A LITERATURA MARANHENSE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
RESUMO
Este artigo traz reflexões acerca da importância do trabalho docente com textos literários, tendo em vista que eles são comumente colocados em segundo plano nas salas de aula, priorizando as aulas de gramática, fazendo a separação entre essas disciplinas. Por isso, o ensino não se integraliza, apresentando falhas e lacunas que refletem na deficiência sociocultural e econômica do país. Isso acontece porque tais práticas não promovem o desenvolvimento das competências crítica, criativa e discursiva dos alunos, mas primam pelo processo de memorização de terminologias. Resultado da aplicação de um projeto de extensão da Universidade Estadual do Maranhão em um bairro de São Luís – MA, Coroadinho, a proposta objetivou: introduzir a Literatura Maranhense nas escolas comunitárias desse Polo, já assistido pela rede leitora, recortando-se a riqueza infantil e lendária que lhe são peculiares. A proposta buscou proporcionar aos professores do ensino fundamental o aprimoramento de suas práticas e atividades com o texto literário de autores maranhenses, por meio de estratégias de leituras textuais, fílmicas, leitura de paradidáticos e textos literários, tendo como subsídios estudos de textos teóricos, tencionando elevar o conhecimento científico e da pesquisa sobre as narrativas literárias. A escolha por obras que compõem a literatura do Maranhão decorreu de uma constante inquietação pela escassez dessas literaturas nas escolas da Grande São Luís, em quase sua totalidade. Os impactos que a pesquisa causou foram promissores: houve melhorias nas ações pedagógicas, realizações de novos projetos nas escolas ludovicensses, envolvendo o uso de textos do acervo literário da terra, manifestações culturais, dentre outros.
Palavras-chave: Formação, Docência, Literatura maranhense, Lendas.
INTRODUÇÃO
É incontestável que a leitura é uma atividade indispensável ao ser humano e, portanto, ao progresso da sociedade, pois desenvolve a reflexão, a criatividade, a postura crítica ante as arbitrariedades sociais políticas e econômicas. A leitura desperta a sensibilidade, proporciona conhecimento e possibilita mudanças expressivas na vida de um leitor consciente e, consequentemente, na sociedade. Logo, é de suma importância a realização de atividades que priorizem essa prática.
Prática que se torna ainda mais prazerosa e relevante quando se utilizam textos que contam histórias maravilhosas que falam de seres sobrenaturais, como deuses, monstros, duendes, fadas, ogros, materiais constitutivos das lendas e dos mitos. Em todas as partes do mundo há um acervo rico dessas narrações, e no Brasil não é diferente. A presença das lendas e dos mitos é forte, marcante, peculiar e comum, tanto na modalidade oral quanto nos registros escritos. Em outras palavras, a diversidade cultural é uma característica notável e reconhecida deste país, que dispõe de um acervo numeroso, peculiar de cada região, fruto de heranças folclóricas e literárias, ricamente adornadas pela miscigenação de raças e etnias.
Conforme Cascudo (1976) citado por Brito (2015, p. 60): “cultura popular e folclore, de maneira generalizada, representam aspectos culturais próprios da região, na qual são construídos e difundidos.” Por isso, conhecer a cultura de um povo é reconhecer nela seus costumes, suas expressões, rituais, vivências, suas marcas singulares, seu patrimônio imaterial, “espelhos da própria identidade, os quais permitem entender suas crenças e concepções de mundo”.
Isto posto, a finalidade aqui foi adentrar na cultura popular do Maranhão e conhecer suas crenças, sua literatura, suas lendas e seus mitos. Além disso, teve-se por expectativas: favorecer olhares mais atentos para o uso de textos literários, impulsionar a criatividade, sensibilizar, motivar e valorizar a comunidade beneficente, ajudar no reparo à escassez da literatura maranhense nas escolas, colaborar para a qualificação dos professores, além de cooperar para o aperfeiçoamento do ensino.
METODOLOGIA
Quanto à metodologia, foram realizadas atividades divididas por etapas, as quais foram executadas aos sábados, no CEPC (Centro Educacional e Profissional do Coroadinho). Os encontros contaram com a participação da Rede Leitora desse bairro (clientela formada por professores da educação infantil e do ensino fundamental), onde se operavam exercícios de leitura, pesquisa, investigação, discussão e produção artística.
