Educação Brasileira: dos anos 1940 aos dias atuais
ESCOLARIZANDO CULTURAS: reflexões sobre um “modelo” de educação básica no Brasil e no mundo e, as concepções de direito e igualdade.
"Aqueles que manipulam esse mecanismo invisível da sociedade constitui um governo invisível que é o verdadeiro poder dominante de nosso país ... nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas idéias sugeridas, em grande parte por homens de quem nós nunca ouvimos falar" Edward Bernays
RESUMO O presente artigo visa refletir acerca do nosso modelo de educação básica, com base na bibliografia do curso de História da Educação Brasileira: dos anos 1940 aos dias atuais, em outras bibliografias extra curso, que julgo como essenciais para essa discussão e, do documentário Escolarizando o mundo – o último fardo do homem branco, de 2011. Buscando traçar paralelos entre a nossa educação básica, definições de riqueza e pobreza das populações e a globalização. Palavras - chave: Educação básica. Brasil. Globalização. Modelo. Documentário
Compreender o outro em sua totalidade é tarefa complicada, respeitá-lo tendo em vista suas complexidades é dever de qualquer ser humano dotado de capacidades para tal. Para refletir acerca dos direitos à igualdade e diferença dentro dessa diversidade do homem farei menção à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Temos em nossa lei que o ideal é alcançar a dignidade da pessoa humana e, um importante instrumento para que isso ocorra é o direito à instrução. Quando falamos em direito à diferença, vemos a importância da emersão dos movimentos sociais em prol da cultura, identidade e meio ambiente saudável a partir do final do século XX. A lei vem como um instrumento viável de luta, em favor de justiça, entendendo-se que o direito no código legal de um país não nasce da noite para o dia, é uma produção, com início na era moderna. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, temos que: Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 26 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Essa importância do direito à educação escolar tem a ver diretamente com a construção dos valores, da cidadania social e política e da garantia de se apropriar dos avanços, do desenvolvimento humano. Dito isso, aliada a bibliografia, farei neste artigo, um paralelo com o documentário, que analisa a ideia escondida da superioridade cultural por trás dos projetos de ajuda educacionais, que, em teoria, visam proporcionar para as crianças um escape para uma vida "melhor". O mesmo também traz o déficit da educação institucional em cumprir a promessa de retirar as pessoas da pobreza - seja nos EUA ou nos países subdesenvolvidos.
Nossas concepções de educação básica e igualdade: para início de reflexão, tomo como base Carlos Roberto Jamil Cury, que me parece sempre salientar a importância do direito à educação escolar, no que diz respeito aos valores da cidadania social e política, evidenciando-nos a questão da “igualdade” de oportunidades. Embaso-me também em José Carlos Libâneo, que nos traz a ideia que o nosso Ensino Médio reflete a “realidade perversa” da sociedade brasileira, caracterizado como dual, elitista e seletivo, sem destinação social, é o nível de ensino “deixado de lado”, por isso “médio”, palco de encontro das muitas contradições. Ele afirma: “Em face desses problemas, circula no meio educacional uma variedade de propostas sobre as funções da escola, propostas estas frequentemente antagônicas, indo desde as que pedem o retorno da escola tradicional, até as que preferem que ela cumpra missões sociais e assistenciais. Ambas as posições explicitariam tendências polarizadas, indicando o dualismo da escola brasileira em que, num extremo, estaria a escola assentada no conhecimento, na aprendizagem e nas tecnologias, voltada aos filhos dos ricos, e, em outro, a escola do acolhimento social, da integração social, voltada aos pobres e dedicada, primordialmente, a missões sociais de assistência e apoio às crianças.” (P.16)
Em meio a tantos desafios enfrentados pela cidadania, novos espaços de atuação sendo criados e transformados, é necessário ter uma visão clara da realidade e o que essa significa para nós, como o autor mesmo pondera “ o direito à educação escolar é um desses espaços que não perderam e nem perderão sua atualidade. A educação básica é uma garantia universal, e é inegável os esforços feitos por parte da UNESCO para que isso se realize, porém esse direito deve estar inscrito em lei nacional, o que implica em normas e regras. E ao se colocar isso em prática, em contato com as condições sociais em que vivemos é claro que irá ocorrer “choques”, pois aplicar algo que está na lei, de forma justa, é engenhoso, ainda mais lidando com uma importante parte da formação do ser humano: a educação.
