As Proibições e os Desejos

As proibições e os desejos

Freud já escreveu, - se há proibição é porque há desejos. O que justifica essa forte tendência humana de tentar o proibido. Se não houvesse proibição, não haveria preocupação com “limite”, nem com os desejos.

Desde bebê a criança começa o seu embate com o mundo. As próprias experiências sensório-motoras lhe ensina o que consegue e o que não consegue fazer. Os limites físicos são notórios, - o que causa dor ou não, o que é perigoso. Quando leva a mão à boca e morde, dói, logo, ele não repetirá a experiência. Mais tarde, vem o não pode da família, da escola. Mas, ele sempre será tentado a desconsiderar os limites que restringem a sua liberdade.

Chega um tempo em que as crianças entram nesse universo de normas e entram em atritos com elas, pois, percebem que há um espaço bem maior a percorrer, há coisas a atingir e, têm pressa por desbravá-lo. Na fase em que a criança ainda não sabe distinguir um “limite físico” (perigoso), do restritivo (proibido), ela vai aprendendo na repetição da experiência.

Há os “limites físicos” que a coloca na dimensão do impossível e os “limites restritivos” ou normativos que a coloca na dimensão do proibido. O estabelecimento dos limites restritivos deve-se iniciar na fase das grandes descobertas. A família deve apresentar as regras à criança para ela entender que nem tudo é possível e, que certos comportamentos não são permitidos.

É o momento da “castração” (repressão dos instintos antissociais), termo que a psicanálise usa para dar a dimensão do proibido.

A própria evolução humana mostra-nos que, nenhuma civilização ocorreu sem repressão dos instintos antissociais básicos. Na verdade é essa inquietude humana contra determinadas leis,- as lutas sociais, as repressões e vários movimentos revolucionários de libertação que gera a queda dos valores éticos, dando espaço a uma crise moral na sociedade. Deve haver a sujeição dessa liberdade se não, ocorre à barbárie.

Na escola de hoje o aluno foi libertado de certos paradigmas da educação tradicional, porém, a luta é transformar esse sujeito social, consciente dos limites restritivos a favor da ordem e respeito ao espaço-escola.

A escola evoluiu quando tomou consciência de que o aluno é um ser pensante, com direito a expressão; que o professor deve propor diálogos, criar um conteúdo programático próprio, levando-o a problematização e reflexão e, ao desenvolvimento da consciência crítica. As contradições surgem quando dão à escola um caráter amplo de responsabilidade pela formação integral do cidadão. É certo de que a educação liberta o sujeito da ignorância; torna-o consciente dos seus direitos e deveres. Mas, parece que a família se ausentou e, gastou seus esforços apenas em cuidar das crianças para que nada lhes faltassem. A família esqueceu também de estabelecer os limites restritivos, as primeiras regras e, essa criança é encaminhada para a escola sem disciplina interna.

O estabelecimento de limites deve-se iniciar na fase das grandes descobertas, dos “por quês?”. A família deve ir apresentando as regras à criança para ela entender que nem tudo é permitido. É o momento da “castração” (repressão dos instintos antissociais), termo que a psicanálise usa para dar a dimensão do proibido.

Parece que o excesso de liberdade na família legitimou alguns privilégios às crianças, e, os comportamentos ficaram muito parecidos. O individualismo prevaleceu, entre outras coisas.

Na escola tradicional, selecionavam-se os alunos, e, aqueles que não se ajustavam ao comportamento desejado, ficavam de fora da escola, eram expulsos. A disciplina era um pré-requisito para permanecer na escola.

Na Escola Renovada, todas as crianças têm direito a estudar e permanecer na escola. Logo, a escola, além de transmitir os conhecimentos, precisa trabalhar com as crianças a própria construção das regras ou limites restritivos com rigor, mas sem austeridade.

É preciso entender também, que rigidez é uma coisa e rigor é outra. Rigidez exige austeridade e severidade e, rigor, exatidão, precisão e pontualidade. A imposição nunca é bem vinda, ao invés de aproximar a criança, afasta-a e, tudo que precisamos é que fiquem do nosso lado.

Os argumentos das crianças são importantes e, devem nos interessar muito. As decisões e escolhas também nos interessam, pois é decidindo que a criança aprende a decidir. Isso é diferente de deixá-la fazer o que quer.

A criança pode ter o poder de decisão, e, ter a chance de expor o que pensa. O que não pode é achar que tudo o que ela fala é bobeira. Esse é um dos maiores enganos que o adulto pode cometer. O que a criança fala é coisa séria. Não dar-lhe a chance de se explicar, de falar o que ela pensa é torná-la indecisa, fraca e alienada. É decidindo que ela aprende que, às vezes, erramos. É certo que o adulto está lá para intervir quando perceber que a decisão não é a mais acertada. Mas, é a criança que tem de perceber que quando os pais, os professores intervém é porque se importam com ela. É somente dessa forma que a criança vai construindo a sua autonomia, autoestima, clareza de objetivos, e, independência.

