REFLEXÕES SOBRE A REVOLUÇÃO NA FRANÇA, DE EDMUND BURKE
Edmund Burke foi um filósofo inglês que teve a coragem de criticar a Revolução Francesa, ficando conhecido na história como um contrarrevolucionário e como “o pai dos conservadores” ou “o conservador dos conservadores”. Havia organizações na França revolucionária que eram chamadas de “Sociedades de Pensamento”, onde homens inclinados ao idealismo platônico esboçaram a ideia de um “novo homem”, levando o “mundo das ideias” em que viviam a sobrepor-se à realidade de tal monta que se formou uma utopia. A discrepância entre o mundo ideal pensado pelos teóricos franceses e a realidade nua e crua era tão grande que seria praticamente inevitável o banho de sangue que estava por vir.
Em um século marcado por revoluções, tanto a eclosão de uma revolta socialista na França quanto a força da política progressista tornavam necessária a crítica ao “pai dos conservadores”, Edmund Burke. De fato, criticá-lo em um contexto revolucionário era quase que um lugar-comum, ele era um alvo a ser abatido, um argumento a ser refutado, uma pedra no caminho, uma voz que precisava ser sufocada.
As elucubrações de Burke não se restringiam à Revolução Francesa, mas abrangiam também o pensamento iluminista, não só o francês, mas principalmente algumas vertentes do iluminismo inglês, saindo sempre em defesa das instituições que acreditava serem vitais à manutenção da Inglaterra e que eram atacadas pelos pensamentos reformistas dos revolucionários. A grandeza da obra de Burke transcende a sua filosofia, pois carrega junto de si muito da historiografia da época, da sociologia, e principalmente da história do pensamento político. Sua força, coragem e determinação foram tantas que se não houvesse existido um Edmund Burke, também não existiria conservadorismo. Como dizia Burke:
“Dessa forma, nossa liberdade se torna uma nobre liberdade. Ela tem um aspecto imponente e majestoso. Tem linhagem e antepassados ilustres. Tem suas insígnias heráldicas, sua galeria de retratos, suas inscrições monumentais, seus registros, provas e títulos. Nós reverenciamos nossas instituições civis com base no mesmo princípio com que a natureza nos ensina a reverenciar os indivíduos: pela sua idade e por seus ascendentes.”[1]
Aproximando nosso microscópio do objeto em análise, começamos a enxergar as causas que levaram Burke a atacar as ideias da Revolução Francesa. A primeira preocupação do filósofo inglês foi, segundo suas próprias palavras, a paz em seu próprio país. Foi justamente por essa justificativa que Burke acabou por ser criticado por Thomas Paine. Este dizia que Burke apresentava temor por uma revolução que acontecia além das fronteiras de seu país, um acontecimento estrangeiro e que, por isso, não lhe dizia respeito.
A resposta de Burke ao crítico Thomas Paine foi ressaltar que o que causava preocupação eram as consequências que a Revolução Francesa poderia trazer ao solo britânico. Burke se esforçava para que compatriotas não fossem contaminados com o vírus que convulsionava a França, lutando também para que a sede de sangue e o asco ao conservadorismo não cruzassem o estreito Canal da Mancha e viessem a ameaçar tudo o que a história britânica havia, a duras penas, conquistado até ali, tornando inútil e vã a Revolução Gloriosa britânica. O filósofo inglês busca com sua obra que critica a Revolução Francesa defender a Constituição Inglesa daqueles que com o pensamento de estarem criando o novo homem e o mundo ideal atacavam tudo que era clássico, histórico e tradicional. Burke objetiva defender suas fronteiras daqueles que estavam criando verdadeiros loucos, loucos esses que espumavam pelos cantos da boca e de cujas mãos escorria e pingava sangue.
O pai dos conservadores destaca que a Constituição Inglesa é resultado de um caminhar histórico, algo que foi alcançado depois de muitas tentativas, de acertos e de erros, de um mudar e preservar contínuo e concomitante. O que o traz estranheza nos acontecimentos da França é o completo repúdio a toda história anterior e o total desprezo às tradições, uma vez que a sabedoria acumulada pela humanidade é imprescindível para o correto discernimento entre aquilo que precisa ser mudado e aquilo que precisa ser conservado.
