A Realidade do Negro Brasileiro
A Realidade do Negro Brasileiro
O programa apresentado pelo jornalista Heraldo Pereira, na Globonews, colocando o problema do negro no Brasil, discutido com cinco jornalistas negras, teve uma repercussão acima do eventual pretendido. O pano de fundo foi a morte do negro norte-americano George Floyd e a sua repercussão mundial. O coordenador do programa, ao final, perguntou a todas cinco jornalistas sobre o mecanismo usado por elas para quebrar as barreiras até a posição alcançada. As repostas emocionadas foram as mesmas: a educação conseguida com sacrifícios.
O racismo no Brasil cria barreiras invisíveis e, às vezes, até explícitas. Quando foi criado o sistema de cotas para ingresso na universidade pública figuras importantes se manifestaram contra, com argumentos muitas vezes sem base científica. O que se propunha era muito pouco: a adoção de um percentual de 12,5% ao ano até se completar o mínimo de 50% de reserva de matrículas para pretos, pardos e indígenas, que disputariam as vagas reservadas.
A discussão atual nos remete a um estudo publicado em 1944, pelo economista sueco Gunnar Myrdal. Convidado por uma universidade dos Estados Unidos, ele estudou, entre 1938 e 1940, o problema da segregação do negro norte-americano e as barreiras que impediam sua integração à sociedade. Seu trabalho se chama "An american dilemma: The negro problem and modern democracy", que, numa versão livre, constata que o problema do cidadão dessa etnia nos EUA se constituía no seguinte dilema: era discriminado, sem acesso social, pobre, sem escolaridade, sem autoestima; discriminado, sem acesso social, pobre, sem escolaridade, sem autoestima; e assim por diante.
A constatação do círculo vicioso na realidade do negro norte-americano foi a base científica para o desenvolvimento do conceito da "causação circular" aplicada à economia, que deu a Gunnar Myrdal o prêmio Nobel em 1974. Segundo sua teoria econômica, os países subdesenvolvidos se perpetuariam na mesma condição. É a geração da pobreza pela própria pobreza criando um círculo fechado, que deveria ser rompido num determinado ponto para quebrar a tendência e formar novas políticas causadoras de um novo círculo, aí sim, virtuoso. Com a globalização, sua teoria perdeu substância, mas deixou o que pensar.
Agora, mais do que nunca, alguma coisa precisa feita, com muita urgência, para quebrar o círculo vicioso que deixa o negro brasileiro à margem das oportunidades oferecidas pela sociedade. Está cristalino que esse golpe inicial deve ser dado no elo da educação, proporcionando uma nova postura da sociedade frente a um processo que precisa ser acelerado. O que se quer é uma política suficientemente forte para um nivelamento das oportunidades. Com o sistema de cotas pensou-se que um passo importante estava sendo dado, mas ainda é pouco.
Myrdal faz referência ao dilema da sociedade norte-americana da época, revelado na crença dos liberais de que as pessoas são iguais e têm os mesmos direitos. Para eles, o problema do negro era um problema da sociedade como um todo. Mesmo não sendo contemporânea à nossa realidade, a constatação é coetânea com a então realidade americana. Contrariando alguns segmentos, a sociedade tem o dever de desenvolver políticas de integração em todos os níveis, até que sejam afastadas todas as barreiras, para a prevalência do mérito sobre qualquer outra condicionante.