BIBLIOTECAS E SALAS DE LEITURA NAS ESCOLAS: UM ESTUDO DESAFIADOR SOBRE O SEU PAPEL E ATUAÇÃO NA FORMAÇÃO DE LEITORES

BIBLIOTECAS E SALAS DE LEITURA NAS ESCOLAS: UM ESTUDO DESAFIADOR SOBRE O SEU PAPEL E ATUAÇÃO NA FORMAÇÃO DE LEITORES

Antonio Aldair Neto¹

Resumo

Neste artigo será apresentado o resultado de estudos e pesquisa realizados durante a primeira fase do Mestrado Acadêmico em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN, mais precisamente dentro da Disciplina: Tópicos em Estudo do Texto e do Discurso IX: Literatura e Ensino. Sendo assim essa pesquisa, numa abordagem qualitativa, caracteriza-se como uma pesquisa de campo e consolida-se a partir de visitas a duas escolas públicas do município de São Francisco do Oeste/RN, ligadas à rede estadual e municipal de ensino, cuja proposta de trabalho tem como foco a verificação do papel e atuação das bibliotecas e salas de leitura localizadas no próprio ambiente escolar – enquanto coadjuvantes no processo de formação de leitores. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida através da verificação de documentos inerentes à instituição escolar(como o Projeto Político Pedagógico e Projeto de Formação Leitora) assim como a observação dos espaços de leitura - salas específicas e/ou bibliotecas, além de entrevistas com o pessoal responsável por estes espaços(auxiliares de bibliotecas). Nesse sentido, ressalta-se a contribuição desta pesquisa como constituição de um espaço de discussão e reflexão sobre questões pertinentes quando o assunto em pauta é a formação de leitores e, principalmente o planejamento e atuação dos responsáveis pelos ambientes disponíveis para esse fim intensificando o trabalho do professor dentro desse aspecto que tem caráter essencial. Tomou-se como base e fundamentação teórica autores como: Azevedo (2006), Shavit (2003), Pontes (2012), Colomer (2006), entre outros que discutem, analisam e sugerem espaços de formação leitora no ambiente escolar desde os anos iniciais.

Palavras-chave: Bibliotecas; Sala de leitura; Projeto; Atuação; Formação de leitores.

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¹ Professor de Redação do Colégio e Curso Evolução. Mestrando Acadêmico em Letras-UERN

Introdução

O trabalho com a formação do hábito de ler em escolas públicas, espalhadas por todo o Brasil, sempre foi alvo de discussões em todos os níveis quando da competência das escolas para com esta formação – geralmente partindo de atribuições voltadas com exclusividade ao professor – que durante muito tempo esteve à frente desta questão, mesmo sendo conhecedor de que “sozinho” seria impossível dar conta de todo o trabalho ligado à formação leitora.

Com o passar dos tempos, novos artifícios e/ou planos ligados à leitura foram ganhando forma e se tornaram reais nas escolas públicas no tocante à expansão dos métodos de trabalho e das possibilidades para realização destes. Referimo-nos, aqui, a instalação de espaços reservados à formação do hábito de ler (salas de leitura e bibliotecas) incentivados e mantidos pelo Governo Federal através do Ministério da Educação. Com isso promovia-se a prática de leitura advinda da pedagogia do séc. XVIII que segundo Zilberman(1988) valorizava o saber e o raciocínio como modos de conhecer a realidade e atuar sobre ela.

Com a difusão do livro didático, as escolas, por sua vez, passaram mais tarde a receber também material literário para fomentar o gosto de ler entre os discentes num trabalho que se integraria ao ensino da Língua Portuguesa e outras ciências necessárias e contempladas no currículo dos estudantes.

Infelizmente, estudos realizados ao longo destas últimas décadas têm mostrado que a presença dos espaços destinados à leitura no interior das escolas, não funcionaram, ou não funcionam como realmente deveriam. No dizer de Pontes(2013) o que acontece na verdade, é que sendo a instituição responsável por ensinar a ler, a escola tem interpretado essa incumbência de maneira mecânica e estática, sem conferir sentido ao ler. Isto se concretiza quando temos em mãos os dados estatísticos sobre leitura no mundo onde o nosso país aparece num plano desfavorável nos mostrando, claramente, que uma nova concepção do fazer didático-pedagógico despertando o hábito de ler constitui um dos maiores desafios para os educadores e estudante de hoje.