Para a pesquisa, foram selecionadas as obras de Lenita Estrela de Sá, A filha de Pai Francisco, escolhida como obra central para a execução deste projeto, e a coleção Passeios pela história e cultura do Maranhão do escritor Wilson Marques, as quais sugerem propostas de trabalho com as lendas, sobretudo as maranhenses. Ademais, escolheu-se para subsidiar o estudo As lendas brasileiras, de Luís da Câmara Cascudo, a Literatura Infantil: teoria-análise-didática, de Nelly Novaes Coelho, bem como a Língua e literatura: ensino e pesquisa, das organizadoras: Alice Cunha de Freitas e Maria de Fátima Castro etc.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O exercício da leitura é essencial para a descoberta de mundos e para melhorar as relações entre os indivíduos. O ato de ler vai além da decodificação de símbolos gráficos e a sonorização deles; é também uma maneira de se compreender a realidade; é ação de “abertura para o mundo”, haja vista que linguagem e realidade são inerentes no processo de percepção do mundo. Freire afirma que:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1992, p. 11-12)
Para se desenvolver individualmente, o homem precisa internalizar sua cultura, o que é possível através da interação com seus semelhantes, proporcionada pelo contato com textos literários que registram a identidade cultural de um povo. Segundo Libâneo (2011), “a relação dos indivíduos com a realidade tem como suporte (mediação), a representação simbólica dessa realidade compartilhada pelos membros de um grupo social.’’
A escola tem o papel de formar leitores, cujo processo ocorre por meio de momentos de leitura, construindo, dessa forma, relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre a literatura (arte) e o indivíduo, que são fundamentais para que se alcance a “formação integral (Eu +. Outro + Mundo, em harmonia dinâmica)”, segundo Nelly Novaes Coelho. Nessa perspectiva, a autora assegura ainda que: “em relação a essa formação, pode-se afirmar que a literatura é a mais importante das artes, pois sua matéria é a palavra, o pensamento, as ideias, a imaginação, - exatamente aquilo que distingue ou define a especificidade do humano”. (COELHO, 1995, p. 08)
Sabe-se, hoje, que o conceito de ler, não se atribui somente a alfabetização, uma vez que “o domínio da leitura pelo indivíduo é fenômeno que ultrapassa de muito a mera alfabetização” (COELHO, 1995, p.08), ou seja, a decodificação de símbolos gráficos já não é mais entendida como trivial obtenção de habilidade mecânica (o que se dava ao plano raso do texto), e sim como alternativa de adentrar os ‘horizontes culturais que fazem parte do mundo da escrita’. Portanto, a leitura é a porta que conduz o homem a conhecer o mundo, as memórias culturais, produzidas pelas sociedades, as ideias, histórias, pensamentos etc.
O gênero lenda
Falar de lendas é falar de história, de literatura, de cultura. É relembrar os momentos de infância, nas rodas de conversa em noite de lua cheia, com uma pitada de medo para dar veracidade aos fatos narrados. Muitos se dizem vítimas ou testemunhas das histórias sobrenaturais, em que os personagens eram/são seres estranhos, raros, cujo desejo era sempre de maldade. Mas, como esclarece Barbosa (CASCUDO, 2002, p. 7), todas as lendas existentes no mundo, “os apólogos, costumes, superstições, tudo está unido à tradição popular, fazendo parte da alma e da essência de um povo, princípio de suas aspirações, base de sua literatura”.
Sabe-se que a contação desses fatos maravilhosos fazem parte da tradição popular, pode-se dizer, considerados patrimônio imaterial da história da humanidade, pois, no panorama da cultura, há um agrupamento de exposições e manifestações de natureza intocável, os quais misturam fatos históricos, naturais e sobrenaturais, e que se exprimem nas reminiscências como preservação e na oralidade como meio de propagação. Surgem nesse conjunto imaterial os mitos e as lendas, que compõem traços característicos de um povo, fazendo parte do seu folclore. Cascudo assevera que:
Nenhuma ciência possui maior espaço de pesquisa e aproximação humana. Ciência da psicologia coletiva, cultura do geral no Homem, da tradição e do milênio na Atualidade, do heroico no cotidiano, é uma verdadeira História Normal do Povo. (CASCUDO, 2004, p. 11).
