estudos nas áreas de Neurociência e Psicologia oferecem um embasamento sólido para que os profissionais da Educação saibam lidar com sensibilidade com essa parte dos estudantes. Trabalhar de forma preventiva para evitar ou minimizar ao máximo problemas dessa ordem é também responsabilidade da escola. Ensinar aos discentes como saber encarar os desafios que todo ser humano encontra ao longo da vida é papel indispensável da instituição de ensino. Assim, aumentam as possibilidades de as pessoas viverem melhor consigo mesmas e prepara o terreno para bons relacionamentos com os outros, tema que será abordado mais adiante neste trabalho.

Ainda um outro aspecto que a escola tem a responsabilidade de trabalhar no aluno é a sua moralidade. O ensino de um conjunto de valores que prezem a vida, aprecie o ser humano, estime a igualdade, prestigie as diferenças e que respeite o meio em que se está inserido é tarefa primária da escola. Esse conjunto de valores podem ser extraídos, por exemplo, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de algumas leis adotadas com essa finalidade. Essas virtudes, sendo cultivadas na vida pessoal de cada um, serve de alicerce para uma boa convivência em sociedade, função que a escola tem a obrigação de ensinar, como visto a seguir. Comênius faz um questionamento: “que é a ciência sem a moral? Quem progride na ciência e regride na moral (é máxima antiga), anda mais para trás que para frente”.

3. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: UMA SIGNIFICAÇÃO SOCIAL

Aprender a viver em sociedade deve ser um compromisso de cada pessoa, e uma das razões de ser da escola é exercitar seus alunos para essa tarefa. O termo “treinar” é pouco usado nesse contexto, mas pode muito bem ser adotado. Então, treinar seres humanos para a convivência harmoniosa com os demais precisa ser matéria sempre presente na grade de conteúdos de toda e qualquer instituição de ensino. Essa vivência em coletividade precisa ser aprendida porque, partindo da hipótese de que o ser humano precisa ser humanizado, a aquisição desse cultura é essencial. Combinando a noção de espírito selvagem e a necessidade e o poder do aprendizado, Comênius diz que “ninguém é tão selvagem que, prestando paciente ouvido à cultura, não possa ser domesticado”. E esse espírito pacífico e disposto a pacificar é fundamental para as relações saudáveis. Porque, como exprime Comênius, “a criatura racional não deve ser conduzida por meio de gritos, de prisões e de bastonadas, mas pela razão”. É imperioso, portanto, que os sistemas de ensino adotem esses princípios como norteadores das relações dos seus membros.

Esse ofício da escola, de ensinar o ser humano numa perspectiva social, tem algumas implicações, como descritas abaixo.

Na dianteira dessas implicações, pode-se mencionar a justiça social. O que pode ser observado pela história é que, onde a escola foi mais eficaz na implantação da cultura, menor é a desigualdade entre as pessoas. Como exemplo, tem-se a Europa desenvolvida e a América Anglo-saxônica. Pode parecer utópico sonhar com a erradicação total dessa disparidade que existe entre as pessoas, onde uns poucos detém grandes somas e uma multidão mal tem o que lhe garante a sobrevivência no dia a dia, mas, como uma semente que é plantada e germina e nasce uma planta capaz de gerar muitas outras sementes, assim também a ideia da urgente necessidade das pessoas aprenderem a viver pacificamente em um corpo social precisa ser implementada nas escolas.

Também pode ser mencionada a igualdade de gênero entre as consequências de a escola exercer o seu papel de treinar pessoas para o convívio em harmonia com seu semelhante. Homens e mulheres são iguais em direitos e precisam ser também em oportunidades. Comênius conclui que “as mulheres são igualmente imagens de Deus, igualmente participantes da graça e do reino dos céus, igualmente dotadas de uma mente ágil e capaz de aprender a sabedoria (muitas vezes até mais que o nosso sexo), igualmente para elas está aberto o caminho dos ofícios elevados”.

Por último, o cuidado com os grupos vulneráveis da sociedade. Essa categoria de pessoas sofre a exclusão e precisa ser reintegrada através de ações que priorizem o valor intrínseco do ser humano.

