O que é, de fato, ensinar?!

O que é, de fato, ensinar? Durante muito tempo eu pensei que ensinar “é transmitir o conhecimento que se tem e que se aprendeu e repassar para outras pessoas_ especificamente, passar o que sabemos para os alunos”.

Mas, pensando bem, para que aprender sobre a história das civilizações, os grandes impérios de séculos passados? Pensando bem, para que saber sobre o teorema de Pitágoras e acerca de outros teoremas? Para que decorar sonetos de Camões ou discursar sobre a genialidade literária de Shakespeare, ou saber toda tabela periódica?

Pensando bem, por que a gente precisa saber a respeito do funcionamento de nossas células, que hormônios e substâncias entram em ebulição em nós quando abraçamos um amigo querido, quando perdemos um ente querido ou quando nos apaixonamos perdidamente?

Por que eu preciso aprender acerca de verbos regulares e irregulares, ou sobre tipos de predicado, ou acerca de complementos nominais ou sobre quaisquer tipos de complementos, todas essas coisas indispensáveis são realmente úteis na minha vida cotidiana, na minha vida prática? SÃO MESMO?!!!

É indispensável aprendermos outros idiomas em um mundo globalizado porque é elegante, é eficaz, é mais uma exigência, ou porque é prazeroso falar novas línguas, quando tanto menosprezamos o nosso próprio idioma. Pra que, meu Deus! Pra que estudar com tanta dedicação e fazer faculdade, se temos tudo a disposição na internet_ todo o conhecimento que necessitamos está a um clique de nossos dedos, bem ali pertinho, no mundo virtual, então pra que tantos anos desperdiçados e dinheiro gasto em gramáticas e livros, em salas de aula, em colégios, em universidades?

Far-te-ei uma outra pergunta: em que reinos os seres vivos vivem? Prezados alunos, pedagogos, Homo Sapiens e afins, é preciso aprender em que mundo “fomos paridos”?!! Vocês habitam no reino Monera ou no reino Protista? Vocês vivem no reino Fungi ou no reino Plantae? Ou quem sabe alguns de vocês nem sabem que coabitam no reino Metazoa? Ó céus! São tantos reinos a se aprender e saber para se tentar se encaixar! Conhecer e abraçar o reino de Deus, ou, quem sabe, o mundo orgânico ou inorgânico, o mundo verdadeiro das ideias, o mundo dos átomos e das moléculas?!! Viver conscientemente o reino da razão, da lógica e do intelecto? Pode ser bom?!!

Poxa, porém é essencial saber o que é o politeísmo, o monoteísmo, o judaísmo, o cristianismo, o islamismo, sem jamais esquecer o que é também o platonismo, o pragmatismo, o idealismo, o agnosticismo, o positivismo, o romantismo, o utilitarismo, o existencialismo, o fanatismo disso ou daquilo; afinal, em que “ismos” você se filou? Você sabe o que é misticismo, materialismo, consumismo?; te empurraram para a o reino da Graça ou para a Predestinação? Foste doutrinado e ensinado a seguir o criacionismo, ou o darwinismo, ou todas essas “escolas ou doutrinas ou tendências” são projeções de nosso egoísmo distorcido, pobre, solitário, necessário e indivisível??? Não, nada disso: “confiar em si mesmo”, “descobrir a si mesmo” são os nossos novos e obsoletos clichês espirituais, sociais e cósmicos?!!

O que é a "alma"? Para onde vamos depois que morremos? Por que existe a morte? O que é o pecado? Se tudo vem de uma outra coisa ou ser, então quem criou o Criador? Como " algo ou um ente" sempre existiu, sem jamais ter sido nascido ou criado, simplesmente sempre "há, sempre existiu"?Qual o sentido da existência? Qual o propósito de haver propósitos ou nenhum propósito? Ah. É duro viver_ tantas perguntas, tantas dores, perdas, guerras mundiais e domésticas, crimes, injustiças, mortes; e há tão poucas explicações que no fim pouco explicam e pouco convencem.