“[...] um bom patriota e um verdadeiro político considera sempre como extrair o melhor dos materiais existentes em seu país. A disposição para preservar e a capacidade para melhorar reunidas configuram o meu ideal de estadista. Todo o resto é vulgar na concepção, e perigoso na execução.”[2]
A estupidez dos franceses residia na arrogante petulância de pressupor que poderiam, a partir de pensamentos de um mundo ideal, construir uma nação do zero, arrasar todo o passado, ignorar todas as conquistas adquiridas até então e, fantasiosamente, começar um mundo novo sem que haja nada em que se espelhar, sem nenhum exemplo a ser seguido, sem nenhum alicerce anterior, sem que nenhuma palavra já dantes dita tivesse o mínimo valor. A Revolução Francesa era, portanto, uma tragédia anunciada que condenaria a França a sucessivos fracassos pelos séculos subsequentes, tendo que patinar em ciclos cansativos e moribundos de reformas atrás de reformas até experimentar o punho de ferro de uma ditadura, além de derrotas humilhantes em guerras, sendo a mais acachapante delas a derrota para os alemães na Guerra Franco-Germânica no final do século XIX. Se bem que a invasão sofrida na Segunda Guerra Mundial não foi menos humilhante, nesse episódio a França foi invadida pelo exército alemão como se fosse uma terra de ninguém, vindo a se render logo em seguida.
O conceito de revolução para Burke era diferente da acepção que os franceses tinham. De fato, a primeira vez que a palavra apareceu no contexto político foi no século XVII, momento em que acontecia a independência das colônias inglesas no atual Estados Unidos - apoiada e defendida por Burke -, e foi adensada na Revolução Gloriosa que aconteceu na Inglaterra. O que se buscava nessas revoluções era a liberdade e não o esmagamento completo de todas as legislações vigentes e a promoção de uma terra arrasada que trazia amarrada ao seu calcanhar a bola de ferro de um recomeçar do zero. A diferença apontada por Burke entre a revolução americana e a francesa reside no fato de que a americana lutava por liberdade respeitando e preservando suas instituições enquanto que a francesa oprimia a liberdade dos dissidentes, esmagava os opositores e rangia os dentes com gana para destruir tudo que representava o estado em vigência.
Burke, em sua atuação como parlamentar, além de expor a ameaça que era a loucura francesa, defendia que a Inglaterra parasse de ser opressora e tratasse com dignidade suas colônias, defendendo assim não só os americanos, mas também os indianos, a ponto de apoiar o impeachment do Governador-Geral lá instituído pelas autoridades britânicas. Não que Burke fosse um antipatriota ou lutasse contra seu país, não, definitivamente não. O que ele amava era a liberdade e com um amor tão grande que queria ver seu país tratando com respeito as tradições, os costumes, a história e a identidade dos povos residentes nas colônias britânicas. O filósofo contrailuminista era um homem do seu tempo, enfrentando problemas do mundo real, vivendo sua época com toda a intensidade, se opondo aos movimentos tanto revolucionários quanto iluministas. Enquanto filósofos franceses promoviam o movimento iluminista edificando oportunamente seu alicerce sobre as revoluções, Burke os combatia com ferrenha determinação, obstinado em manter o Iluminismo e principalmente os iluministas do outro lado do oceano.
Todavia, Burke não era avesso ao Iluminismo, o que acontece é que ele era adepto do Iluminismo Britânico, o qual se pautava pelos preceitos morais, pela benevolência e pela bondade, ao contrário do iluminismo francês, o qual se agarrava à razão para odiar os particulares com atos e amar a humanidade com palavras, em uma sangrenta e mortal hipocrisia. Dessa forma, Burke ataca a razão nos moldes francesa a partir do próprio Iluminismo, criticando o apego demasiado à razão pura e o asco ao sentimentalismo. O que aconteceu na Europa foi a erupção de vários “Iluminismos”, todos eles átomos de um movimento maior que mudaria para sempre os rumos da história.