Podemos falar em direito à educação e reforçar a ideia do pensamento liberal, de ordem democrática, alcançada graças às lutas de movimentos sociais e podendo ser entendido de acordo com as gerações de direitos humanos, que visam a igualdade: 1ª geração- direitos civis, 2ª geração- direitos políticos, 3ª geração- direitos sociais e 4ª geração- direitos culturais e de identidade, estes que visam o meio ambiente sadio e são direitos indissociáveis. Segundo Cury “todo o avanço da educação escolar além do ensino primário foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais”. Quando falamos em direito à diferença, vemos a importância da emersão desses movimentos sociais em prol da cultura, identidade e meio ambiente saudável, ou seja a 4ª geração, a partir do final do século XX, tais como o movimento negro, o feminismo, etc. A noção de igualdade é uma ideia fundada nas ações de alteridade e reciprocidade. A noção de instrução para a maioria das sociedades pode ser definida como o “caminho para que as Luzes se ascendam no ser humano” e assim esse ter acesso à igualdade de oportunidades, e/ou uma função do Estado para que o direito individual não se sobreponha sobre o coletivo, sendo assim privilégio de poucos. A educação é um dever do Estado sim, porém após esse impulso interventor inicial, o indivíduo se autogoverna com liberdade, e é na gratuidade que essa se torna acessível para todos. Então temos que a ótica liberalista, mesmo adepta à meritocracia, entende que a educação é um meio para se concorrer no mercado, uma vez que sendo o ponto comum, possibilita as mesmas oportunidades. Thomas Marshall já nos dizia “a educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil” e, portanto se torna também uma condição para o exercício de outros direitos.
Por fim, colocada essa base para a compreensão da educação como direito, meu intuito foi mostrar que através dessa temos entendimento das dimensões éticas da vida; que para essa ser universal não pode haver discriminação. Apontei também a necessidade de consciência dos titulares em exigir esse direito previsto em lei e, evidenciei os debates sobre privilégio x carência, que gera a desigualdade, a violação de direitos e a desconstrução do sujeito de direitos.
Assim, aplainando os caminhos, seguimos nossa discussão, que agora envolve o documentário Escolarizando o mundo - o último fardo do homem branco. Em um mundo tão injusto, seria mesmo a educação, com um modelo previamente estabelecido, um caminho para uma sociedade mais igual, humana e fraterna?
A Educação e a necessidade de “alinhamento com o restante do globo”
É possível notar que o documentário "Escolarizando o mundo - o último fardo do homem branco" ; nos propõe uma série de reflexões acerca do mundo moderno e todos os conflitos sociais que este abrange, se especifica, porém, a discussão do modelo de escolarização atual. Tomando como referência Émile Durkheim, percebemos que no documentário há a ideia de se educar as sociedades de forma que se rejeite um modelo religioso de instrução e se vise formar trabalhadores que pensem e estejam aptos a servir o mundo externo a sua cultura. Para tanto se ter enraizado uma tradição religiosa impossibilitaria o desenvolvimento do mundo moderno de forma mais linear. Claramente vemos que essa doutrinação voltada para o mercado econômico atual se baseia na inserção das pessoas no mercado industrial e que para tanto deve-se haver o distanciamento entre o que é mundano e o que é místico, afinal a elevação material se contrapõe aos valores religiosos. A ideia aqui é ensinar a moral comum de forma laica e se construir uma estrutura onde o enraizamento de alguns ideais seja desconstruído e novos sejam criados. Em uma sociedade industrial onde existe a divisão do trabalho, a ordem contribui para uma sociedade orgânica, que por sua vez é marcada justamente pela hierarquia e especialização do indivíduo, tendo consensos sociais compartilhados por uma consciência coletiva, portando o funcionalismo dentro desses fatos se faz presente. Pode-se dizer dentro desse paralelo que a educação tem a ver com o processo de socialização pelo qual passamos e que é importante contribuinte da coesão social. Com essa substituição pelos valores que são alheios a fundamentos teológicos, teoricamente teríamos uma sociedade significativamente menos anômica.
