Muito mais do que abrir a câmera
Será mesmo que se deve julgar o comportamento da maioria dos alunos (de não abrir a câmera) nas aulas virtuais como uma falta de educação e respeito?
Claro que, se todos tivéssemos a mesma maturidade e entendimento desse novo ensino remoto, bem como as mesmas condições "virtuais", além de uma consciência muito bem desenvolvida das necessidades imediatas por conta da pandemia, construiríamos momentos lindos de estudo e com aulas muito mais interativas. Mas, muitos fatores precisam ser levados em consideração e respeitados, antes dessa "taxação" descuidada ou até errônea de grande parte da população, ao julgar essa nova geração como "mal-educada, pois não é só isso.
Primeiro, trata-se de pessoas que, naturalmente, têm comportamentos diferentes. Além disso, crianças e adolescentes, os quais enfrentam vários níveis de timidez, preferem esconder-se atrás das câmeras a exibir-se "desprotegidos" e serem tomados por algum tipo de vergonha.
Sim, desprotegidos: as aulas virtuais, embora aconteçam em grupo, isolam os alunos do contato físico, olho no olho, e trazem a sensação de vulnerabilidade, solidão e exposição exacerbada. E totalmente diferente estudar com o seu grupo de costume a estudar com o mesmo grupo, porém distantes.
Segundo, são pessoas em processo de formação e crescimento. Lidar com as próprias emoções não é tão fácil assim. Basta colocar-se no lugar do outro para sentir isso. Temos visto e até participado de reuniões com grupo de adultos, em que uma minoria abre a câmera.
Terceiro, podemos nos questionar: por que quando brincamos, jogamos, cantamos, os alunos abrem a câmera? Será mesmo uma questão de recusa a participar das aulas? Pode até ser, por parte de alguns, mas não é a realidade de todos. Diferentemente das brincadeiras, as aulas têm em si a cobrança do entendimento e compreensão dos conteúdos, o que na aula virtual pode ser um fator inibidor para o aluno, visto a sua insegurança diante do errar ou acertar. Nem todos entendem e aceitam que a aula é um lugar de construção e reconstrução, logo, o erro é bem-vindo.
Além de tudo isso, todos enfrentamos uma pandemia, o que de imediato mexeu com a rotina e a zona de conforto de todas as famílias. No início, até me sentia constrangida e muito mais cansada, digo esgotada, por passar muitas horas do dia conduzindo aulas para aquele número enorme de letrinhas e câmeras fechadas.
Foram muitas reflexões diante da postura dos alunos, mas muito mais acerca do meu comportamento diante do deles. O momento requer muita consciência, disciplina e reorganização de hábitos. Os adultos não são os alunos, somos nós: escola e família. E agora, mais do que nunca, somos todos protagonistas, cada um tem o controle de si, dentro de sua casa. E claro que o professor sabe do trabalho que está fazendo e da sua função enquanto educador, e a escola, enquanto escola, tem o poder de decisão/organização. Afinal, "a Educação é direito de todos e dever do Estado e da família" (Art. 205 da Constituição). Poderíamos rever, inclusive e também, o Art. 229 da Constituição, o 55 do ECA e o 1.634 do Código Civil.
No final, só não irá vencer quem teve sua vida roubada pelo vírus.
Prof.ª Márcia Maria Santos Neves