O projeto
A realização da pesquisa trouxe e continuará trazendo resultados promissores, porque proporcionou melhorias expressivas nas práticas da clientela que recebeu e da pesquisadora. Essa afirmativa se corrobora com as atividades desenvolvidas nas escolas comunitárias do Coroadinho, bem como nos trabalhos produzidos pelos professores do ensino fundamental. Atividades como café literário, projetos de leitura, envolvendo obras da literatura maranhense, projetos que estão sendo articulados para ampliação da biblioteca, tanto na área física quanto no acervo, de modo a possuir maior número de obras de autores maranhenses, movimentos culturais, manifestações artísticas, trabalhos com textos literários, contação de histórias, atividades realizadas na biblioteca etc. Além disso, o CEPC foi contemplado com uma palestra da escritora Lenita Estrela de Sá, e com a doação de uma coleção de livros de Wilson Marques.
Ademais, um projeto similar a este aconteceu com os alunos de uma escola pública de São Luís – MA, aplicado pelo curso de pedagogia da UFMA, por influência de uma das alunas que participou do projeto, e também cursa pedagogia na instituição referida.
O CEPC se reuniu, após a realização do projeto, para planejar outras atividades voltadas para o uso habitual de textos literários, e na busca do uso de estratégias adequadas de trabalhar com a literatura maranhense. Colocou em pauta futuros projetos de reconhecimento da literatura e cultura do Maranhão, além da prática frequente de visitação à biblioteca. Realizou, ainda, uma roda de conversa, intitulada “Mitos e lendas maranhenses,” com os alunos do ensino fundamental I, da Escola Crescimento (Calhau) e do ensino fundamental II, do Crescimento (Renascença). Além disso, o CEPC iniciará um projeto de leitura e análise das obras de Lenita, incluindo A Filha de Pai Francisco, com duração de um ano.
A cada etapa concluída, teve-se a certeza de que o entusiasmo e o desenvolvimento das alunas/professoras refletiam na melhoria do trabalho com seus alunos, bem como quanto ao contato com os textos literários de autoria maranhense.
CONCLUSÃO
As falhas no processo de ensino/aprendizagem vêm sendo causadas pela carência de leitura e, talvez, pelo uso inadequado de textos literários, um trabalho de forma adequada e prazerosa como a literatura, enquanto arte, pode proporcionar. Há, ainda, uma urgente necessidade de inclusão da literatura produzida por maranhenses nas escolas do Maranhão, como instrumento auxiliador no processo de formação de leitores críticos.
O trabalho com os textos literários se torna ainda mais significativo quando durante a formação do pequeno leitor, que, gradativamente, vai se aprofundando no conhecimento do mundo do qual participa. Se assim acontecer, certamente, essa prática vai contribuir para a superação e/ou amenização dos problemas decorrentes da educação precária dos países de Terceiro Mundo, que ainda é grave, como no Brasil.
Por conseguinte, urge a adoção de políticas públicas atuantes, de diretos e ativos que aprimorem o ensino na educação infantil e fundamental. É indispensável um olhar atento e preocupado dos responsáveis pela educação, possibilitando a oferta de cursos de formação para os docentes desses níveis, cujo instrumento de trabalho, essencialmente seja a linguagem em seu discurso literário, enquanto arte que propicia prazer, reflexão, conhecimento, imaginação ampliada e criativa, para favorecer o pensamento crítico e participativo.
REFERÊNCIAS
BRITO, Fernanda Carvalho. Inventário Histórico Cultural de Mitos e Lendas das Comunidades do Entorno do rio Preguiças em Barreirinhas – MA. Santa Catarina: 2015.
CASCUDO, Luís da Câmara. Lendas brasileiras. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
______. Contos Tradicionais do Brasil. 13ª ed. São Paulo: Global, 2004.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria-análise-didática. São Paulo: Ática, 1995.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler - em três artigos que se completam. 23ª ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992. (Coleção Polêmicas do nosso tempo). Disponível em - http://poemapreta.blogspot.com.br/
FREITAS, Alice Cunha de; CASTRO, Maria de Fátima; F. Guilherme de. (Org.). Língua e literatura: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2003.
LIBÂNEO, José Carlos. O essencial da didática e o trabalho de professores – em busca de novos caminhos. Goiânia, novembro de 2011.
MARQUES, Wilson. Touchê. Uma aventura em noite de São João. São Luís, 1999.
SÁ, Lenita Estrela de. A filha do Pai Francisco. São Luís: Lithograf, 2005.