JUSTIÇA (02)
Durante os momentos em que Jesus ficava na companhia doa apóstolos, após a caminhada do dia, na casa de Pedro em Betsaída, sempre algum deles fazia alguma pergunta que lhe interessava.
Nos primeiros dias da missão de Jesus, ainda não havia sido dado aos discípulos a ordem para ir e pregar. Era preciso fazer a edificação doutrinária no íntimo de cada um. O Mestre começara o plantio sem se descuidar da assistência aos seus companheiros do coração. Apareciam agitadores para desmoralizar a doutrina, mas as lições e as curas do Mestre faziam os doentes sentirem a presença de Deus nEle. A fé começava a se espalhar. Crescia a esperança de muitos. Aumentava a alegria dos sofredores. Agigantava-se a convicção do colégio apostolar.
Judas Tadeu tinha uma mente com dificuldade de armazenar conhecimento e extrair o saber que vinha envolvido nas parábolas. Era preciso que os outros o ajudassem. O seu corpo era másculo, parecia um gigante dos contos orientais, tendências grosseiras, mas de coração simples e bom. Nessa tarde-noite foi ele que fez a pergunta.
- Mestre, como sabes, as vezes fico constrangido, mas gostaria, com todo o respeito que te dedico, de indagar algo. Mesmo não tendo o direito de acusar ninguém nem intenção de julgar os atos de Deus, queria o teu pronunciamento acerca da Justiça, pois em vários momentos parece-me ver o contrário nos fatos diários.
Jesus, bem acomodado num madeiro improvisado, sorrindo com íntima alegria responde:
- A lei da Justiça é uma realidade nos ajudando a todos. Se nos sentimos injustiçados nas ocorrências da vida, é por nos faltar capacidade de entendimento da vontade do Pai Celestial. Tudo se ajusta na harmonia universal, sem perda de um til na escrita de Deus, desde os astros no universo até um fio de cabelo em nossas cabeças.
- O que interpretamos como injustiça, podemos afirmar ser arrogância, pois é a manifestação da Justiça perfeita, porquanto ninguém recebe o que não merece nem aquilo que não pode suportar no seu avanço espiritual.
- É importante a criatura amar, e além disso, é mais importante ainda a alma que sabe porque está amando. Nenhum dos presentes tem coragem de acusar o Criador pelos distúrbios íntimos. Ninguém acusa o Criador pelas guerras e misérias pelo mundo afora.
- Esses fatos dentro e fora de nós, consomem vidas e mais vidas, fazem jorrar rios de lágrimas e sangue, deixam multidões de viúvas e incontáveis crianças órfãs; os autores não tem coragem de se acusarem. Apesar disso, vivem em dúvidas atrozes, dispersando forças do coração e da inteligência, em círculo vicioso de acusações, sem o devido proveito.
- Se compreendermos os desígnios do Senhor, se pelo menos atentarmos no porquê das coisas, tudo se aclara. As leis que imperam como Justiça somente são vistas com bons olhos quando as analisamos com sabedoria. Do contrário ficamos nos debatendo no ambiente agressivo da ignorância.
- Quando somos dotados de força física, Tadeu, é justo saber como usar essa força. Juiz só um existe, e a Ele pertence todos os direitos de aplicar a lei de reação das ações executadas.
- Se queres saber, é bom que logo se conscientizes disso: os meios de ser útil a coletividade e a si mesmo são incontáveis, sem anunciar o dever de ser caridoso, pois Deus está em toda a parte. Deus vê antecipadamente o ato benevolente, o gesto que em primeiro lugar harmoniza a consciência de quem o pratica, em todos os casos.
- A justiça aplicada pelas mãos humanas, além do escândalo, tem interesse em anunciar uma valentia que está impulsionada pela vaidade e, para tanto, existem as leis criadas pelo Senhor que nunca se esquece daquilo que deve ser dado a cada criatura, atuando também como vigilante na defesa daqueles que são realmente inocentes.
- Se existe cativeiro forçado, prisões infectas e carrascos sem coração, a revolta marca uns e outros, já que são água da mesma fervura. A observação nos diz que se usa a bigorna de ferro para amoldar o ferro, com o malho do próprio ferro.
- Pelo que conhecemos, temos outros caminhos melhores, para pregar e executar a Justiça pelo bem no domínio do amor mais puro. É bom que eu diga e que compreendas bem depressa: não falo para os mortos na carne, e sim para os despertos em espírito e verdade. A ninguém julgo, pois não estou aqui para isso; vim para que conheças o amor, porque somente ele tem o poder no coração das criaturas, de estender a felicidade, para que nenhuma das ovelhas se perca nos labirintos do ódio.
- Quem se preocupa demais com Justiça não tem condições para fazer benevolência, e quando tenta misturar a caridade com a Justiça, essa exigência empalidece o amor.
- Meu filho, não queiras ser o que ainda não podes suportar.
- A inveja, mesmo sendo tocada pelo clarão da boa vontade, carrega consigo o azedume da maledicência. Todo invejoso se esquece das suas próprias qualidades que, as vezes dormem, desperdiçando as forças que gasta, invejando.
- A cobiça não deixa que repares na carência de muitas qualidades do invejado, e queres, com isso, tirar dele o que ele tem para suprir as tuas deficiências. Não é, porventura, isso a maior injustiça?
- Eu estou aqui para servir, e me empenho com todos os companheiros para que me ajudem. Estendamos as mãos para quem quer que seja e falemos aos ouvidos de quem quer que queira ouvir, para que o amor de Deus sobre todas as coisas, seja o primeiro entendimento entre os homens, a fim de que não falte o amor ao próximo.
Assim o Mestre concluía suas explicações sobre a Justiça, e todos se acomodaram para o necessário descanso para nova labuta do dia seguinte. Ainda restava muita gente fora da casa esperando a saída do Nazareno e seus companheiros. De longe via-se Tadeu, pela sua estatura gigante, protegendo a saída do Mestre, que, de mansinho, tocava os homens e as mulheres que avançavam pedindo misericórdia, pedindo curas, pedindo paz, pedindo tudo, como até hoje acontece, mas sem disposição para dar nada. Jesus abençoa a todos e, sem que ninguém perceba, a caravana desaparece por entre a multidão.