Coronavirus: a pandemia da virada
Hoje, primeiro de abril de 2020, último dia da mentira da década, o mundo vive uma verdade não planejada: uma pandemia. Quem dera fosse pegadinha ou fake news. Infelizmente, é fato: a Terra está em quarentena. Estamos afastados de nossas rotinas corridas e forçadamente presos em nossos lares desde a última sexta-feira 13, quando o temido isolamento começou por aqui, no Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil.
Até então, o problema estava lá longe (se é que existe longe nesse nosso mundo globalizado e conectado). Tudo começou na China. Mas, por que a China? O que sabemos da China? Sua geografia, sua ecologia, sua cultura? De forma bem sucinta, indo direto ao que interessa, podemos dizer que a China é um país eclético em vários aspectos. A geografia física chinesa nos diz que lá existem pelo menos uns cinco biomas diferentes, o que proporciona uma farta diversidade ecológica. Nesse contexto, está inserida a espécie humana (em sua imensa população chinesa) e todas as suas habilidades em degradar o meio ambiente. Resumo da história: o homem vai lá na natureza, pega uns animais exóticos pra fazer de estimação (leia-se tráfico de animais silvestres) ou pra sua alimentação. Como a lei do retorno é uma das poucas leis que funcionam nesse mundo, a natureza vai lá e retribui o carinho com seus vírus exóticos. Um toma-lá-dá-cá do meio ambiente, simples assim.
A tendência humana é achar um culpado para o que a gente mesmo apronta de errado. E lá foi o homem culpar o morcego. Mas, por que o morcego? O que os morcegos chineses têm de especial? Na verdade, o morcego é especial por si só, “só” por ser um mamífero que voa. Um parente tão próximo e tão distante, dono de um GPS invejável e capaz de polinizar como nenhum outro Mammalia. Morcegos são reservatórios dos vírus que causaram algumas das últimas epidemias, inclusive a atual. A China possui uma grande biodiversidade de quirópteros e, consequentemente, viral. Até aqui, tudo certo. O problema está em quando o homem devasta a invisível fronteira do equilíbrio ecológico e passa a ser vetor de uma doença até então inexistente.
As consequências dessa novidade viral já são notáveis. Dentre elas, podemos citar algumas: pânico diante do desconhecido, resgate de hábitos básicos de higiene aprendidos na infância, diminuição da emissão de gases poluentes, valorização da tão desvalorizada ciência e da saúde pública, consciência tardia sobre a importância da vitamina D, desconfiança sobre a qualidade da metodologia EAD, turbulenta participação das famílias na vida escolar dos seus filhos, discussão sobre o que é social e economicamente essencial... E por aí vai. A lista de consequências é grande, e por enquanto existe apenas um rascunho.
Tem gente falando em matar morcego pra evitar futuras pandemias como essa. Mas isso é um absurdo biológico... Já matamos uma quantidade considerável de abelhas com o uso irresponsável de agrotóxicos, vai faltar mão de obra pra tanta polinização! Lembra que não era pra matar o macaco na epidemia de febre amarela? Então, esses mamíferos (morcegos e macacos) são apenas reserva viral. Então vamos matar todos os reservatórios de HIV mundo afora pra acabar com a AIDS? Não dá, né? Mas matar o vetor pode? Se for mosquito... Mas se o vetor for o mamífero humano? Aí já seria um absurdo bioético... Detalhe: a natureza incumbiu este (absurdo) controle biológico ao novo vírus... Já tem vacina? Vai demorar? E se tiver, você vai tomar? Já tomou a da febre amarela? E a do sarampo? Perguntas... A ciência adora responder perguntas. Aguardem e confiem.
Falando nisso, será mesmo que a investigação científica não previu a possibilidade dessa pandemia? Claro que sim. Os próprios cientistas chineses alertaram sobre essa possibilidade há um ano, e muitos outros cientistas alertaram muito antes. Mas provavelmente poucos sabiam, poucos se importaram. A ciência realmente só parece ter importância social quando o caldo desanda.
É provável que, daqui a alguns anos, tenhamos livros e artigos relacionando essa pandemia com a evolução da espécie humana, pois os patógenos desempenham papel fundamental na regulação do sistema imunológico. Seremos nós uma "terceira idade" diferente no aspecto biológico/evolutivo que a atual, prontos para a próxima pandemia (ou não). Nos preocupa tanto a possibilidade de uma arma biológica, mal sabemos quantas guerras bioquímicas nosso sistema de defesa vence a cada dia... Sim, somos sobreviventes.
Mas, então, a culpa da pandemia é de quem? Do homem? Do homem civilizado que não lava corretamente suas mãos? Do homem que experimenta culinárias diferentes quando viaja, mas não se alimenta bem diariamente? Do homem que quer casa, mas não quer ficar em casa? Do homem que quer educar seus filhos, mas sem ter o trabalho de educá-los? Do homem que vai à farmácia e ao mercado e compra o que nem precisa e depois pede desconto pra pagar o que precisa? Do homem que fala mal do governo, mas nas eleições comete sempre o mesmo erro?
Que virada de ano tivemos... Que virada de vida esse coronavírus nos causou! Uns o acusam de provocar uma crise na saúde e na economia (como se já não existissem antes), outros agradecem por ter mais tempo com a família... Pandemia complicada... É literalmente um salve-se quem puder! E olha que nem ser vivo o vírus é... Ou é?
Vamos ver qual será o desfecho desse coronavírus... A ciência ainda nos dirá muita coisa sobre ele num futuro próximo. Por hora, a vontade é voltar a um passado distante, lá na sopa primitiva, e falar: pode separar esse grupinho aí agora, RNA!
Maria Angélica Muniz Gomes
Licenciada em Ciências Biológicas pela UERJ
Mestre em Ensino de Biologia pela UFRJ
Professora da SEEDUC/RJ
Colaboração:
Prof.ª Dr.ª Carolina Alvares de Cunha de Azeredo Braga - UFRJ
Prof. MSc. Daniel de Assis Caldeira - SEEDUC/RJ; Colégio de Aplicação da UCP