A malfadada lista

Estarrecido, aterrado, espantado ou perplexo? Qual melhor adjetivo utilizar para tratar de um dos fatos mais lamentáveis da semana? A divulgação de uma relação com 43 livros que deveriam ser recolhidos das escolas estaduais de Rondônia. A lista infeliz incluía “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, “Os Sertões”, de Euclides da Cunha e “Macunaíma”, de Mário de Andrade. A temerária ação era contra os livros, mas no caso específico de Rubem Alves, o ataque era ao autor, já que a ordem seria recolher todas as suas obras. Clássicos internacionais também foram nominadas: “O Castelo” de Franz Kafka (aquele mesmo que o Ministro da Educação chamou de Kafta) e “Contos de Terror de Mistério e de Morte” de Edgar Allan Poe.

O documento foi tratado como “rascunho” pelo secretário da educação que, tentou justificar o injustificável. Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu usou o argumento de combate a “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”. A ação teve início após uma suposta denúncia de “existência de palavrões” nos textos. Inicialmente imagino que o denunciante leu todas as obras para conhecer seus conteúdos, embora acredite mesmo que, quem é capaz de conhecer tantos autores e obras, não faria a sandice de tentar censurá-las.

Reflito com meus botões como um governo estadual que apoia um presidente da República que rotineiramente dispara palavrões em suas manifestações, pode ser tão pudico? Aliás, a trapalhada não parece isolada e demonstra sintonia com as declarações do presidente, do ex-secretário da cultura e de outros tantos integrantes do MEC, que gostam de atacar grandes nomes da educação e da cultura, além de insinuarem o desejo de reescrever a história e a cultura brasileira, embora não consigam sequer resolver o imbróglio da correção das notas do Enem.

É sabido que um dos maiores desafios dos educadores é, despertar nos alunos, o interesse pela leitura da literatura. A interação entre texto e leitor possibilita a imaginação, o despertar dos sentidos e o desenvolvimento do espírito crítico. O cidadão que lê conhece seu papel na sociedade e se engaja nos processos de transformação social. Talvez resida aí a grande preocupação de certos governantes.

Em nossa cidade, por enquanto, os livros não são censurados. A estratégia é deixar de contratar bibliotecários e depreciar as bibliotecas até seu silencioso fechamento. Vale lembrar que em maio deste ano encerra o prazo estipulado pela Lei Federal 12.244/2010 que determina a obrigatoriedade das escolas públicas e privadas contarem com bibliotecas que tenham acervo de livros de, no mínimo, um título para cada aluno matriculado “cabendo ao respectivo sistema de ensino determinar a ampliação deste acervo conforme sua realidade, bem como divulgar orientações de guarda, preservação, organização e funcionamento das bibliotecas escolares”.

Mas existe esperança e surgem voluntários independentes ou ligados a clubes de serviço e entidades literárias promovendo campanhas de arrecadação e doação de livros. Outro fato alentador foi que, depois de muito aguardar, a comunidade recebeu a Biblioteca Altino Arantes totalmente restaurada, com acervo de 11 mil obras, 15 salas de leitura, área infantil, computadores à disposição, um agradável café e novo nome de Biblioteca Sinhá Junqueira.

ANDRÉ LUIZ DA SILVA
Enviado por ANDRÉ LUIZ DA SILVA em 10/02/2020
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