Pessoas com deficiência e os direitos humanos – Conquistas ou retrocessos no Brasil
Para iniciar este artigo neste momento histórico politico e social, onde já se visualiza um profundo retrocesso sem precedente no tocante aos direitos das pessoas como deficiência ou como queira “inválidos”, trago dois artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Art. 1º – Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” .
De acordo com o
Art. 2º - Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição .
Os dois artigos me fazem pensar sobre o tempo que já se passou desde a proclamação dessa igualdade de direitos. Entretanto, será que esses direitos já estão assegurados para todos? Há, de fato, igualdade entre todos? Quanto tempo mais teremos que lutar para realmente usufruirmos dessa igualdade?
A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes proclamada em 1975, eu também quis colocá-la nesse estudo, por pensar que poucos a conhecem:
A Assembléia Geral Consciente da promessa feita pelos Estados Membros na Carta das Nações Unidas no sentido de desenvolver ação conjunta e separada, em cooperação com a Organização, para promover padrões mais altos de vida, pleno emprego e condições de desenvolvimento e progresso econômico e social, Reafirmando, sua fé nos direitos humanos, nas liberdades fundamentais e nos princípios de paz, de dignidade e valor da pessoa humana e de justiça social proclamada na carta, Recordando os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos Acordos Internacionais dos Direitos Humanos, da Declaração dos Direitos da Criança e da Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas, bem como os padrões já estabelecidos para o progresso social nas constituições, convenções, recomendações e resoluções da Organização Internacional do Trabalho, da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas, do Fundo da Criança das Nações Unidas e outras organizações afins. Lembrando também a resolução 1921 (LVIII) de 6 de maio de 1975, do Conselho Econômico e Social, sobre prevenção da deficiência e reabilitação de pessoas deficientes, enfatizando que a Declaração sobre o Desenvolvimento e Progresso Social proclamou a necessidade de proteger os direitos e assegurar o bem-estar e reabilitação daqueles que estão em desvantagem física ou mental, Tendo em vista a necessidade de prevenir deficiências físicas e mentais e de prestar assistência às pessoas deficientes para que elas possam desenvolver suas habilidades nos mais variados campos de atividades e para promover portanto quanto possível, sua integração na vida normal, Consciente de que determinados países, em seus atual estágio de desenvolvimento, podem, desenvolver apenas limitados esforços para este fim. PROCLAMA esta Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes e apela à ação nacional e internacional para assegurar que ela seja utilizada como base comum de referência para a proteção destes direitos: 1 - O termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. 2 - As pessoas deficientes gozarão de todos os diretos estabelecidos a seguir nesta Declaração. Estes direitos serão garantidos a todas as pessoas deficientes sem nenhuma exceção e sem qualquer distinção ou discriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde, nascimento ou qualquer outra situação que diga respeito ao próprio deficiente ou a sua família. 3 - As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. 4 - As pessoas deficientes têm os mesmos direitos civis e políticos que outros seres humanos: o parágrafo 7 da Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas (*) aplica-se a qualquer possível limitação ou supressão destes direitos para as pessoas mentalmente deficientes. 5 - As pessoas deficientes têm direito a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão autoconfiantes quanto possível. 6 - As pessoas deficientes têm direito a tratamento médico, psicológico e funcional, incluindo-se aí aparelhos protéticos e “ortóticos”, à reabilitação médica e social, educação, treinamento vocacional e reabilitação, assistência, aconselhamento, serviços de colocação e outros serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integração social. 7 - As pessoas deficientes têm direito à segurança econômica e social e a um nível de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver atividades úteis, produtivas e remuneradas e a participar dos sindicatos. 8 - As pessoas deficientes têm direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social. 9 - As pessoas deficientes têm direito de viver com suas famílias ou com pais adotivos e de participar de todas as atividades sociais, criativas e recreativas. Nenhuma pessoa deficiente será submetida, em sua residência, a tratamento diferencial, além daquele requerido por sua condição ou necessidade de recuperação. Se a permanência de uma pessoa deficiente em um estabelecimento especializado for indispensável, o ambiente e as condições de vida nesse lugar devem ser, tanto quanto possível, próximos da vida normal de pessoas de sua idade. 10 - As pessoas deficientes deverão ser protegidas contra toda exploração, todos os regulamentos e tratamentos de natureza discriminatória, abusiva ou degradante. 11 - As pessoas deficientes deverão poder valer-se de assistência legal qualificada quando tal assistência for indispensável para a proteção de suas pessoas e propriedades. Se forem instituídas medidas judiciais contra elas, o procedimento legal aplicado deverá levar em consideração sua condição física e mental. 12 - As organizações de pessoas deficientes poderão ser consultadas com proveito em todos os assuntos referentes aos direitos de pessoas deficientes. 13 - As pessoas deficientes, suas famílias e comunidades deverão ser plenamente informadas por todos os meios apropriados, sobre os direitos contidos nesta Declaração. Resolução adotada pela Assembléia Geral da Nações Unidas 9 de dezembro de 1975 Comitê Social Humanitário e Cultural. (*) O parágrafo 7 da Declaração dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas estabelece: "Sempre que pessoas mentalmente retardadas forem incapazes devido à gravidade de sua deficiência de exercer todos os seus direitos de um modo significativo ou que se torne necessário restringir ou denegar alguns ou todos estes direitos, o procedimento usado para tal restrição ou denegação de direitos deve conter salvaguardas legais adequadas contra qualquer forma de abuso. Este procedimento deve ser baseado em uma avaliação da capacidade social da pessoa mentalmente retardada, por parte de especialistas e deve ser submetido à revisão periódicas e ao direito de apelo a autoridades superiores" .