Observando os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (Brasil, 1997, p.53) é possível encontrarmos uma definição para a leitura como (...) processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto... Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão (...). Atentar para essas questões muito contribuiria para o desenvolvimento de um leitor competente e possivelmente comprometido com a busca constante de conhecimentos através dos livros, porém sem que as bibliotecas e salas de leitura na escola tenham essa plena convicção e levem como norte tais instrumentos delimitadores do processo de formação leitora tornar-se-á cada vez mais impossível um trabalho com qualidade e, consequentemente, com bons resultados. E assim, um dos maiores objetivos da escola como um todo, que diz respeito à formação de cidadãos, de agentes ativos na transformação da sociedade/mundo que os rodeia – cairia por terra. Contribui com esse nosso dizer (...) o dominado não se liberta se não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Saviani(1983).

Todos os envolvidos com o processo de educação bem sabem que a iniciação do trabalho de formação leitora nas séries iniciais é essencial enquanto “disparador” de um gosto literário que provavelmente acompanhará o indivíduo por todo o seu percurso estudantil quiçá por toda a sua vida.

Compartilha essa idéia Eco(2003, p.09); quando aborda as funções da literatura:

(...) complexo de textos que a humanidade produziu e produz não para fins práticos(...), mas antes gratia sui, por amor de si mesma – e que se lêem por deleite, elevação espiritual, ampliação dos próprios conhecimentos, talvez por puro passatempo, sem que ninguém nos obrigue a fazê-lo(com exceção das obrigações escolares).

Com esse pensamento é que os tantos espaços de leitura, hoje disponíveis nas escolas públicas, deveriam ter mais utilidade, bem como pessoas capacitadas para o desenvolvimento de atividades que pudessem, de fato, ao lado do trabalho do professor, conduzir os nossos estudantes ao universo maravilho da leitura. Para tanto impossível se faz não tocarmos na questão do planejamento, no desenvolvimento de projetos específicos para esse fim – seja da escola como um todo, do professor em suas disciplinas específicas, mas de caráter indispensável à biblioteca escolar e/ou sala de leitura.

O foco de nossa pesquisa está direcionado, portanto, à verificação do papel e atuação das bibliotecas e salas de leitura no que diz respeito à formação de leitores – deter-nos-emos nos dados colhidos em campo(a partir da observação de documentos inerentes à instituição escolar e visitas aos espaços destinados à leitura – onde se tornará possível colher relatos informais do pessoal responsável por estes ambientes, bem como dos diretores das instituições selecionadas).

Foram visitadas duas instituições escolares no município de São Francisco do Oeste e a hipótese com que se trabalha é a de que os espaços, destinados à formação leitora no interior destas escolas, não vem desenvolvendo verdadeiramente o seu papel no cenário de compromissos para com a difusão da literatura e consequente incentivo ao hábito de ler a partir de projetos específicos e, oriundos do próprio setor com essa finalidade ou ainda, em outras instâncias, participação ativa no desenrolar de projetos de leitura ditos por profissionais de educação, tão amplamente realizados nas escolas com um todo.

Assim, analisaremos, neste artigo, os dados colhidos nas escolas referidas de modo a comprovarmos ou não a nossa hipótese, além de reabrir uma discussão, que é intrínseca ao universo da educação, dando contribuições que possam nortear rumos favoráveis ao desenvolvimento de um trabalho com mais compromisso quando a questão é a atuação dos espaços destinados à leitura na escola.

Desvelando o universo da pesquisa

De porte de um roteiro de observação da pesquisa – previamente organizado – fomos recebidos nas escolas “Estadual Prof. Manoel Herculano” e Escola Municipal “7 de Setembro” – ambas pelos responsáveis pelos espaços destinados à leitura e pelos seus respectivos diretores.

A primeira escola situa-se bem no centro da cidade e é a única onde funciona das séries iniciais ao Ensino Médio, embora o número de alunos da Educação Básica seja relativamente inferior às demais instituições do município. Essa escola passou recentemente por reformas e tem, hoje, uma nova estrutura com 08 salas de aula; secretaria, sala de informática, sala dos professores, laboratório de ciências, pátio, cozinha, 03 banheiros, sala para especialistas, auditório, brinquedoteca, almoxarifado, dispensa, arquivo, telessala e uma biblioteca comunitária.

Sondados sobre o Projeto Pedagógico da Escola – diretor e pedagogo responderam que este está em fase de reestruturação e fomos, dessa forma, impossibilitados de fazer uma leitura do material já que se trata na verdade de um rascunho sobre um projeto antigo (segundo informações, “feito às pressas” para atender pedidos específicos há alguns anos). Outros registros deram conta de que a escola tem atualmente 345 alunos e 18 professores.

