PARA SEMPRE ALUNO
 
     O aprendizado é algo que traz prazer e satisfação, ainda que por vezes não percebamos, há um certo gozo na nossa alma quando aprendemos o que não sabíamos. É claro que às vezes me vejo forçado a prender algo mesmo não tendo a escolhido o conteúdo, porque me é imposto aprender, mas mesmo assim, depois de vencido o desafio de aprender, a sensação de satisfação é inevitável. Ninguém passa pela vida sem saber o que é aprender, o aprendizado é tão peculiar à espécie humana quanto a nossa organicidade. Tem coisas que me são ensinadas, outras há, que aprendo naturalmente, seja por meu interesse ou pelo que a vida me traz para aprender.
     O empirismo de John Locke me mostra que não é só a escolarização com a transmissão crua do conteúdo que é responsável pelo aprendizado, mas a minha vivência participa desse processo. Mais do que isso, tenho pra mim que aprendo mais com a vida do que em qualquer livro. Mas, quando vi professores que fundiam o conteúdo a ser ensinado com o empirismo, vi uma das formas mais efetivas de aprendizagem, que tiravam a matéria ensinada do mundo da abstração e a traziam ao meu cotidiano prático.
     É impossível não perceber na escolarização, também, umas das teorias da aprendizagem mais difundidas e usadas hoje em dia, a das fases do desenvolvimento cognitivo de Piaget. Os professores ensinam de forma gradual, separando cada conteúdo em uma determinada série, que coincide com a idade do aluno, fazendo a devida adaptação entre o conteúdo a ser ensinado e a capacidade do aluno de absorver o conhecimento naquela fase da vida. É impossível negar o quão útil e eficiente essa teoria tem sido na formação dos alunos. É interessante notar que até mesmo o empirismo (as coisas que a vida me ensina) acontece em momentos oportunos, assim como há coisas que só venho a aprender quando atinjo determinada idade, ou determinada maturidade.
     Outra teoria que me chamou a atenção ao experimentá-la foi a de Henri Wallon. Chego ao ponto de dizer que é por meio dessa teoria que meu aprendizado se dá hoje em dia. Ele considera a influência do fator orgânico e enfatiza o fator social, de forma que os dois caminham juntos, não bastando a capacidade intelectiva para o desenvolvimento do ser, mas dependendo também do contexto social que cerca o aprendiz. Wallon acredita que um aprendizado não é esquecido ou abandonado quando se adota outro comportamento, mas que ele se soma ao interior numa ascensão constante. Ora, quando abro um livro ou assisto a uma aula, o aprendizado que tenho não é fruto exclusivo da minha inteligência, mas também um reflexo do meu meio social, porque faço associações com a realidade onde vivo.
     A proximidade e a relação é tanta que a matéria assimilada e o contexto social se confundem, a ponto de eu não saber mais delimitar onde fica a fronteira entre o que estou aprendendo e o que eu estou vivendo. Já não sei mais se o livro foi escrito observando o contexto ou se é o contexto que observa o livro ao se manifestar, tamanha é a conexão entre ambos.
     Tanto o empirismo de John Locke quanto a teoria de Henri Wallon indicam que aprendo antes de entrar em sala de aula e continuo aprendendo quando saio dela. Ainda que eu quisesse achar um lugar, um momento ou uma forma de não aprender nada, esse próprio ato em si já seria um aprendizado: aprender a não aprender; e dependeria de esforço cognitivo para seu sucesso. Eu aprendo a todo momento, desde que me tornei uma forma de vida. Considerando que algo é vida somente se o for na essência, noto que até o zigoto (o feto nas primeiras semanas em gestação) é vida, pois se nada interromper seu processo de desenvolvimento, ele não se tornará outra coisa a não ser um ser vivo. Não há como não aprender enquanto ser vivo. Não só me desenvolvo desde que era do tamanho de uma semente de gergelim, mas até enquanto durmo, pois é durante o sono que o cérebro processa as informações transportando dados da memória corrente para a memória definitiva, gravando aquilo que é importante. Estar vivo é estar aprendendo, e desconfio que nem a morte, que inquieta meus pensamentos sobre o que me reserva a eternidade, será capaz de dar fim ao meu aprendizado. Talvez a própria inquietude da alma sobre o desconhecido seja o gatilho para aprendizados que ainda estão por vir. Talvez o tempo esteja mesmo condicionando aquilo que tenho apara aprender gradualmente enquanto vivo. Talvez eu não saiba mesmo muita coisa, e acabe saindo dessa existência da mesma forma como entrei: como um aprendiz.

REFERÊNCIAS

LOCKE, John. Alguns pensamentos sobre a educação. São Paulo: Almedina, 1693

PIAGET, Jean. A Pscologia da Inteligência. Petrópolis: Editora Vozes, 1932

GALVÃO, Isabel. Henri Wallon: Uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 1999.
Diogo Mateus Garmatz
Enviado por Diogo Mateus Garmatz em 27/12/2019
Reeditado em 14/02/2021
Código do texto: T6828379
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