O que é a virtualidade do mundo e da vida? O que é normal ou anormalidade? Quem nós somos? Por que o que existe precisou existir, se nenhuma coisa existente tem necessidade de causa e efeito de existir ou “em existir”? Somos quem somos porque nós decidimos ser como agora somos ou ainda seremos?

Acho que até hoje o ser humano nunca despertou do sono das incontáveis ilusões que nós mesmos construímos, inventamos, utilizamos e nos escravizamos.

Ah! O doce néctar da ignorância ou da inteligência, os paraísos da verdade, o hedonismo das sensações do corpo, os êxtases de cada gargalhada, lágrima ou divertimento não serão apenas outros passatempos e brinquedos que cultivamos e criamos para não nos entediar, para fugir da monotonia, para sair do anonimato ( e é algo tão, né gente, é bom ter milhares de curtidas e comentários elogiosos no Instagram, Facebook e afins sobre o que postamos); mas isso seria apenas outras estratégias para encobrir vidas e mais vidas sonâmbulas as quais são um teatro de meras aparências? Somos unicamente isso: figurantes ou meros coadjuvantes de peças teatrais ou de novelas mexicanas cujas quais nem sequer escrevemos o roteiro de nossas vidas???

Ensinar é entupir a memória e a alma das crianças, jovens e dos adultos com milhares de fatos, com centenas de dados e informações sobre biologia, história, matemática, ciências, português, artes, filosofia, etc, etc???

Afinal de contas, o que é ensinar? E por que afirmam com tanta veemência que nós... que nós temos a obrigação de aprender minuciosamente tantos conteúdos e matérias disciplinares? Para quê, para que aprender, pra que ler, pra que estudar, investigar, analisar, memorizar fórmulas, inventar novas equações, para que criar novas teorias, novos conceitos, novas definições neste mundo?

Pensando bem, qual o real intuito em buscar ter senso crítico sobre a vida, o mundo, e sobre temas que se debatem na escola, nas calçadas, em nossos lares, em festas, em concursos, em vestibulares? Analisando bem a questão, para que essa mania de erudição, para que essa tendência em bancar o estúpido ou o grande intelectual que aparenta saber tanto ou que sente prazer em não conhecer nada? Porque sem as armas do conhecimento, a derrota será certa e será uma coroa humilhante em nossas vidas?

Por que queremos tanto vencer, por que essa obsessão pela perfeição _ seja por um corpo perfeito, ou por uma alma imaculada, ou por uma mente bem capacitada e vitoriosa. Por quê? Ah, eu acho que sei! É porque nós queremos aplausos, porque a gente precisa sim sermos elogiados pelos amigos, porque é gratificante contemplar a satisfação no rosto de nossos pais e conhecidos as batalhas vencidas, os sonhos realizados, e por todas as felicitações e pelas medalhas que conquistamos por nosso próprio mérito_ e não nos esqueçamos: devemos estampar e divulgar em sites, em blogs, em outdoors, no próprio céu divino, devemos sem demora exibir com auto-satisfação (e com um ar de dever cumprido e de felicidade) todos os feitos que realizamos e que conquistamos com tanto suor, sagacidade, inteligência e garra. E para que? Para que tudo isso? Seria a motivação de nossas vontades também os frutos de convenções que construíram há séculos, ou um outro manual de instruções a conduzir e orientar as nossas ações morais, ou seria também uma questão apenas de “egos”, de vaidade, de carência existencial e afetiva?!!

Pensando bem, a gente nem sabe do que sabe não saber o que supomos saber ou desconhecer.

Divaguei demais, falei demais, é verdade, concordo com vocês_ demasiadas digressões e verborragias?!! Pode ser! Então, vamos voltar a perguntar inicial: por que é preciso ensinar? Por que é preciso aprender?