Não existe, nos dias atuais, pessoal alocado na biblioteca. Por questões de designação de pessoal pela Secretaria de Educação do Estado – não houve a liberação de nenhum dos profissionais da escola para a biblioteca e, assim como anos anteriores, a diretoria da escola apontou um servidor efetivo para esta finalidade. Hoje, a “responsável” por abrir a biblioteca é uma pedagoga assim como as que trabalharam no setor nos anos anteriores. Esta faz parte do quadro efetivo e está na função desde o início deste ano. É única na função e atua no turno matutino.

A referida biblioteca existe desde o ano de 2005, tem um projeto de atuação que contempla multimeios em um único texto e foi elaborado por três professoras regentes da biblioteca no ano de 2007. Esse mesmo documento – segundo informações – fora apresentando parcialmente aos docentes no ano de sua formulação e desde então cumpre sua missão adormecido na gaveta de um birô qualquer, não tendo havido sua colocação prática em nenhum momento. O texto contempla objetivos que primam pelo incentivo à leitura, pelo estímulo aos alunos, professores e comunidade, além de tentar tornar a leitura presente no cotidiano destes. Em suas metas cita: oferecer suporte aos professores, atender necessidades de alunos e professores, proporcionar cultura e lazer.

Estrategicamente o material refere-se a organizar eventos, possibilitar a hora da leitura e fazer divulgação do acervo e dos serviços/regulamentos da própria biblioteca propondo ainda, uma avaliação indo de encontro com o término do ano letivo.

A biblioteca funciona normalmente das 7:00 às 11:30h e abre, apenas por solicitação, durante os turnos vespertino e noturno. É verdadeiramente um bom espaço apresenta medidas de 6,40x5,35m, tem 24 cadeiras e 04 mesas redondas, estante fechada, 07 estantes abertas, computador. É climatizada (tem ar-condicionado e ventiladores), boa iluminação – um acervo com cerca de 1.300 títulos e aproximadamente 3000 exemplares ao todo. Dispõe de quase todo o acervo da literatura brasileira, títulos traduzidos, livros impressos em material de boa qualidade. Revistas, enciclopédias além de livros que atendem a literatura em todas as suas fases(infantil, infanto-juvenil e geral). Os livros didáticos não ficam dispostos na biblioteca eles têm local próprio o Arquivo e não são considerados parte do acervo.

São, no fichário de controle de empréstimos dos livros, 171 fichas no geral – incluindo também cadastro de docentes. Os registros são feitos manualmente – cada aluno pode pegar até três livros por vez e tem até 08 dias para devolvê-los, quando isso não ocorre o pessoal faz busca localizando o aluno em sala de aula. Quanto à freqüência dos alunos no ambiente de leitura, essa se dá de modo mais significativo no turno da manhã, acompanhados pelos professores – geralmente para um momento de leitura. Nos demais turnos a biblioteca é aberta para a realização de trabalhos em grupo de disciplinas específicas e/ou atividades diversas que não implicam, necessariamente, no ato de ler.

Os professores muito dificilmente vão à biblioteca, menos da metade deles tem fichas para empréstimos e quando por lá estão, geralmente, aguardam por seus alunos na realização das tarefas acima descritas. Em casos raros atendem a um projeto de leitura da escola – que em seus objetivos visa um dia e minutos específicos para a leitura de um texto. Não tivemos acesso a esse projeto e, segundo o pessoal ele está parado há dois anos no Ensino fundamental II e Médio por falta de articulação e envolvimento dos professores.

Não diferentemente da realidade da Escola Estadual(acima), a Escola Municipal “7 de Setembro” é também localizada no centro da cidade e tem uma boa estrutura física composta de 08 salas de aula, secretaria, sala de digitação, sala dos professores, laboratório de informática, quadra, cozinha, pátio, 04 banheiros masculinos - 02 femininos e uma sala de leitura.

A escola dispõe de um Projeto Político Pedagógico¹ tomando por base inicial o disposto na Constituição Federal de 1988 quando se refere ao “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”(art.205), fundamentando-se ainda nos quatro pilares da educação para o século XXI (Aprender a conhecer, aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser) tendo em seu referencial teórico os PCNs(1997); DELORS(1998); LUCK(2000) entre outros.