Discursivamente, é muito belo o que se estabelece como direitos humanos e como seus princípios são usados para definir os direitos das pessoas deficientes, ou seja, fazendo-se um texto memorável, definindo benesses para as mesmas. Porém, na prática, predomina a hipocrisia e a intolerância, e os deficientes encontram em seus caminhos um mundo de burocracia e retrocesso, que tenta, de alguma forma, impedir os mesmos de exigirem que se faça cumprir o que lhes foi garantido por leis, a partir das declarações. Será que a declaração dos direitos humanos e das pessoas deficientes têm sido asseguradas? Será que nossa sociedade, organizada a partir de uma lógica capitalista, que objetiva primordialmente o lucro – que se dá por meio da exploração humana –, fazendo, muitas vezes, “vista grossa” a esta, garante plenamente direitos a todos e, mais especificamente, aos deficientes? Se antes já era difícil ter uma perspectiva positiva. Na atual conjuntura, se distancia ainda mais.
Talvez eu não viva o suficiente para ver tais direitos integralmente garantidos. No entanto, acredito na capacidade que tenho, de ir à luta junto com aqueles que acreditam num ideal de que todos sejam aceitos, em todos os sentidos: nas relações humanas, de trabalho, sociais, de exercício de cidadania, o que já está garantido em lei.
A Carta para o Terceiro Milênio registra, entre outras, as seguintes considerações sobre as pessoas deficientes:
Nós entramos no Terceiro Milênio determinados a que os direitos humanos de cada pessoa em qualquer sociedade devam ser reconhecidos e protegidos. Esta Carta é proclamada para transformar esta visão em realidade. Os direitos humanos básicos são ainda rotineiramente negados a segmentos inteiros da população mundial, nos quais se encontram muitos dos 600 milhões de crianças, mulheres e homens que têm deficiência. Nós buscamos um mundo onde as oportunidades iguais para pessoas com deficiência se tornem uma conseqüência natural de políticas e leis sábias que apóiem o acesso a, e a plena inclusão, em todos os aspectos da sociedade .
É louvável saber que ainda existem pessoas em nossa sociedade preocupadas com a inclusão de pessoas com deficiência, e que percebem que as leis e tratados, bem como as cartas pensadas e elaboradas no intuito de garantir direitos a alguns setores, até o presente momento estão longe de serem cumpridas totalmente. Ou seja, isso as coloca em alerta, pois sabem que vivem em um mundo onde o direito à liberdade e à acessibilidade dos deficientes está longe de ser garantido na prática, o que exige que a luta continue. Portanto, existem seres humanos capazes de perceber, entender e aceitar que esses tipos de direito devem ser assegurados, e lutam por eles, pelo direito e a oportunidade de participação, contribuição e interação dos deficientes na sociedade em que vivem e que dela são parte.