Ligado a tudo isso e para conectar à próxima função da escola abordada a seguir nesta reflexão, Comênius afirma duas coisas: “em todas as escolas (mesmo nas Universidades, que deviam ser o ponto alto da cultura humana), têm sido as mais descuradas, e, em consequência disso, a maioria das vezes, saem de lá, em vez de cordeiros mansos, ferozes burros selvagens e mulos indômitos e petulantes; e, em vez de uma índole modelada pela virtude, trazem de lá em um conjunto de boas maneiras que de moral têm apenas o verniz, e os olhos, as mãos e os pés adestrados para as vaidades mundanas”. Portanto, a tarefa da escola de cuidar de forma completa das pessoas é extramente relevante. É o alicerce de uma sociedade justa e mais igualitária.

4. A EXISTÊNCIA DA ESCOLA: UMA SIGNIFICAÇÃO PROFISSIONAL

A escola, como local de preparação do ser humano para o exercício de uma profissão, vai além da visão que se tem dos cursos técnicos, que ensinam o ofício, mas esquecem, muitas vezes, de quem exercerá o ofício. A pessoa que está se preparando para a prática de uma atividade que lhe garanta sustendo, mas que também lhe confira dignidade, necessita ter em mente um propósito que vá além dessa tradicional finalidade do trabalho, ela precisa internalizar de que isso tem como meta ajudar, cuidar de outras pessoas, prestando-lhes um serviço. A profissão, é pois, um meio para valorizar e enaltecer a vida. Portanto, uma das razões de ser da escola é preparar pessoas para o exercício altruísta de uma ocupação. Comênius diz que se essa edução integral for devidamente aplicada “a ninguém faltará, daí por diante, matéria de bons pensamentos, de bons desejos, de boas aspirações e também de boas obras”.

É importante destacar que a escola deve ser o lugar “onde absolutamente tudo seja ensinado absolutamente a todos”. (Comênius, 2001). Isso significa que a pessoa humana tem múltiplas capacidades para aprender muitas coisas. Comênius diz que “se fossem concedidos ao homem mil anos de vida, durante os quais aprendesse constantemente qualquer coisa, deduzindo uma coisa de outra, todavia, teria sempre onde receber outras coisas que se lhe apresentassem, a tal ponto que a mente do homem é de capacidade inesgotável que, no conhecimento, se apresenta como um abismo”. E afirma também “que nada existe no mundo que homem, dotado de sentidos e de razão, não consiga aprender”. E, finalmente, conclui que “a nossa mente é verdadeiramente maior que o mundo”. Como pode ser visto, a escola tem essa responsabilidade de explorar as infindas capacidades dos seus alunos para, a partir daí, eles estarem de fato livres para a escolha daquilo que farão para prestar serviço à comunidade, tirar seus sustendo e lhe conferir dignidade.

Ainda é preciso refletir sobre a função da profissão como meio para a superação de algumas limitações. Comênius diz que “o trabalho obstinado vence tudo”. E, como a escola pode treinar seus alunos nos mais diversos ofícios, indo desde os ligados ao setor primário até o terciário, essas atividades se apresentarão como grandes oportunidades para extrair sempre o melhor de si, não só na excelência das tarefas, mas na sua realização como profissional.

Finalmente, o desenvolvimento do senso de utilidade que um ofício confere a quem o exerce é tarefa da escola. Isso é algo inerente a todo ser humano, como diz Comênius: “somos colocados no mundo, não somente para que nos façamos de espectadores, mas também de atores”. Esse sentimento, desenvolvido e cultivado em cada pessoa, conferir-lhe-á bem estar em todas as áreas.

Conclui-se, aqui, que um dos aspectos do sentido da existência da escola passa, obrigatoriamente, pela sua preocupação com a formação profissional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pode ser visto neste trabalho, refletir sobre o porquê da existência da escola é ser levado a um campo vasto de possibilidades ou, de forma metafórica, ser levado a um monte para poder ter uma visão panorâmica do todo, embora escapem muitos detalhes da percepção do observador. Porém, é uma tarefa necessária, posto que essa instituição é responsável pela preparação educacional das pessoas de forma integral. Se falhar nessa missão, a sociedade pode vir a desmoronar-se.

Então, todo ser humano, tendo ciência de si mesmo, devidamente habilitado para o convívio pacífico com seus pares, e apropriadamente capacitado para o exercício de uma profissão, está mais próximo da tão sonhada realização integral.

Portanto, como declara Comênius a “escola perfeitamente correspondente ao seu fim é aquela que é uma verdadeira oficina de homens, isto é, onde as mentes dos alunos sejam mergulhadas no fulgor da sabedoria, para que penetrem prontamente em todas as coisas, manifestas e ocultas”.

BIBLIOGRAFIA

COMÊNIUS, João Amós. Didática Magna, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.