O Ensino nos Tempos da Cólera
Quem se dedica ao Ensino, em vez de simplesmente “dar aula”, tem plena noção dos novos desafios que estamos enfrentando. Péssimos salários, desprestígio social, condições precárias das salas de aula, desrespeito e falta de dedicação de muitos alunos etc, já eram o suficiente para a depressão ser doença de trabalho típica dos professores. Não bastasse isso, agora Professores estão tendo suas aulas gravadas por celulares para serem analisadas por “patrulhas ideológicas”. Estão em busca de quem, como Sócrates, está “corrompendo os jovens”.
Como a referência ao filósofo grego ressalta, esse tipo de vigília não é novidade. Expurgos de Professores são comuns em regimes autoritários, independente de seu espectro político. Mesmo na “democracia”, existem escolas privadas que praticam a censura de seu corpo docente, ainda que velada. E os Professores de Instituições Públicas que, sem o apoio da direção, utilizam práticas pedagógicas “heterodoxas” acabam tendo problemas. A novidade está na forma como essa “patrulha” está adentrando a sala de aula, ou seja, no uso das novas tecnologias para a produção clandestina de “provas materiais”.
O risco que isso trás aos Professores não deve ser subestimado. Existe, inclusive, uma forma simples de verificar isso. Busque alguma dessas videoaulas publicadas na internet. Você notará que, em muitos casos, bastará tirar um trecho do vídeo de seu contexto para que uma boa aula se transforme em algo comprometedor. No caso das videoaulas isso não chega a ser tão problemático, pois bastará que se analise a versão original. Porém, no caso de gravações clandestinas de suas aulas, o Professor não contará sequer com uma contraprova...
Não estamos mais nos tempos “do” cólera, mas vivenciamos um período onde “a” cólera contamina quase todas as discussões. A “polemização” pueril e rasteira de qualquer conversa, típica das redes sociais, contaminou toda a sociedade. E agora invade o ambiente onde justamente é mais necessário o debate franco e profundo das questões: a sala de aula. Como é possível ser franco quando “tudo o que disser poderá ser utilizado contra você”? Como é possível uma análise profunda, contextualizada, sabendo do risco de que parte de seu discurso seja retirada do contexto? Como é possível lecionar adequadamente sabendo que um aluno imaturo e inconsequente pode estar gravando tudo o que você faz em aula?
O objetivo deste texto, planejado para ser quase tão “raso” quanto os atuais debates, não é o de apresentar soluções. Soluções baseadas em análises superficiais nada mais são do que “chutes qualificados”. A criticidade dos problemas que estamos enfrentando exige, justamente, aquilo que “saiu de moda”: estudo aprofundado e debate franco. O objetivo deste texto foi o de ser meramente o primeiro de uma sequência, algo próximo do que os projetistas chamam de “kick off”. A reação à publicação desse texto nas redes sociais, por mais irônico que isto seja, servirá como subsídio para o real projeto que tenho em mente. Pretendo, em uma sequência de textos, fazer um estudo aprofundado do cenário atual, analisando suas causas e possíveis consequências. De posse de um diagnóstico adequado, poderei atingir o objetivo final: a construção coletiva de um “Guia Moderno de Sobrevivência do Professor Brasileiro ”.
Tenho sentido necessidade de algo do gênero. Se você também se sente assim, convido-o a me ajudar nessa empreitada.