Pensando nessas possibilidades, faço algumas indagações: quando assegurados alguns desses direitos, será que eles são exercidos sem qualquer tipo de constrangimento? É preciso que eles deixem de serem letras de leis, que saiam do âmbito da teoria e passem a ser exercidos, de fato, na prática, como experiência humana, pelos deficientes. Talvez, com o tempo, as respostas venham, ainda que vagarosamente, como tem acontecido até aqui. Enquanto isso, precisamos unir forças para pressionar nossos políticos, responsáveis como nossos representantes, pelas leis que são feitas, para que elas se concretizem no nosso cotidiano. Pressionar também aqueles que são responsáveis pelo cumprimento das leis, bem como os setores responsáveis por fiscalizá-las, para ver se de fato elas estão se tornando parte do dia a dia dos deficientes. É preciso fazer valer o que já foi estabelecido legalmente, e avançar ainda mais. Não se pode aceitar qualquer tipo de argumento usado na tentativa de nos calar, visto que os nossos votos – somos eleitores - e aqui me refiro aos deficientes de um modo geral – também asseguram que os políticos, por exemplo, conquistem mandatos e exerçam funções públicas. Portanto, é preciso influenciá-los e pressioná-los no exercício de suas representatividades político-sociais.
No Brasil, a Política Nacional de Educação Especial com vistas a uma Educação Inclusiva, ampara-se na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada pela ONU
(...) e da qual o Brasil é signatário, estabelece que os Estados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão, adotando medidas para garantir que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência (...). Neste mesmo ano, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva, dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educação básica, temáticas relativas às pessoas com deficiência e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e permanência na educação superior. Em 2007, é lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, reafirmado pela Agenda Social, tendo como eixos a formação de professores para a educação especial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso e a permanência das pessoas com deficiência na educação superior e o monitoramento do acesso à escola dos favorecidos pelo Beneficio de Prestação Continuada – BPC. No documento do MEC, Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas é reafirmada a visão que busca superar a oposição entre educação regular e educação especial. Contrariando a concepção sistêmica da transversalidade da educação especial nos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino, a educação não se estruturou na perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades educacionais especiais, limitando, o cumprimento do princípio constitucional que prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09). Para a implementação do PDE é publicado o Decreto nº 6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do Compromisso Todos pela Educação, a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas escolas públicas .
No nosso país, a cada dia que passa, ouve-se falar mais em educação inclusiva, especialmente na Educação Básica. Na Educação Superior, posso falar um pouco sobre a minha própria experiência, como estudante que fui no Campus Universitário de Rondonópolis, da Universidade Federal de Mato Grosso. Como tal, venho observando alguns avanços no sentido de garantir ao deficiente o direito à inclusão e à acessibilidade, entre os quais estão:
• algumas rampas de acesso, embora muitas delas, dependendo do tipo de deficiência, sejam desproporcionais à necessidade de quem as utiliza – como é o caso dos cadeirantes – pois as mesmas são inclinadas, causando uma insegurança aos mesmos, assim como ao condutor, quando é o caso. Dessa forma, poderá acontecer de o próprio cadeirante, ao subir a rampa, perder o controle da cadeira, vindo a acidentar-se. Pode acontecer o mesmo ao condutor do cadeirante, o que, certamente, causaria à Instituição um certo desconforto pelos danos sofridos por essas pessoas. Incoerências que em grande parte acredito que já tenham sido corrigidas;
• sistema de bolsas - vejo como uma ação inclusiva o sistema de bolsas para os estudantes financeiramente desprotegidos. Ainda assim, é preciso que ela seja melhor pensada: uma bolsa especial para os deficientes físicos, que considere múltiplas necessidades: financeira, o local/distância entre o lugar que vive o estudante e a Universidade, a locomoção e o acompanhamento especializado etc. Venho tentando, – vinha, pois já não faço mais parte do quadro de alunos da instituição - do meu modo, ao longo dos quatro anos que estive na UFMT, sugerir a criação de uma bolsa específica. No entanto, a morosidade ou a falta de interesse por parte dos que estão “no topo da montanha”, que não veem essa necessidade, tem sido um impedimento a uma ação institucional que queira, de fato, promover a inclusão de estudantes deficientes. Portanto, mais uma vez, registro como contribuição essa minha sugestão;
• disciplina de Libras - a exigência por parte do MEC, da inserção da disciplina de Libras nas grades curriculares dos cursos de graduação, nas licenciatura de maneira particular – que inclui o curso de Licenciatura Plena em História – é uma decisão que contribui, a meu ver, de duas formas aos deficientes: à inclusão de estudantes com deficiências auditivas e vocais (surdos e mudos), e para a formação dos mesmos e também dos ditos “normais”, qualificando-os ainda mais para o exercício de suas práticas didático-pedagógicas nas escolas. Penso que com ela estaremos mais preparados para lidar com a diversidade que possivelmente encontraremos pela frente. Assim, poderemos contribuir para que se dê um salto qualitativo no quesito educação, pelas nossas práticas docentes, para as quais nos habilitamos melhor. Inclusive, preparando-nos para trabalhar com alunos deficientes em outros níveis de ensino.