O documentário nos propõe a seguinte questão explicitamente: que valores estão em jogo quando falamos em educar, qual será o norteador e quem irá se beneficiar? Vemos que a escola, enquanto instituição, serve para elevar socialmente uma parcela de indivíduos, e que seu papel não se cumpre na totalidade pelas diferenças de bagagens e culturas trazidas pelos mesmos. A divisão estamental em que a sociedade se encontra, faz com que os indivíduos busquem esse prestígio de formas diferentes, o que é para alguns, pode não ser para outros, porém, é na escola que valores começam a se sobrepor sobre outros. Hoje vivemos em uma sociedade de fortes valores ocidentais, capitalistas, e que vai se reproduzindo como modelo reinante, durante anos, e a educação faz parte disso, no que diz respeito a alavancar o processo moderno, o progredir, é o diferencial. Entretanto, é esse pensamento diante da educação que gera as relações de poder, já que um indivíduo terá um tratamento diferenciado dado que tem um nível de escolaridade maior que o outro, e o respeito perante o seus bens culturais se perde. A sua ação social é voltada para determinada conduta tida como a certa a ser seguida e, nessas desigualdades começa o processo de racionalização e burocratização do ensino, onde a instituição escolar começa a cumprir o papel de formar homens treinados para o capitalismo atual, ele não pode estar de fora desse modelo social, e para tanto sua emancipação e sua íntima descoberta humana fica em segundo, terceiro plano, ou talvez nem exista. Trazendo Partha Chatterjee, historiador indiano, conseguimos traçar uma ponte com o documentário, pois assim como o autor de "Colonialismo, modernidade e política", Escolarizando o Mundo também nos propõe uma cuidadosa reflexão sobre os efeitos que o mundo moderno causou em relação àquilo que esteve à margem dele. Será que estamos considerando as populações tradicionais, quando falamos em escolarizar o mundo? E será que esse tipo de educação ocidental caberia à elas? Que valores seriam perdidos? Realmente esta ideia de que a escola como instituição disciplinar "salva", ajudaria como alavanque para essas sociedades que estão de fato à margem de tudo isso? O mundo atual não responde essas perguntas e nem as faz antes de ir disseminando essa cultura do saber de primeiro mundo, o discurso é sempre o mesmo: pelo progresso mundial, mas diante das particularidades de cada ser neste vasto planeta, quem pode afirmar que um modelo europeu e/ou americano de sociedade é o mais adequado à todos?
Creio que essa sobreposição de uma cultura em relação a outra, o subverter de valores tradicionais de determinadas comunidades, acaba por contribuir cada vez mais para as desigualdades e miséria no mundo. Países querem se apropriar de uma modo de vida que nunca lhe foi introduzido antes, muda-se estruturas de acordo com grandes potências, educa-se os índios e os quilombolas, leva-se escolas para o campo, integra-se o ensino profissionalizante junto ao ensino médio na Índia, os jovens seguem um mesmo padrão americanizado de vida, o que queremos de fato? A miopia cultural se faz presente, não entendemos a realidade de nossas nações e as adequações que elas precisam, esquecemos que a liberdade também está inclusa na modernidade, o esclarecimento do ser, sua independência e seu direito de dizer não à todo esse "progresso". Devemos ter essa autonomia e senso crítico diante das transformações e não aceitar passivamente antes de refletir com clareza o impacto das mesmas em escala mundial. Em vista do que foi colocado aqui, creio que o documentário nos atinge de tal maneira para que repensemos os nossos ideais de educação. Ela não abrange somente o que é colocado nas salas de aula e nem deve ser encarada como um rígido processo de doutrinação do ser.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: Educar é ajudar na formação do homem, de maneira que se respeite seus princípios, o seu contexto, seu passado, suas crenças, a comunidade em que vive, compreender o importante papel da ecologia diante disso, pois difícil é pensar como criamos máquinas e entendemos perfeitamente o seu funcionamento, enquanto destruímos o nosso planeta, com emissão de gases poluentes, lixo em rios, desmatamento, atentado contra a dignidade humana e animal, falta de amor e compaixão com o nosso próximo. Penso que talvez essa seja a real educação que devemos ter, o respeito com o meio em que vivemos em todos os sentidos. A bibliografia aqui utilizada, juntamente com o brilhante documentário nos traz essas provocações que considero essenciais para nós, enquanto futuros pedagogos, pensarem a educação básica de forma mais profunda e diversa, de acordo com as inúmeras populações e culturas que nos cercam.
REFERÊNCIAS
CHATTERJEE, Partha. 2004. "Nossa modernidade". In: Colonialismo, modernidade e política. Salvador: Ed UFBA/CEAO, pp. 43-65. CURY, C. R. J. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, jul. 2002, p. 245-262.
CURY, Carlos Roberto Jamil. O ensino médio no Brasil: histórico e perspectivas. Educação em revista, Belo Horizonte, n. 27, julho 1998, pp. 73-84. Disponível em <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:ZXa886Zr1jIJ:educa.fcc.org.br/pdf/edur/n27/n27a08.pdf+&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=br&client=safari> Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, mar. 2012. ISSN 1678-4634. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop323.pdf> Documentário: Escolarizando o mundo - o último fardo do homem branco, EUC/ Índia. Dir. Carol Black, 2011.