Museu Botânico do Amazonas (1883-1890)

O Museu Botânico do Amazonas, primeira instituição científica da Província, foi criado no governo de José Lustosa da Cunha Paranaguá em 18 de junho de 1883 através da Lei Provincial N° 629, sendo efetivamente inaugurado em 16 de fevereiro de 1884 já na administração de Theodoreto Carlos de Faria Souto. Surgiu por iniciativa da Princesa Isabel (1846-1921) e por intermédio do engenheiro, botânico e naturalista mineiro João Barbosa Rodrigues (1842-1909), pesquisador com larga experiência sobre a flora amazônica. No Relatório Provincial de 25 de março de 1883, o Presidente José Paranaguá destacou a proposta de Barbosa Rodrigues (feita em 1882) de ser construído um museu botânico na capital da Província e as bases para o seu funcionamento. Essas bases seriam formadas, dentre outras coisas, pelo estudo de todas as plantas da flora amazonense, de suas propriedades químicas, medicinais e econômicas, a construção de um ervário, um laboratório, a publicação de uma revista de caráter histórico, geográfico e etnográfico sobre a Província, distribuída nos estabelecimentos científicos nacionais e estrangeiros; e a troca de materiais com os museus da Europa mediante a existência de duplicatas no ervário. “Para cabal desempenho terá o museu um botanico, um chimico, quatro ajudantes, dous serventes e um porteiro”. Os ajudantes, quer do botanico, quer do chimico, um servirá tambem de secretario, outro de photographo, outro de desenhista, e outro de preparador”.(AMAZONAS, 25/03/1883).

Barbosa Rodrigues também fez o orçamento da construção da sede do museu, da montagem do laboratório, da compra de livros, mobiliário e a manutenção anual com os funcionários, as gratificações e a impressão da revista. Todos os itens somados custariam a Província 120:000$000. A ideia de um museu voltado para a pesquisa botânica, histórica e etnográfica gerou debates na Câmara dos Deputados. O Deputado Passos de Miranda, representante da Província do Amazonas, apresentou um aditivo de 30:000$000 anuais para o estabelecimento do museu botânico durante uma discussão sobre o orçamento para a agricultura, o comércio e as obras públicas realizada em 24 de outubro de 1882, com a justificativa de que as pesquisas sobre as propriedades das plantas amazônicas seriam extremamente vantajosas para o engrandecimento da economia e medicina locais e nacionais. Passos de Miranda questionava-se sobre o estado de abandonado dos recursos naturais e a inexistência de uma entidade voltada para o estudo destes: “Ora, se n’aquella immensa região, n’aquella flora riquissima, pódem-se encontrar tantos recursos para o desenvolvimento das sciencias e das artes, da industria e do commercio, como se deixa completamente abandonada?” (AMAZONAS, 25/03/1883). Passos de Miranda recebeu o apoio do Deputado Adriano Pimentel, também representante do Amazonas, no levantamento do aditivo e na sugestão do nome de Barbosa Rodrigues para a direção da instituição.

O museu foi instalado inicialmente, conforme o Relatório Provincial de 25 de março de 1885, em uma casa alugada localizada na Ilha de Caxangá, onde ocorreu a inauguração em 16 de fevereiro de 1884. Posteriormente foi transferido para uma das propriedades do Barão de São Leonardo, o prédio que futuramente daria origem ao Instituto Benjamin Constant (1894) e que antes foi o hospital de variolosos. Seu último endereço foi o Liceu, o Gymnasio Amazonense Dom Pedro II. Pela Lei N° 749 de 17 de maio de 1887, ficou autorizada a transferência do Asilo Orfanológico para o prédio do Barão de São Leonardo, ocorrida em 6 de julho de 1888, sendo transferido o museu para o Liceu, ficando este reduzido a uma sala.

Em 1885, a notícia da inauguração do quadro do ex-presidente José Paranaguá nas dependências do Museu nos dá uma dimensão de sua organização e acervo. Na sala em que foi colocado o quadro, voltada para a etnografia, ficavam armas de caça, armas de guerra e remos, objetos de madeira e palha. Nela existiam quatro armários divididos em 2 seções alfabeticamente ordenadas. O primeiro era formado por flechas, tangas, maracás, sandálias e colares de diferentes tribos. Tigelas de barro, panelas e alguidares poderiam ser vistos na parte inferior. O armário número dois possuía objetos de pedra do Amazonas e de Minas Gerais. No terceiro armário, vestimentas e máscaras tikunas, uma máscara do jurupary, pequenas panelas cheias de curare e flechas dos campás e mahuxacas (sic). Na parte superior, uma igaçaba vinda de Carvoeiro e um forno do rio Uaupés. No quarto, crânios encontrados no rio Purus e panelas do rio Jutaí. As portas do museu eram encimadas por flechas colocadas em rosetas e o teto era adornado com redes e flechas de várias tribos. A segunda sala era a de Botânica, onde ficavam armazenadas as coleções de diferentes plantas nativas e importadas. Por último, a terceira sala era ocupada pela biblioteca do diretor. Esperava-se que “[…] nossa população seja despertada pelo desejo de ver o que é nosso e que está alli colleccionado cuidadosamente em numero superior a 1000 objectos diversos”. Apesar de todo o entusiasmo, não se deixou de notar como o funcionamento do museu era deficitário, estando “hoje com seu pessoal reduzido a um director e secretario. Nem ao menos ha alli um servente para conservar as salas” (A PROVÍNCIA, 06/08/1885). Através da Lei N° 689, de 10 de junho de 1885, foram extintos os cargos de ajudante de químico, desenhista e porteiro, “[…] que nunca foram preenchidos, e cujos ordenados importavam, por anno, em 9:600$” (AMAZONAS, 21/09/1885). Foi uma constante na trajetória do museu a falta de mão de obra especializada para preencher seu quadro de funcionários. Foi nomeado secretário o jornalista fluminense Joaquim Augusto do Campos Porto (1855-1908). Deve-se esclarecer que boa parte do acervo era composto por coleções pessoais de Barbosa Rodrigues adquiridas na época em que comandou o Ministério da Agricultura e esteve no Vale Amazônico, entre 1872 e 1875.