O PPP faz um Raio X total dos encaminhamentos e responsabilidades de trabalho da escola nos mais variados setores e traz ainda, em suas páginas, um Plano de Ação que levanta problemas, objetivos, metas e ações. Neste a leitura não aparece como uma problemática e ser enfrentada pelos docentes neste século, mas no demonstrativo de implementação de ações é possível verificar toda uma preocupação com a formação de leitores – quando propõe ações como: realização de oficinas de leitura, verificação de dificuldades, planejamento e confecção de material de leitura e o desenvolvimento de projetos específicos. Não há, portanto neste nenhuma menção a espaços para salas de leitura e/ou biblioteca escolar.

Segundo as informações da diretoria o PPP foi elaborado em 2009 e também passa por reajustes. Além disso, poucos professores conhecem de fato o documento – o que significa entre outras coisas que seus planos não são colocados efetivamente em prática constituindo, não diferentemente da outra escola pesquisada, mais um elemento guardado para

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1.Doravante PPP

averiguações quando solicitado por outras instâncias em determinados momentos.

A Escola tem em seu quadro 450 alunos e 20 professores e todo ano destina profissionais de outros setores para a finalidade de auxiliar de biblioteca. Geralmente são formados – as atuais – em pedagogia, são servidores efetivos e uma delas está a 05 anos na função. A sala de leitura existe há 10 anos e nunca teve um projeto específico para este espaço. Ela funciona das 7:00 às 17:30h – compreendendo os dois turnos principais da escola(matutino e vespertino). À noite a sala de leitura fica a disposição dos professores que geralmente a utilizam para outros fins quer não leitura. O que também é possível se verificar no turno vespertino – segundo informações colhidas. A sala tem espaço apropriado de 8x4,60m, uma mesa grande, birô, 07 cadeiras, 03 estantes fechadas, 15 estantes abertas, multi-uso, 02 ventiladores (à tarde é um espaço muito quente), 02 tvs, DVD, 02 aparelhos de som, iluminação razoável, a sala não é forrada e isso dificulta o trabalho de limpeza e conservação do acervo.

São duas auxiliares de biblioteca – uma para cada turno. Estas são formadas em pedagogia e trabalham com um acervo de aproximadamente 4.500 livros – destes 320 são títulos dirigidos diretamente ao professor(teóricos). O acervo contempla muito da literatura brasileira – com autores conhecidos da literatura infantil, infanto-juvenil e geral. São livros de bom material com ilustrações que atendem bem a necessidade do maior público desta escola composto por crianças e adolescentes – já que oferta apenas o ensino fundamental I e II.

Existe um quantitativo de revista, enciclopédias, romances, contos entre outros, porém os livros didáticos, mesmo não integrando o acervo, disputam o mesmo ambiente com os demais livros. A freqüência de alunos no espaço ocorre com maior intensidade no turno matutino e há um controle no empréstimo dos livros de modo manuscrito. Pelo regulamento o aluno pode pegar até dois livros e devolvê-los em até 04 dias. No geral existem 185 fichas de cadastro de usuários da sala de leitura, menos da metade dos professores tem fichas no setor e dificilmente vão à sala com a finalidade de ler. Geralmente levam a turma para finalidades diversas e ficam no “controle” destes.

Por ter um Projeto de leitura na escola, os professores mais envolvidos – já que segundo informações nem todos aderem ao projeto – fazem planos de aulas que acabam os levando à sala de leitura com um objetivo na visita. O Projeto tem por finalidade dar aos alunos oportunidades e meios de leitura para que compreendam e valorizem a cultura desta. Em seus objetivos o projeto faz referências ao desenvolvimento de estratégias de leitura, de estímulo, mas na prática assim como em outras escolas do município, o projeto não se faz por completo e acaba – segundo a direção – recaindo em mais uma atividade onde a leitura se mostra por obrigação escolar.

Este projeto de leitura acima descrito não fora apresentado como devido aos alunos e a todos os envolvidos diretamente. Foi elaborado em outro momento e vem sendo utilizado anos após anos sem uma avaliação rigorosa para possíveis adequações levando-se em consideração o querer e o dizer dos maiores atores desse processo – os alunos.

A sala de leitura não tem, portanto, plano próprio de formação leitora e é, na grande maioria das vezes, um espaço para se ver seções de cinema – em função das TVs lá localizadas – para que os alunos respondam tarefas escolares e, por incrível que pareça, para que os professores elaborem planos de aula em horários contrários.