A filosofia de Burke garantiu seu lugar de honra e prestígio na história. Não que Burke fosse um reacionário resistindo a tudo que fosse novo em nome de um classicismo escravagista, antes, soube dosar com maestria aquilo que merecia ser venerado como clássico e que carregava a essência do “bom” e aquilo que merecia um reexame mais detalhado com intento de produzir mudanças que trouxessem benefícios ao povo. O passado, portanto, não tem que ser apagado e esquecido, mas tratado como um tutor que ensina lições preciosas para o futuro. Assim pensava Burke, um amante das tradições e dono de uma visão única da história.
Em um século marcado por revoluções, tanto a eclosão de uma revolta socialista na França quanto a força da política progressista tornavam necessária a crítica ao “pai dos conservadores”, Edmund Burke. De fato, criticá-lo em um contexto revolucionário era quase que um lugar-comum, ele era um alvo a ser abatido, um argumento a ser refutado, uma pedra no caminho, uma voz que precisava ser sufocada.
As elucubrações de Burke não se restringiam à Revolução Francesa, mas abrangiam também o pensamento iluminista, não só o francês, mas principalmente algumas vertentes do iluminismo inglês, saindo sempre em defesa das instituições que acreditava serem vitais à manutenção da Inglaterra e que eram atacadas pelos pensamentos reformistas dos revolucionários. A grandeza da obra de Burke transcende a sua filosofia, pois carrega junto de si muito da historiografia da época, da sociologia, e principalmente da história do pensamento político. Sua força, coragem e determinação foram tantas que se não houvesse existido um Edmund Burke, também não existiria conservadorismo. Como dizia Burke:
“Dessa forma, nossa liberdade se torna uma nobre liberdade. Ela tem um aspecto imponente e majestoso. Tem linhagem e antepassados ilustres. Tem suas insígnias heráldicas, sua galeria de retratos, suas inscrições monumentais, seus registros, provas e títulos. Nós reverenciamos nossas instituições civis com base no mesmo princípio com que a natureza nos ensina a reverenciar os indivíduos: pela sua idade e por seus ascendentes.”[1]
Aproximando nosso microscópio do objeto em análise, começamos a enxergar as causas que levaram Burke a atacar as ideias da Revolução Francesa. A primeira preocupação do filósofo inglês foi, segundo suas próprias palavras, a paz em seu próprio país. Foi justamente por essa justificativa que Burke acabou por ser criticado por Thomas Paine. Este dizia que Burke apresentava temor por uma revolução que acontecia além das fronteiras de seu país, um acontecimento estrangeiro e que, por isso, não lhe dizia respeito.
A resposta de Burke ao crítico Thomas Paine foi ressaltar que o que causava preocupação eram as consequências que a Revolução Francesa poderia trazer ao solo britânico. Burke se esforçava para que compatriotas não fossem contaminados com o vírus que convulsionava a França, lutando também para que a sede de sangue e o asco ao conservadorismo não cruzassem o estreito Canal da Mancha e viessem a ameaçar tudo o que a história britânica havia, a duras penas, conquistado até ali, tornando inútil e vã a Revolução Gloriosa britânica. O filósofo inglês busca com sua obra que critica a Revolução Francesa defender a Constituição Inglesa daqueles que com o pensamento de estarem criando o novo homem e o mundo ideal atacavam tudo que era clássico, histórico e tradicional. Burke objetiva defender suas fronteiras daqueles que estavam criando verdadeiros loucos, loucos esses que espumavam pelos cantos da boca e de cujas mãos escorria e pingava sangue.
O pai dos conservadores destaca que a Constituição Inglesa é resultado de um caminhar histórico, algo que foi alcançado depois de muitas tentativas, de acertos e de erros, de um mudar e preservar contínuo e concomitante. O que o traz estranheza nos acontecimentos da França é o completo repúdio a toda história anterior e o total desprezo às tradições, uma vez que a sabedoria acumulada pela humanidade é imprescindível para o correto discernimento entre aquilo que precisa ser mudado e aquilo que precisa ser conservado.