No que diz respeito à Educação Especial, durante muito tempo
(...) perdurou o entendimento de que (...) organizada de forma paralela à educação comum, seria a forma mais apropriada para o atendimento de alunos que apresentavam deficiência ou que não se adequassem à estrutura rígida dos sistemas de ensino. Essa concepção exerceu impacto duradouro na história da educação especial, resultando em práticas que enfatizavam os aspectos relacionados à deficiência, em contraposição à sua dimensão pedagógica. O desenvolvimento de estudos no campo da educação e dos direitos humanos vêm modificando os conceitos, as legislações, as práticas educacionais e de gestão, indicando a necessidade de se promover uma reestruturação das escolas de ensino regular e da educação especial. Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras” (BRASIL, 2006, p. 330). O conceito de necessidades educacionais especiais, que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa Declaração, ressalta a interação das características individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização de sistemas educacionais inclusivos, que garanta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo. Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular, promovendo o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. A educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas. Os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser contextualizados, não se esgotando na mera especificação ou categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os alunos. A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse .
O fragmento acima citado permite fazer algumas ponderações. Primeira: à luz das discussões mais recentes, pode-se dizer que, por muito tempo, maneiras inadequadas foram concebidas e utilizadas pela escola com vistas ao desenvolvimento intelectual de pessoas com deficiência. Pensando a educação inclusiva como processo formativo de pessoas com alguma deficiência, bem como a preparação de profissionais adequados para lidar com esse desafio, percebe-se atualmente, uma preocupação nova, no sentido de formar pessoas com deficiência, embora as ações precisem avançar mais. Ou seja, nos diferentes níveis de ensino já se adota uma prática em que estudantes com deficiência compõem turmas comuns, com estudantes que não a apresentam. Por outro lado, boa parte das escolas vem lutando e conquistando espaços adequados, com equipamentos necessários, para que o estudante com deficiência receba outros tipos de estímulo e de apoio, quando estes se fazem necessário. No Campus Rondonópolis/UFMT essa conquista ainda não foi feita. Quando muito, por iniciativa pessoal, alguns professores dão uma atenção complementar aos estudantes com deficiência.
Ao se promover uma educação inclusiva, ela não pode ser vista como uma maneira de “pagar uma dívida” para essa parcela da sociedade, que ficou por muito tempo à margem da educação: os deficientes. É que já se tem claro as possibilidades que a educação inclusiva permite, tanto em relação aos estudantes “normais”, como em relação àqueles que têm algum tipo de deficiência. Sim, é possível “extrair diamante na imensidão da areia de uma praia”: aos deficientes basta garantir que eles tenham as condições necessárias para que possam se desenvolver intelectualmente, que em todos os setores da sociedade eles poderão atuar. Cada vez ficam mais óbvios o potencial e a capacidade que poderão ser desenvolvidos por pessoas deficientes na relação que estabelecem com o “outro”, com aquele que não tem deficiência. A este, o aprendizado será grande também. Minimamente, ele conhecerá e reconhecerá no deficiente alguém com direitos iguais aos seus, aprendendo, por outro lado, a aceitar e conviver com as diferenças.
No entanto, as notícias que chega do nosso ilegítimo gestor majoritário, tende a destruir ou invalidar todas essas conquistas. Ao passo que, anuncia em decreto que barrará as pessoas com deficiência de fazer concurso público. Mas, a indagação que faço é: a que preço vem este incoerente decreto? O que vejo a olho nu, e fica nitidamente claro com o tal decreto, é um claro retrocesso sem precedente nos nossos direitos de existir e sobreviver, conquistando a nossa independência só com os nossos esforços sem barreira e impedimento algum. E não a garantia dos direitos e conquistas já adquiridas até aqui.
Historiador e professor Joabe Tavares de Souza.
Obs: este artigo é em sua quase totalidade a primeira unidade da pesquisa que elaborei no termino da minha graduação com o titulo: Educação Superior e a inclusão de estudantes com deficiência: legislação, políticas públicas, ações institucionais e experiências vividas.