Para ser sincero, eu não sei direito. Sei que meu coração se enche de alegria quando vejo meus alunos não apenas tirando boas notas, ou tendo aprendido sobre os conteúdos lecionados; sei que minha imaginação encontra deleite, calor e risos na leitura de bons livros, sei disso; mas também eu sei que meus olhos cantam de felicidade ao contemplar a poesia silenciosa nas faces e no olhar de cada aluno, quando eu sinto essa curiosidade edificante em buscar aprender coisas novas ou diferentes; eu sinto desassossegado sossego quando meus alunos pensam por si mesmos e sentem por si mesmos, pois eles não são máquinas mecanizadas e "fetichizadas".

Eu sinto meu coração acelerar, entrar em taquicardia supraventricular, quando deixo pelo menos uma alma inquieta com alguma frase ou afirmação ou indagação proferida por mim e tal pensamento dito se aninha neles com uma incompreensível paixão, com esse louco e sábio e profundo amor a interpelar a si mesmos e ao universo, e meu ser transborda com lágrimas felizes ao ver ou perceber que cada um busca descobrir o seu próprio mundo, quando os alunos não se satisfazem com apenas uma ou duas ou dez respostas ditas ou encontradas no Google; não, eles mesmos vão buscar as suas próprias explicações e respostas, sem precisar julgar e rotular ninguém e sem tendências à megalomanias.

Eu sinto um júbilo, que não sei descrever, ao ver os meus alunos sedentos em voar por si mesmos por outras montanhas e oceanos, em sair de suas próprias gaiolas, e eu sei que eles irão cair várias vezes antes de alçar voo, antes das grandes descobertas e ações que farão e que moldarão a personalidade de cada um deles nesse mundo, mas principalmente no interior deles mesmos, pois, em minha humilde opinião de um professor que tem tanto ainda por aprender, as maiores revoluções e conquistas da civilização ocorrem em nossas almas e em nossas mentes, em nossos espíritos, sem precisar de estridentes alardes e nem de pomposos estandartes.

Não importa o que digam, cada um de vocês são os incontáveis caminhos a seguir, cada um de meus alunos são as primícias dos filhos do viver; vocês, estudantes, não são mais um na multidão ou uma mera gota em um imensurável oceano (apenas se quiserem); então, prezados alunos _ os quais somos todos nós_ não desperdicemos o dom da vida, do amor, dos tesouros do conhecimento, das coisas simples da vida, dos amigos, e de cada diamante e de tantas outras pedras preciosas que existem e brilham em cada um de nós; nós_ seres tão ávidos e carentes de conhecimentos, pelo entendimento, pela compreensão (mesmo sabendo que talvez, possamos sentir na alma, que tudo o que se sabe e que se “descobrirá ou se inventará” possam ser ilusões, possam ser ópios dogmáticos, possam ser “teses” e mestrados para seres funcionais ou simplesmente paliativos conceituais).

Cabe a cada um de nós aprendermos várias vezes a desaprender, aprender a reaprender; ensinar com as nossas próprias dúvidas, certezas, receios, razão e sentimentos a nós mesmos, a fim de que possamos amanhecer com o nosso próprio brilho sem esquecer os abismos negros que há em nosso ser; a fim de que possamos crescer sem precisar dizimar "aquela criança que a gente foi", e assim, quem sabe, a gente consiga amadurecer como as pequenas pedras silenciosas, sábias, atentas e esquecidas na beira dos caminhos e trajetos pelos quais tanto caminhamos, e, assim, quem sabe, desenterrar as nossas tão pequenas e escassas: bondade, generosidade, humildade, gratidão, amor, fraternidade, benevolência, empatia por quem ri e por quem chora; enfim, para que desencavemos e possamos cultivar e florescer a nossa tão minúscula e rara humanidade.

Gilliard Alves Rodrigues

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 23/12/2018
Reeditado em 23/12/2018
Código do texto: T6533628
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