Uma análise possível e imediata

Uma vez realizado o trabalho de campo e feito o levantamento de dados importantes para nossa pesquisa, analisá-los com certo rigor se faz mister no andamento de nossas intenções acima externadas.

Comecemos, pois, observando que as escolas visitadas têm boa estrutura nos espaços reservados à leitura. Fazendo nos reportar ao que diz Azevedo(2002, p. 291) sobre a responsabilidade das autoridades, leiamos:

(...) permitir aos alunos um contato com formas mais complexas e mais elaboradas da língua, assegurar-lhes uma capacidade de exercitação dessas formas, numa palavra, dotá-los de um saber–fazer que lhes possibilitem utilizarem proficuamente a língua em quaisquer contextos, desde os mais simples aos mais elaborados.

A Escola Estadual tem um ambiente totalmente propício e instalações mais modernas o que falta à Escola Municipal(climatização e melhor iluminação). Possuem um acervo significativo que provavelmente atenderia a um plano específico de formação leitora. Segundo informações, recebem novos livros literários a cada ano – o que possibilita renovar o acervo e aumentá-lo com novos títulos.

Infelizmente, o pessoal responsável pelos espaços de leitura em ambas as escolas, não apresentam perfil adequado à função. Foram, em sua maioria, retiradas de secretarias, salas de aula, supervisão, cozinha e daí por diante e, colocadas na sala de leitura/biblioteca. Estas desconhecem o acervo na íntegra, pouco sabem de informática e não foram responsáveis em nenhum momento pela elaboração de Projetos específicos de leitura para aquele ambiente. Não apresentam sequer um plano de ação bimestral ou semestral. Desconhecem até mesmo o regulamento da biblioteca/sala de leitura.

Esse ponto nos chama a atenção por dois aspectos principais: primeiro pela contradição estabelecida pelo próprio governo do Estado do Rio Grande do Norte quando da publicação da Lei 9.169 de 15 de janeiro de 2009. Esta dispõe sobre a criação da Política Estadual de Promoção da leitura Literária nas Escolas Públicas do Estado e dá outras providências. Leiamos:

CAPÍTULO I. Art. 1º , Parágrafo único – (...) conforme diretrizes a serem observadas: (...) V – Garantir a presença de educadores, mediadores de leitura, em todas as bibliotecas e/ou salas de leitura, bem como de bibliotecários e/ou profissionais por estes orientados para realizarem o trabalho de organização, classificação, catalogação, controle e manutenção do acervo.

e segundo pelo desconhecimento e ausência de citação desta legislação nos Projetos Pedagógicos das Escolas e ou nos projetos de leitura dos ambientes destinados a esse fim.

No caso específico da Escola Estadual – a auxiliar de biblioteca não participou da elaboração do Projeto em 2007 e o desconhece totalmente. Já na Escola Municipal a auxiliar não tem conhecimento do PPP – principalmente no tocante as ações que fazem referência à leitura. O trabalho destas auxiliares está voltado à limpeza dos livros e colocação destes nos armários, além de marcar presença na sala para exigir silêncio quando recebem as turmas, na maioria das vezes sem o professor, para fazerem trabalhos diversos em suas dependências.

Outro fato que nos chama a atenção diz respeito ao horário de funcionamento da sala e biblioteca em análise. Elas abrem e são mais utilizadas com um possível objetivo apenas no turno matutino – ficando claro ser esse público infantil o mais “fiel” no comparecimento ao setor e o trabalho do professor indo de encontro com o dizer de Colomer(2003) A forma imprecisa de misturar realidade e fantasia durante os primeiro anos de vida, contribui para que a literatura seja um meio poderoso de ampliar a experiência limitada das crianças.

Na Escola Estadual apenas nesse horário há auxiliar na biblioteca, nos demais turnos é necessário pedir a alguém da secretaria que abra o espaço para a realização de alguma tarefa escolar, ou seja, os alunos dos turnos vespertino e noturno não dispõem de espaço de leitura disponível em seus horários Não obstante estão acostumados a utilizá-lo para outras finalidades quando há quem os acompanhe até lá.

Na escola municipal – mesmo com a presença da auxiliar no turno vespertino, a história se repete, ou seja, o ambiente também é utilizado para outras finalidades e aqui incluímos a parte relativa à exibição de filmes – na grande maioria das vezes sem planejamento, apenas um cumprimento de horário. Isso se repete com ênfase no turno noturno – seguindo a mesma regra da Escola estadual.

