SER E TEMPO, DE MARTIN HEIDEGGER
 
     Martin Heidegger, um dos ícones da filosofia do século XIX, marcou seu nome na história da filosofia, não apenas por ser o “filósofo nazista”, já que manteve estreitas relações com o regime nazista de Adolf Hitler, valendo-se do seu prestígio como filósofo para difundir o nazismo pelo mundo, mas, e principalmente, pela obra que legou ao mundo: “Ser e Tempo”. A filosofia heideggeriana tem seu gatilho disparado quando, em meio à efervescência da fenomenologia husserliana, as questões metafísicas são trazidas à tona, especialmente no que concerne à questão do “ser”, tão abordada pelos pré-socráticos e por todos aqueles que se dedicaram à busca pelo conhecimento no decorrer da historia. Na visão do filósofo alemão, a questão ontológica carecia de uma recauchutagem, e vai ser a essa árdua tarefa que ele dedicará sua vida, optando por uma vida simples de camponês em uma cabana, na região da Floresta Negra, no sul da Alemanha, para, ali, se dedicar à empresa de “Ser e Tempo”.
     Há algo de magnífico e especial na filosofia de Heidegger, tanto que, até hoje, psicólogos se dedicam a conhecê-la, sendo praticamente indispensável que um estudioso da psique humana conheça a ontologia heideggeriana. Partindo da visão ontológica do ser, Heidegger assevera que o ser não pode ser conceituado tal qual um objeto, porque o ser é uma essência, assim como os escolásticos acreditavam. Passando pela filosofia de Aristóteles, Heidegger apresenta o ser como sendo pura potência em sua essência. Assim sendo, o ser não pode ser esmiuçado, ou dissecado, nem exaurido em sua explicação. Mas as coisas mudam de figura quando esse “ser” se encontra com o tempo, quando é lançado na existência, quando o ser se manifesta em um indivíduo dentro da seqüência histórica, porque é aí, segundo Heidegger, que o ser sofre a decadência da sua essência, vê suprimidas as suas potencialidades e se encontra cercado por todos os lados de pressões que fazem dele uma construção do meio, levando-o para bem longe daquilo que sua essência realmente é.
     É o contexto existencial do ser manifesto no tempo que gangrena a essência ontológica desse ser, e é justamente essa ideia que revolucionou muitas vidas que tiveram contato com essa filosofia, porque muitas pessoas que se encontravam tristes e pormenorizadas em suas existências, perceberam que foram afastadas de suas essências pelo agir do tempo, pela sociedade, pelas ideias correntes a suas respectivas épocas. Pessoas que quando ainda crianças tinham sonhos e almejavam um futuro de acordo como que idealizavam, viam, conforme avançavam em idade, a destruição lenta e paulatina desses anseios, levando-os a uma existência que Heidegger denomina de “inautêntica”, recheada de decepções, frustrações, revoltas e inconformismo. Aqui, nessa altura da construção da filosofia heideggeriana, que muitos se identificam e têm suas vidas impactadas, justamente por perceberem que se tornaram um produto do meio e se afastaram de tudo que, em essência, carregavam em seu ser.
     Não bastasse Heidegger apontar a mazela e a causa da patologia psíquica, ele coloca a cereja em cima do bolo quando casa sua filosofia com a ideia do “ser” em Heráclito, trazendo junto de seu arcabouço filosófico a esperança de que por mais que um indivíduo esteja afastado de sua essência, ele ainda é um mutante, ainda preserva as potencialidades, podendo, a qualquer momento, abandonar comportamentos e dar uma guinada radical na direção oposta a que está sendo compelido. Ora, se Heidegger não chegasse a esse ponto, seria como um médico que encontra a patologia, determina a causa, mas não prescreve o tratamento. A grandeza dessa filosofia está na sua aplicação prática, pois muitos foram os que, conhecendo o pensamento heideggeriano, desistiram de viver uma vida angustiada e partiram, com toda coragem e determinação, em busca da maior aproximação possível de suas essências, daquilo que realmente eram, rejeitando, assim, toda inércia social e força externa que os faziam ser o que não eram e o condenavam a uma vida amarga. Há quem pense que não há nada pior do que ser uma coisa que você não é. Viver sufocado, forjado de acordo com o pensamento vigente, é o que faz o “ser” se transformar em uma “coisa”, em um objeto, em algo que pode ser explicado, pormenorizado, colocado em uma caixa, chegando ao extremo de termos uma sociedade que fabrica indivíduos em série, moldados de acordo com as conjunturas que imperam.
     Heidegger ainda registra em sua obra que ao sentir a aproximação da morte, o indivíduo se prepara para retornar à sua verdadeira essência, àquilo que ele é no sentido ontológico, pois uma vez dado o último suspiro, não há mais perspectiva de mudança, cessam todas as possibilidades, todas as potencialidades, e o que sobra é a essência primitiva do indivíduo. É realmente triste que muitas vidas tenham que se angustiar pela morte depois de ter vivido uma vida objetificada pelo contexto em que foi inserido. A atitude que é provocada em quem conhece a filosofia heideggeriana é a de dar início a uma investigação interna, a uma jornada dentro do seu próprio ser, buscando nos recôncavos mais obscuros de sua alma por sua verdadeira essência, tentando localizar qual encruzilhada em que se perdeu, quando foi que deixou de ser ele mesmo, quando foi que desistiu de acreditar naquilo que defendia, quais as razões que o levaram a abandonar seus sonhos, e principalmente, quando foi que se perderam de si mesmos e começaram a viver uma vida que não era deles.


BIBLIOGRAFIA

HEIDEGGER, Martin. O Ser e o Tempo. Parte I. Tradução Márcia Sá Cavalcante Shuback. São Paulo: Editora Vozes, 2005.

ANTISERI, D; REALE, G. Historia da Filosofia. São Paulo: Editora Paulus, 1991, Vol. III.
Diogo Mateus Garmatz
Enviado por Diogo Mateus Garmatz em 28/12/2019
Reeditado em 14/02/2021
Código do texto: T6828490
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