“[...] um bom patriota e um verdadeiro político considera sempre como extrair o melhor dos materiais existentes em seu país. A disposição para preservar e a capacidade para melhorar reunidas configuram o meu ideal de estadista. Todo o resto é vulgar na concepção, e perigoso na execução.”[2]
A estupidez dos franceses residia na arrogante petulância de pressupor que poderiam, a partir de pensamentos de um mundo ideal, construir uma nação do zero, arrasar todo o passado, ignorar todas as conquistas adquiridas até então e, fantasiosamente, começar um mundo novo sem que haja nada em que se espelhar, sem nenhum exemplo a ser seguido, sem nenhum alicerce anterior, sem que nenhuma palavra já dantes dita tivesse o mínimo valor. A Revolução Francesa era, portanto, uma tragédia anunciada que condenaria a França a sucessivos fracassos pelos séculos subsequentes, tendo que patinar em ciclos cansativos e moribundos de reformas atrás de reformas até experimentar o punho de ferro de uma ditadura, além de derrotas humilhantes em guerras, sendo a mais acachapante delas a derrota para os alemães na Guerra Franco-Germânica no final do século XIX. Se bem que a invasão sofrida na Segunda Guerra Mundial não foi menos humilhante, nesse episódio a França foi invadida pelo exército alemão como se fosse uma terra de ninguém, vindo a se render logo em seguida.
O conceito de revolução para Burke era diferente da acepção que os franceses tinham. De fato, a primeira vez que a palavra apareceu no contexto político foi no século XVII, momento em que acontecia a independência das colônias inglesas no atual Estados Unidos - apoiada e defendida por Burke -, e foi adensada na Revolução Gloriosa que aconteceu na Inglaterra. O que se buscava nessas revoluções era a liberdade e não o esmagamento completo de todas as legislações vigentes e a promoção de uma terra arrasada que trazia amarrada ao seu calcanhar a bola de ferro de um recomeçar do zero. A diferença apontada por Burke entre a revolução americana e a francesa reside no fato de que a americana lutava por liberdade respeitando e preservando suas instituições enquanto que a francesa oprimia a liberdade dos dissidentes, esmagava os opositores e rangia os dentes com gana para destruir tudo que representava o estado em vigência.
Burke, em sua atuação como parlamentar, além de expor a ameaça que era a loucura francesa, defendia que a Inglaterra parasse de ser opressora e tratasse com dignidade suas colônias, defendendo assim não só os americanos, mas também os indianos, a ponto de apoiar o impeachment do Governador-Geral lá instituído pelas autoridades britânicas. Não que Burke fosse um antipatriota ou lutasse contra seu país, não, definitivamente não. O que ele amava era a liberdade e com um amor tão grande que queria ver seu país tratando com respeito as tradições, os costumes, a história e a identidade dos povos residentes nas colônias britânicas. O filósofo contrailuminista era um homem do seu tempo, enfrentando problemas do mundo real, vivendo sua época com toda a intensidade, se opondo aos movimentos tanto revolucionários quanto iluministas. Enquanto filósofos franceses promoviam o movimento iluminista edificando oportunamente seu alicerce sobre as revoluções, Burke os combatia com ferrenha determinação, obstinado em manter o Iluminismo e principalmente os iluministas do outro lado do oceano.
Todavia, Burke não era avesso ao Iluminismo, o que acontece é que ele era adepto do Iluminismo Britânico, o qual se pautava pelos preceitos morais, pela benevolência e pela bondade, ao contrário do iluminismo francês, o qual se agarrava à razão para odiar os particulares com atos e amar a humanidade com palavras, em uma sangrenta e mortal hipocrisia. Dessa forma, Burke ataca a razão nos moldes francesa a partir do próprio Iluminismo, criticando o apego demasiado à razão pura e o asco ao sentimentalismo. O que aconteceu na Europa foi a erupção de vários “Iluminismos”, todos eles átomos de um movimento maior que mudaria para sempre os rumos da história.
A filosofia de Burke garantiu seu lugar de honra e prestígio na história. Não que Burke fosse um reacionário resistindo a tudo que fosse novo em nome de um classicismo escravagista, antes, soube dosar com maestria aquilo que merecia ser venerado como clássico e que carregava a essência do “bom” e aquilo que merecia um reexame mais detalhado com intento de produzir mudanças que trouxessem benefícios ao povo. O passado, portanto, não tem que ser apagado e esquecido, mas tratado como um tutor que ensina lições preciosas para o futuro. Assim pensava Burke, um amante das tradições e dono de uma visão única da história.