BRASIL: O PAÍS DOS ANALFABETOS FUNCIONAIS


Há algo de podre no reino da Dinamarca. A famosa frase é de Marcelo, personagem de Hamlet, consagrada tragédia de Willian Shakespeare. No cotidiano, a usamos para designar situações adversas que, no tocante, aparentam sinais de banalidade, seja por conveniência proposital ou simplesmente por ninguém se importar em checar, mas, na verdade, escondem problemas graves por detrás. Quando pensamos na educação brasileira, a proposição de Marcelo se encaixa muito bem, sobretudo nos motivos responsáveis pela preocupante marca de 38 milhões de brasileiros considerados analfabetos funcionais.

Embora reconheçam as letras e os números, o analfabeto funcional é aquele indivíduo incapaz de compreender textos simples e operações matemáticas elaboradas. Além disso, apresentam sérias dificuldades na interpretação, fala e escrita. Parte dessa problemática está relacionada diretamente com a falta de hábito da leitura no dia a dia das pessoas. Todavia, isso por si só não consegue explicar essa lacuna gigantesca na vida formativa, profissional e pessoal desses compatriotas. E como reverter esse cenário desfavorável? As respostas para essa pergunta são diversas, mas todas elas exoram uma estrutura de educação diferenciada, a qual, até hoje, nunca enxergamos no país.

Ao contrário do saber ler e escrever, aptidões essas adquiridas, em tese, nos três primeiros anos do ensino fundamental, a compreensão de texto e o trato com a matemática seguem em toda a escolaridade da criança. Levando em conta esse fator, é imprescindível a manutenção de programas alfabetizadores também nas séries subsequentes, inclusive nas finais, obviamente mudando o repertório e adequando-o a modalidade. Junto com essas políticas — e tão importante quanto — são as formações continuadas para os docentes, afinal são eles agentes protagonistas no processo e devem ser preparados para combater o cerne da questão.

O contexto social, o qual o aluno esteja inserido, também é uma variante digna de atenção. Observado o estado de vulnerabilidade dos estudantes, com a pobreza no entorno e condições de moradias insalubres, a tendência é um baixo aproveitamento nos estudos. O percurso alfabetizador, assim como os demais incorporados no procedimento educativo, necessita de uma parceria exitosa entre escola e família, e geralmente a complexidade dessa tarefa fica evidente em cenários sociais de completo abandono e de miséria.

Engana-se quem pensa que o analfabetismo funcional esteja presente somente na educação básica e média — bem verdade, especialmente na primeira, a pujança do problema é mais visível, contudo, para surpresa de alguns, na educação superior nota-se também as adversidades. De acordo com a pesquisa feita pelo Instituto Paulo Montenegro, 2018, 4% dos formados são analfabetos funcionais. Em termos práticos, temos médicos, engenheiros, advogados, professores, enfim, um leque imenso de profissionais os quais incompreendem os textos lidos e nem operam a matemática satisfatoriamente.

Já no ensino médio, a taxa é de 13%, jovens de 15 a 18 anos que não dominam a escrita, a interpretação e a aritmética. Ao reduzirmos os números totais, englobando toda a população brasileira, de forma proporcional, temos um alarmante resultado: de 10 pessoas, na faixa etária de 15 a 64 anos, 3 são consideradas analfabetas funcionais. Esses indivíduos migrarão para a educação superior e/ou atuarão no mercado de trabalho, em atividade que exigirão deles competências ausentes nos seus currículos. Logo, a reclamação de falta de mão de obra qualificada no mercado, por parte dos empreendedores, parece fazer algum sentido.

Os adolescentes e jovens cada vez mais estão conectados na internet, então é salutar os professores e os pais usarem a tecnologia como aliada nessa batalha. Trazer essa contextualização para a escola permite uma imersão no mundo do aluno como também possibilita rastrear as interações e como essas estão sendo feitas na rede. De todo modo, os estudantes, a todo tempo, interagem nas mídias sociais, quer seja escrevendo ou lendo, portanto, qualificar essas influências é um exercício oportuno de ensino. O necessário e urgente é uma tomada de decisão efetiva visando tirar o país desse lamentável posto de milhões de pessoas sendo analfabetos funcionais.

Superar essa triste realidade, do dia para a noite, é improvável. Com políticas de ensino desarticuladas, tampouco. O fortalecimento de métodos, cujo quais priorizem o letramento, é essencial para começarmos a atacar o problema. Além disso, delegar somente a escola o papel de alfabetizar é incorrer ao erro. Educar é um papel conjunto, entre professores e pais, pois a sala de aula é uma extensão da vida do aluno e não deve ser dissociada, como se a mesma fosse exclusivamente o local de aprender. A aprendizagem ocorre, principalmente, fora dela. A criticidade, a assertividade e inúmeras outras habilidades o estudante adquire, com mais robustez, no meio social. A mudança de postura, por assim dizer, é um levante constituído em várias mãos e deve ter o poder público capitaneando esse movimento, com investimentos e sempre aberto ao diálogo com a comunidade escolar, a fim de construir uma educação democrática e bem sucedida.