No relatório de 1886 do museu, o diretor informava que o herbário possuía 1281 espécies vegetais, de 78 famílias e 322 gêneros, sendo classificadas e catalogadas mais de 5000 espécimes. Destes eram novos 56. O acervo botânico seria aumentado com coleções dos Estados Unidos, México e Chile. Do primeiro país viriam 800 espécies ofertadas pelo botânico John Donnell Smith. A seção etnográfica era formada por 1103 artefatos indígenas de 60 tribos do vale amazônico. Foi contratado, para auxiliar na montagem do laboratório de química, o bacharel Joseph Eugenio Aubert, que atuou entre 24 de novembro e 29 de dezembro de 1885. Esperava-se para maio de 1886 a chegada do químico Francisco Pfaff, “muito conhecido na Europa, professor da Universidade de Genebra e 1° ajudante do celebre Graëbe” (AMAZONAS, 25/03/1886). Nesse documento Barbosa Rodrigues expõe as dificuldades enfrentadas pelo museu desde sua fundação:

“O museu que até agora tem tido uma existencia anormal, o que impede a sua organisação regular, de modo a satisfazer seus afins, apesar de repetidos pedidos e exigencias como que vai entrar em novo caminho para encetar trabalhos que produzirão os resultados que se tem em vista, com sua creação. Apezar porém, da falta quasi absoluta de meios de prosperidade, tem elle marchado, e, ainda que vagarosamente, dando resultados que vão além da expectativa de nacionaes e estrangeiros que visitam” (AMAZONAS, 25/03/1886).

Com todas as dificuldades, com materiais pagos pelo próprio Barbosa Rodrigues e que muitas vezes chegavam atrasados, o laboratório químico foi inaugurado em 16 de fevereiro de 1886 em comemoração aos dois anos de sua inauguração. Nesse ano o museu participa da Exposição Sul-Americana em Berlim. Em 29 de julho desse mesmo ano é realizada a primeira exposição sobre a História do Amazonas. Sobre esse evento, publicou-se o seguinte na imprensa: “[…] aplaudimos de coração a exposição do museu botanico, ao mesmo tempo que damos parabéns á província, por ter occasião de encontrar reunidos elementos que fallam de sua existencia no decorrer dos annos, elementos que são subsidio forte para historiadores e homens de sciencia” (JORNAL DO AMAZONAS, 29/07/1886). Percebe-se nessa fala que, além de ser um centro de pesquisas na área da botânica, o Museu de Barbosa Rodrigues foi responsável pela constituição de uma história oficial da província, recuperando os elementos materiais que atestariam sua antiguidade.

O surgimento do Museu Botânico do Amazonas está inserido no contexto da expansão do positivismo e do cientificismo evolucionista na segunda metade do século XIX. Institutos Históricos, Academias de Belas Artes e Museus surgem nas províncias brasileiras, ao molde das instituições europeias, formadas por membros vindos da elite intelectual, como núcleos de consolidação da soberania nacional, de debates da formação do Império, de seus elementos sociais e naturais e de propagação dos ideais de progresso e civilização. Como pôde ser visto em alguns pontos destacados por Barbosa Rodrigues, o museu manteria fortes relações com pesquisadores e instituições europeias. De acordo com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, quando surgem, “[…] os estabelecimentos locais se constituem em espécies de home lands para viajantes financiados por instituições estrangeiras, e principalmente para a Antropologia que se iniciava enquanto disciplina no Brasil” (SCHWARCZ, 1989, p. 38).

De 1885 a 1891 Barbosa Rodrigues publicou os seguintes trabalhos: A Pacificação dos Krichanas (1885), Relação dos productos enviados enviados para a Exposição de Berlin (1886, folheto), O Tamakuaré (1887), O Muirakaty (1889) e Poranduba Amazonense (1891). “Juntem-se a essa relação pequenos folhetos sobre plantas novas, artigos de jornaes sobre historia natural e um vocabulario completo da língua tupy e mais de 20 de differentes dialectos (inedito) e ver-se-ha que, em sete annos de trabalho, o resultado é realmente suprehendente” (CAMPOS PORTO, 1891, p. 76).

