Não podemos decidir a vida dos nossos filhos
"Fruto quando amadurece,
cai das árvores no chão,
e filho depois que cresce
não é mais da gente não."
Jacinta Passos
"Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem."
Khalil Gibran
Sim, todos cometem erros, mesmo quando têm as melhores intenções. E os pais, como seres humanos, irão cometer vários. Entre os erros que eles podem cometer, além do da superproteção, está o de tentar decidir a vida dos seus filhos por eles, ditando-lhes seus caminhos. Muitos filhos, devido a isso, em vez de viver suas vidas, acabam vivendo verdadeiras mentiras, pois sentem que fazem apenas o que seus pais mandaram. Com certeza, os pais usarão todo tipo de argumento para forçar os filhos a fazer tal curso superior, seguir tal profissão, não namorar aquela pessoa e o mais comum será o de querer o melhor para os filhos. Certo, mas temos que entender que, obviamente, o melhor para uma pessoa não é impedi-la de andar com as próprias pernas, de usar o próprio discernimento para decidir que caminho tomar na vida. Ela é quem tem que saber o que lhe convém, não os pais. Os pais devem guiar os filhos sim, mas só até um determinado estágio. Depois, os filhos terão que usar o que aprenderam para tomar suas decisões. Não cabe aos pais decidir que os filhos devem fazer Medicina, assumir seus negócios ir ou não para o exterior. Claro que haverá quem diga que os pais "sabem o que é melhor para os filhos". Errado. Frequentemente, não sabemos nem o que é melhor para nós mesmos. Tomamos muitas decisões equivocadas e fazemos escolhas erradas. Como saberemos o que é melhor para outro ser humano, que vive outra realidade, tem outra visão de mundo, sentimentos, conhecimentos e aspirações? Os filhos são pessoas separadas dos pais, indivíduos que precisam fazer suas escolhas. Porém, não são poucos os pais que agem como se os filhos fossem suas extensões.
Cada época tem seus aspectos problemáticos e um dos aspectos problemáticos da nossa época é vermos adultos inseguros, despreparados e medrosos, que agem como adolescentes. Se repararmos bem, todos esses adultos foram superprotegidos, criados por pais que os impediram de tomar suas decisões, usando as velhas desculpas de "você não sabe das coisas", "eu sei o que é melhor para você", "faça isso que é o que lhe serve". E quantos, em vez de seguir a profissão que sonhavam, não fazem o que os pais determinaram ou deixaram de casar com quem gostavam para casar com alguém que correspondesse ao que os pais consideravam o cônjuge ideal? Isso não é guiar nem ensinar os filhos, mas mutilar seus espíritos, criatividade e independência, impedindo-os de ser seres humanos livres, autônomos, fortes e seguros. Eles terminam por agir como robôs, sem seguir seus impulsos ou sonhos, mas os sonhos de outras pessoas. Dizer que os pais agem assim por amor é mentira. Fazem-no por egoísmo, por considerar os filhos suas propriedades. E vários são os filhos que nem sequer casam porque os pais interferem nas suas vidas, dizendo sempre que eles começam um relacionamento: "essa pessoa não serve para você." Será que os pais queriam impedir que os filhos casassem com pessoas que os fariam sofrer? Psicanalistas e terapeutas são unânimes em dizer que os pais que assim o fazem querem os filhos junto a eles, pois isto lhes dá segurança. Todo mundo tem seu lado egoísta e, quando pais tratam filhos adultos como crianças justificando-se com a afirmação de que "os filhos sempre serão crianças para os pais", eles não estão fazendo isso pelos filhos, mas porque isso os faz se sentir bem.
Pensemos bem nos filhos que queremos deixar para o mundo. Queremos gerar seres fracos ou pessoas capazes de andar por si mesmas? Dizer que se protege demais ou se toma decisões porque o filho é inocente ou não conhece a vida é egoísmo. Um dia, você não estará mais aqui para protegê-lo das maldades e perigos do mundo. Imaginemos se os pais de crianças indígenas as prendessem porque as florestas são perigosas? O que eles acabariam fazendo? Transformariam os filhos em seres fracos e incapazes de se defender. Não podemos usar o argumento de que o mundo é cheio de perigos para não deixar que os filhos se desenvolvam. Eles precisam se arriscar, cometer erros, descobrir o que serve para eles. Não estaremos aqui para sempre para fazer isso por eles. O que será de uma moça que, sempre que quer namorar, a mãe diz que tal homem não serve para ela ou nenhum homem presta? A mãe vai conseguir protegê-la de um mau casamento? Não, vai impedi-la de viver e experimentar a vida para adquirir sabedoria e confiança na sua capacidade de tomar decisões. Da mesma forma, filhos que fazem cursos ou seguem carreiras forçados pelos pais podem até ter sucesso no que farão, no entanto, serão pessoas frustradas por não terem tido suas experiências. E, quando os pais dizem que têm que decidir por eles porque eles são muito ingênuos e inexperientes, eles contribuem para que os filhos duvidem de si mesmos.
Também não adianta dizer que não queremos que eles sofram. Todos nós vamos sofrer de alguma forma. E tratar alguém como se fosse feito de cristal, prendendo-o junto a si, só causará um sofrimento maior àquela pessoa que foi impedida de voar e seguir sua vida. Quando ela tiver que tomar suas decisões, ela sofrerá mais por ter sido impedida de fazê-lo até então. Um dia, ela também verá que só poderá contar consigo mesma. Como se sentirá ao se ver nessa situação alguém que foi podado, que não permitiram que se desenvolvesse? Não podemos tratar um filho como se ele fosse especial. Assim como as outras pessoas, ele terá de aprender a encontrar seu lugar nesse mundo. Aliás, ele é especial para você, não para as pessoas lá fora. Ele terá que mostrar seu valor aos outros, fazer com que vejam que é capaz, defender-se com suas habilidades. Você gostaria de pensar que você o impediu de amadurecer? Como seriam os filhotes de águia se as mães não os deixassem sair do ninho com a desculpa de que os ventos são perigosos e que eles não estão prontos para voar? Chegará o momento em que eles terão que voar, e o mundo não vai querer saber se eles estão prontos ou não. O mundo não se adapta às nossas exigências e gostos. Temos que nos adaptar ao mundo para vencer as dificuldades.
Fazer tudo pelos filhos chegando ao ponto de decidir suas vidas não é amor e proteção, mas opressão disfarçada de zelo. Se você se sente bem tratando seus filhos como crianças numa idade em que eles têm que fazer suas escolhas, pergunte-se se você gostaria que lhe tratassem assim.