Em números, as escolas pesquisadas dão conta de 795 alunos e 38 professores. Na biblioteca e sala de leitura encontramos um total de 357 fichas de cadastros o que representa menos da metade de alunos com cadastros na biblioteca e na sala de leitura – algo em torno de 44%. Desse total retira-se ainda o percentual de professores que é de 16%. Chega-se a um número lamentável de possíveis leitores registrados nos ambientes escolares de leitura visitados cerca de 28%. Outro fato importante é o de que nas fichas encontra-se o mínimo de consultas/empréstimos – algumas delas cerca de 5/6 livros desde o cadastro.

A idéia de levar os alunos à biblioteca ou sala de leitura para assistir filmes e ou realizar outras tarefas escolares – criou entre eles uma outra visão sobre o ambiente. Lá aparentemente tornou-se um local como qualquer um outro da escola quer não a sala de aula, local onde podem ficar mais à vontade, conversar mais, brincar, ver TV(inclusive deitados ao chão); ficam mais próximos ao pátio e tem mais liberdade para saírem da sala já que, na maioria das vezes, apenas a auxiliar fica responsável pela turma. Quando vão com o objetivo de ler – não são dirigidos como devido e passam quase que o horário total mexendo nos livros sem uma indicação de leitura.

Os Projetos de leitura das escolas – não contemplam idas aos espaços próprios a esse fim e os auxiliares não são integrados a este e ficam soltos como se não houvesse possibilidade alguma de interação com o projeto, além de mostrarem mais uma vez que “essa questão de leitura é exclusividade do professor” – ele faz o projeto, ele desenvolva o projeto. Nas duas escolas encontramos aversão ao Projeto de leitura. Alguns professores não o colocam em prática. Logo notamos que falta a articulação grupal e a responsabilidade em assumir um compromisso que é de todos. Vale frisar também que o Projeto de leitura disposto nas escolas foi elaborado pelos supervisores e são aproveitados nos anos seguintes quando alguns professores o solicitam – geralmente os de Língua Portuguesa.

Conclusão

O que realmente se verifica quando observamos a análise dos dados acima é a comprovação de nossa hipótese regente desse trabalho. E mesmo as escolas, que nos deram suporte informativo, mostrando um trabalho que se aproxima lentamente daquele necessário quando falamos em formação leitora dos alunos, tornou-se claro que realmente a biblioteca comunitária e da sala de leitura, não cumprem o seu verdadeiro papel nem tampouco sua função na formação de leitores.

A ausência de um planejamento próprio nesses espaços destinados a promoção, incentivo e acompanhamento dos possíveis leitores, bem como a ausência de profissionais capacitados para desenvolver atividades inerentes aos ambientes voltados para esse fim e, a visão que professores e estudantes têm em relação à biblioteca e a sala de leitura – configuram, completamente, um descaso para com uma ação que formaria indivíduos pensantes, críticos e atuantes. Garcia(2012) cita que os bons leitores são cisnes ainda mais negros e singulares que os bons autores.

Fica, portanto, evidente que um (re)fazer didático-pedagógico partindo exclusivamente de bibliotecas e salas de leitura presentes no interior das escolas, tem urgência em ser realizado. Essa tarefa deve ter maiores dimensões de modo a envolver toda a escola afinal a formação de leitores e a difusão da literatura – como vimos – é algo imprescindível quando queremos andar em consonância esse processo de formação e sem contradições diante dos documentos oficiais que regem a educação pública, mas que para acontecer de verdade exige um certo esforço de seus atores.

Referências

AZEVDO, F.J.F de. Texto literário e ensino da língua: a escrita surrealista de Mário Cesariny. Braga: Universidade de Minho, 2002.

BRASIL, Parâmetros curriculares nacionais: Língua portuguesa. Brasília, 1997.

COLOMER, T. A formação do leitor literário: Narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2003.

ECO, U. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003

GARCIA, P.B. in FERREIRA, L.(orgs) Por que ler? Perspectivas culturais do ensino da leitura. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010.

PONTES, V. M. A. de Trilhas pedagógicas. Curitiba: CRV, 2013

RIO GRANDE DO NORTE, Lei nº 9.169 de 15 de janeiro de 2009. Dispõe sobre a criação da política estadual de promoção da leitura literária nas escolas públicas do estado e dá outras providências. Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, 15 de janeiro de 2009.

SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez: autores Associados, 1983.

ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Eventos, 1988.

Prof Aldair Neto
Enviado por Prof Aldair Neto em 07/08/2019
Código do texto: T6714435
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