A questão que me inquieta e, que retomo aqui, é como alguns adultos (pais, avós, tios) estão tratando a questão do valor material com as crianças. Dar dinheiro as crianças cada vez que eles pedem; comprar afeto com dinheiro, ou, comprar-lhes tudo que pedem, pode representar ausência de limites e, torná-lo um consumista excessivo, ou alguém que viverá sempre fora de sua realidade, gastando sempre a mais do que tem. É praticar a política de vida fácil; educar sem conceito da realidade; sem valores éticos. A mesada em certa idade é uma boa opção. Ela dá ao adolescente em formação, a liberdade de gastar dentro de determinados limites e, pode-se exigir dele a responsabilidade de administrar seus desejos e recursos e, saber como é a relação com o dinheiro.

A criança que é criada sem valores éticos, já cresce obcecada pelo "o melhor". Infelizmente, o primeiro valor que a maioria das crianças conhecem é o do “dinheiro”, o, quanto custa. Não sei quando foi que começou essa mania, mas hoje só querem “o melhor celular, o melhor tênis, o melhor isso, o melhor aquilo”. É porque de fato necessitam ou por que querem mostrar que têm o melhor?

Sabe o que acontece quando só queremos o melhor? Passamos a viver inquietos, numa espécie de insatisfação permanente, num eterno desassossego e, muitas vezes, o sujeito nem desfruta do que conquistou. Torna-se um consumista obsessivo. E, a cada propaganda nova na TV, ele é convencido de que o que tem está ultrapassado e que merece ter o melhor.

Há pais que se dizem incomodados com esse processo de independência dos filhos; com o desejo dos filhos de serem livres para decidir suas vidas; outros relatam que não gostam do preceito que diz que devemos criar nossos filhos para o mundo. Sei o quanto é doloroso para os pais o treinamento do desapego aos filhos, mas isso é essencial para prepará-los para a vida. A prática do desapego deve ser também na base do diálogo e, confiança. Deve haver flexibilidade na relação pais e filhos. Ser flexível é mostrar-se interessado em conhecer o que ele pensa; o que sente; saber de seus sonhos e, de seus amigos, pois só assim, os pais vão se sentir seguro para lidar com o processo de desapego e, podem contribuir com essa importante fase da vida dos filhos.

Outro dilema que os pais de crianças pequenas enfrentam é, - Como dosar a liberdade aos filhos sendo ausente a maior parte do tempo? Como poupá-los de incessantes limitações? Como estabelecer esses limites à distância?

Já tratamos da questão dos limites restritivos; faz parte da boa formação moral dos pequenos. Cabe aos pais, ajudá-los a construir e valorizar certos limites durante o tempo que estiverem com eles. É quero tranquiliza-los do seguinte: pai de mais e mãe demais estragam mais do que ajudam. É a qualidade do tempo que é importante. No caso dos pais que trabalham as regras combinadas devem ser acompanhadas. Os pais devem orientá-los para a responsabilidade dessa independência precoce, afinal, esses têm muito mais liberdade já que os pais não podem acompanhar tudo de perto.

Há necessidade de mostrar-lhes desde cedo que toda atitude traz consequências que precisam ser assumidas. Os filhos devem sempre ser estimulados não só no que se refere à liberdade de ação, mas, à liberdade material, e, sobretudo à independência emocional dos pais.

É claro que todo pai e mãe querem proteger os filhos, mas o equilíbrio entre deixar decidir e orientar é sumamente importante. As crianças crescem, se desenvolvem, e, é normal que algumas vezes pensem diferente dos pais e, tomem decisões diferentes. Entretanto, estabelecer limites é sempre mais coerente do que conceder uma liberdade carregada de consequências. Mas, os filhos sempre precisam ter um bom referencial para pautar suas ideias, suas decisões.

Já na condição de adolescente, há decisões importantes na vida do jovem que só depende dele, como por exemplo, a escolha por uma determinada universidade; tentar aprender determinado tipo de instrumento, determinado esporte etc. Porém, não podemos nesses casos, colocar todo o peso da responsabilidade de escolha sobre a criança ou adolescente. Respeite e apoie sua decisão. Seja generoso (a) e dê-lhe oportunidade e tempo para realmente assumir as responsabilidades decorrentes de sua liberdade de escolha. E, devem saber que há um vínculo necessário entre liberdade e responsabilidade.

Maria Teixeira

Do livro da autora: https://clubedeautores.com.br/livro/limites-2