ESCOLA SEM PARTIDO É ACENO AO ATRASO
“Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. A frase atribuída a Voltaire vem sendo maltratada nesses tempos estranhos que o Brasil vive.
Em sala de aula, onde discussões naturalmente devem acontecer, a palavra sobre determinados temas é motivo de pavor. O Projeto de Lei nº 7180/14, o Escola Sem Partido, está tramitando no congresso e pretende “acabar com a doutrinação nas escolas”. Claro, o seu antigo defensor, Jair Bolsonaro, deu fôlego e força ao projeto cujo inciso VII do Artigo 1º fala em “garantir o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
PQP!
No mesmo artigo ainda tem isso: “O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero”.
Conseguem pegar o viés de censura e tosquice nisso tudo aí?
Com essa onda conservadora, iniciativas como essa aberração tendem a ganhar força. O Escola Sem Partido foi inicialmente apresentado em 2014 pelo deputado (mas que surpresa!) Flavio Bolsonaro, porém não prosperou na força da lei. No entanto, o movimento tomou corpo especialmente em 2016 com o impeachment e consequente caça às bruxas (bruxas de esquerda). Diversas assembleias legislativas tentaram passar o projeto em seus estados. Alguns passaram e o STF julgou inconstitucional. Claro, ora, a própria constituição garante em seu artigo 206 "a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Ou seja, é utópico querer limitar assuntos políticos, sexuais, religiosos e demais pautas que possam ser julgadas polêmicas. O professor não é mais a única fonte de informação para um aluno, que, de forma exponencial, está mais munido e confiante para discordar do mestre. E obviamente isso é maravilhoso!
Com o assunto pegando fogo, grupos de whatsapp de pais de alunos fomentam uma ridícula vigilância. Pais, cidadãos de bem (óbvio), exigem que os professores parem de falar do marxismo e do paulo-freirismo nas salas de aula. Políticos simpáticos ao Escola Sem Partido estimulam em suas redes sociais alunos a gravarem professores que estejam fazendo a tal doutrinação. Olha o tamanho da merda.
Como eu li num comentário de uma matéria, o que se prega na realidade é o "Escola sem (o seu) Partido".
Entretanto, não se pode negar a existência de professores que são mais militantes partidários do que educadores. E, sim, isso está errado. Como também está errada a noção de que isso é uma regra, como se só tivéssemos professores esquerdistas doutrinadores. Com base em fofocas e caso isolados, não se pode ter uma ideia precisa da situação.
As informações no ambiente escolar são questionadas. Os alunos de hoje em dia não são uma folha em branco, como pregam os defensores do projeto. Fala-se tanto que os professores perderam a autoridade em sala de aula, mas ao mesmo tempo querem acabar de vez com qualquer tipo de respeito ao docente, que deve apenas abordar assuntos que esteja de acordo com as convicções de parte das famílias brasileiras. Sim, parte, porque não são todas que têm a cabeça nos anos 60.
Eu confesso que cheguei a me manifestar a favor do projeto no calor das graves dos professores, em 2015, aqui no Paraná. Tinha meus motivos e estava tomado por um escárnio pela guerra sindical contra o governo. Mas eu estava errado. Misturei alhos com bugalhos.
Recorro à frase do Voltaire no início do texto e abomino a robotização dos professores e, consequentemente, dos alunos. Pais querem blindar os filhos. Sala de aula é local de discussões amplas e sem as amarras do seio familiar. Afinal, a escola é o corredor para os desafios do mundo, com todo o tipo de pensamento. Os eventuais excessos por parte de professores devem ser tratados de forma isolada, sem transformar isso em uma censura nacional com traços ditatoriais.