A revista, Vellosia, só veio a luz nos anos finais, sendo publicado um único número dividido em dois volumes, entre 1888 e 1891, este último reeditado no Rio de Janeiro pelo ex-secretário Campos Porto, período em que a instituição já havia sido desativada. Ela trazia descrições de plantas descobertas no Amazonas, estudos de Paleontologia, Arqueologia e Etnografia. Sua aparição tardia, sem atingir a meta pretendida (uma revista trimensal), explica-se pelas dificuldades financeiras em garantir sua impressão. No Relatório de 1888 do museu, Barbosa Rodrigues escreveu que o “[…] volume de Revista, relativo ao anno passado está no prelo desde julho do mesmo anno, não tendo sido possível, apesar de todos os exforços fazel-o apparecer” (AMAZONAS, 05/09/1888).

Os anos finais do museu foram os mais críticos. O orçamento de 1887, que era de 28:700$, foi para 13:400$000. O de 1889 não foi sancionado, mas, mesmo assim, reduzido novamente para 24:900$000. Na administração de Joaquim de Oliveira Machado a verba foi reduzida para 22:500$000. O então secretário Joaquim Campos Porto, em histórico traçado em 1891, expressa seu descontentamento: “Ao passo que se regateavam verbas minimas, as leis orçamentarias vinham cheias de gratificações, licenças por dous annos com vencimentos integraes, subscripções, concertos de escolas, igrejas, etc., tudo de uma imoralidade revoltante” (CAMPOS PORTO, 1891, p. 73). Quando da instalação da República em 15 de novembro de 1889, Barbosa Rodrigues foi nomeado pelo Governo Federal para assumir o cargo de Diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, posição que a muito almejava, em 25 de março de 1890. Perdia o Museu Botânico do Amazonas a única pessoa especializada na flora amazônica capaz de dirigi-lo. Dessa forma, o Governador Augusto Ximeno Villeroy, em 25 de abril de 1890, declarou extinto o Museu Botânico do Amazonas:

“O Governador do Estado do Amazonas, tendo em vista o decreto n. 42 desta data, que extinguiu o Museu Botanico, resolve dispensar o cidadão João Barboza Rodrigues de director e o cidadão Philadelpho Camillo Pessôa de porteiro do mesmo museu.

O Governador aproveita esta occasião para agradecer ao cidadão João Barboza Rodrigues os eminentes serviços que prestou á Patria enriquecendo a sciencia com colossaes trabalhos sobre a flora indigena. Seus vastos trabalhos sobre as Orchideas attestam que este judicioso investigador é o legitimo herdeiro do laborioso Martius.

O Governador lembra ainda as interessantes pesquizas sobre os habitantes primitivos da America, e especialmente do Brazil, como um dos titulos de benemerencia do infatigavel Brazileiro; e ao desperdi-se de tão digno cidadão felicita-o pela elevada prova de apreço com que o distinguiu o Governo Provisorio” (CAMPOS PORTO, 1891, p. 74).

Enfrentando problemas financeiros e técnicos desde sua criação, e agora sem um diretor especializado, terminava assim a trajetória de 7 anos do Museu Botânico do Amazonas, a primeira grande instituição científica do Amazonas. Nesses 7 anos, em meio a dificuldades as mais diversas, foram catalogadas plantas, fósseis, artefatos indígenas, realizados estudos históricos, etnográficos e antropológicos e produzidos folhetos, tratados e realizadas exposições que foram de extrema importância para os primeiros passos das atividades científicas genuinamente amazonenses.

FONTES (RELATÓRIOS E EXPOSIÇÕES):

Relatorio apresentado á Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da segunda sessão da decima sexta legislatura em 25 de março de 1883 pelo presidente, José Lustosa da Cunha Paranaguá.

Exposição com que o ex-presidente do Amazonas exm. sr. dr. José Jansen Ferreira Júnior passou a administração da Província ao 1° vice-presidente exm. sr. Tenente Coronel Clementino José Pereira Guimarães, em 21 de setembro de 1885.

Relatorio com que o exm. sr. dr. Ernesto Adolpho Vasconcellos Chaves, presidente da Província do Amazonas, installou a 1° sessão da legislatura da Assemblea Legislativa Provincial no dia 25 de março de 1886.

Relatorio com que o exm. sr. dr. Joaquim Cardoso de Andrade abrio a 1° sessão da 19° legislatura da Assemblea Provincial do Amazonas em 5 de setembro de 1888.

PERIÓDICOS:

A Província, 06/08/1885.

Jornal do Amazonas, 29/07/1886.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAMPOS PORTO, Joaquim. Histórico do Museu Botânico do Amazonas. In: Vellosia. Rio de Janeiro, 1891, p. 61-80.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-1910. In: MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Vértice/IDESP, 1989.