QUAL A INFLUÊNCIA DA EDUCAÇÃO FORMAL PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO?
QUAL A INFLUÊNCIA DA EDUCAÇÃO FORMAL PARA
O DESENVOLVIMENTO HUMANO?
Arivaldo Leandro da Silva Monte
O presente artigo pretende refletir sobre os efeitos da educação no desenvolvimento humano, sem a pretensão de esgotar o assunto ou de dar respostas sumárias e definitivas. Assim o leitor se sentirá livre para pensar em que aspectos a humanidade avançou, para concluirmos se houve desenvolvimento e não apenas crescimento econômico. Livre para pensar como a educação escolar em uma sociedade capitalista pode ser uma contradição, mas não deixa de ser necessária. Pensar que a escolarização como aspecto essencial para o processo de democratização da sociedade ainda pode ser a melhor escolha. Para tanto, dentre outros, observaremos como fundamentação teórica norteadora as leituras de Libâneo (1990) que afirma a educação como fenômeno social e se completa nas relações sociais, econômicas e culturais. Paulo Freire (1981) em Pedagogia do oprimidoentende a educação como início de um processo para a libertação do homem e sua humanização.
Palavras – chave: Educação e desenvolvimento humano.
A pergunta exige pelo menos duas considerações sem as quais não seria possível refletir sobre a questão, assim não teremos dúvidas ao que se quer colocar e onde queremos chegar,ao teor da pergunta.
Consideremos em primeiro lugar a educação nos dias de hoje em alguns de seus aspectos ideológicos: sua sistematização e legitimação. Não trataremos de uma etimologia da educação já há muito discutida no meio acadêmico, apenas nos firmaremos em alguns pensamentos norteadores e consagrados pela literatura afim de dar provimento as nossas reflexões sobre a questão apresentada, sem a devida intenção de analisar todo o assunto em seus diversos aspectos e características.
Educação, um paradoxo?
Desde as épocas mais remotas, a ação de educar esteve vinculada às tradições dos povos ou comunidades, à religião e aos rituais, às necessidades práticas, aos mitos e lendas de uma geração ou época. Mas, a educação como atividade planejada e intencional é algo relativamente recente na História. Os teóricos da área costumam concordar em situar o “surgimento” da Didática como disciplina no século XVII.
Na chamada Antigüidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. (LIBÂNEO, 1990, p. 57).
A sistematização com intenção pedagógica transforma a escola em uma instituição dividida em níveis, considerando aí as possibilidades das crianças em sua idade e ritmo. Ainda no século XVII do filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado como o protagonista do empirismo, via as crianças como tábua rasa que podiam ser preenchidas com conhecimentos a qualquer momento. A teoria didática do processo ensino/aprendizagem surge neste mesmo século com princípios e regras de ensino:
A formação da teoria didática para investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670), um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre didática, a Didática Magna. (LIBÂNEO, 1990, p. 58).
Para Libâneo (1993, p. 16) a educação, de modo geral, é uma “prática social que acontece em uma grande variedade de instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação de massa etc.)”, portanto um fenômeno social com relações políticas, econômicas e culturais. Assim também o ensino é visto como processo social indissociável da educação:
Em outras palavras, o ensino é um processo social, integrante de múltiplos processos sociais, nos quais estão implicadas dimensões políticas, ideológicas, éticas, pedagógicas, frente às quais se formulam objetivos, conteúdos e métodos conforme opções assumidas pelo educador, cuja realização está na dependência de condições, seja aquelas que o educador já encontra seja as que ele precisa transformar ou criar. (LIBÂNEO, 1990, p. 57)
Para Paulo Freire (1981, p. 29) a educação é vista como prática da liberdade do ser humano e tem uma função humanizadora.Colocam-se aí as relações saber/poder em detrimento das relações democráticas e das transformações sociais, surge então a ideia de uma educação libertadora e autônoma, uma tomada de consciência plena do sujeito. Com isso o educador pretendia chamar a atenção para a nossa convivência cheia de contradições, dando a impressão de que vivemos em épocas diferentes:
Minha terra é a coexistência dramática de tempos díspares, confundindo-se no mesmo espaço geográfico – atraso, miséria, pobreza, fome, tradicionalismo, consciência mágica, autoritarismo, democracia, modernidade e pós-modernidade. O professor que na Universidade discute a educação e a pós-modernidade é o mesmo que convive com a dura realidade de dezenas de milhões de homens e de mulheres que morrem de fome (FREIRE,1995, p. 26).
Isso nos leva a crer que o professor pode estar se submetendo a um processo ensino/aprendizagem contraditório e paradoxal, frustrante para ele e para o seu aluno. Em outras palavras, sabe o professor que o sistema de educação ao qual se submete é o mesmo que serve de instrumento de perpetuação ao sistema capitalista e globalizante, que tenta a todo custo legitimar e reproduzir as ideologias vigentes. Como posso então falar de respeito às diversidades pluriculturais se trabalho para manter e divulgar um sistema hegemônico que não respeita as diferenças e divide a sociedade em classes? Mas essa relação pode ser dialética e a recíproca verdadeira ao passo em que, os instrumentos usados para favorecer um sistema também podem ajudar a favorecer o outro lado da questão.
No Relatório Mundial da UNESCO de 2009, em seu capítulo 4 encontramos a seguinte observação sobre a educação:
Considerada habitualmente sob o ângulo datransmissão de conhecimentos e do desenvolvimento de conceitos, muitas vezes uniformizados, das competências sociais e comportamentais, a educação é também uma questão de transmissão de valores – na mesma geração, entre gerações e entre culturas. As políticas educacionais têm uma repercussão decisiva no florescimento ou no declínio da diversidade cultural e devem promover a educação pela e para a diversidade. Assim se garante o direito à educação, ao mesmo tempo em que se reconhece a diversidade das necessidades dos educandos (especialmente daqueles que pertencem a grupos minoritários, indígenas ou nômades) e a variedade dos métodos e conteúdos conexos.
A observação passa pelo reconhecimento da diversidade cultural sem o qual não seria possível uma educação justa. Mesmo assim esse reconhecimento não garante em nada que uma cultura sobrepuje outra ou mesmo que a domine em detrimento à globalização.
Mas a educação ainda passa por outros crivos que Libâneo descreve como intencional e não-intencional, formal e não-formal e de como os conteúdos da educação são definidos pelas ideologiaspolíticas predominantes.
De qual educação estamos falando, considerando-se que todas elas, de algum modo, podem ter sua parcela de influência no desenvolvimento humano? Tomaremos como referência a formal e intencional por ser sistematizada e voltada para a democratização do conhecimento – a educação escolar, dever da família e obrigação do Estado.
Paradoxalmente, a educação escolar no mundo vem, nos últimos anos, servindo aos contornos do progresso neoliberal e de um insistente positivismo cientificista, constituindo-se em mais um aspecto efusivo das dinâmicas que alargam as diferenças sociais quando deveria diminuí-las. O principal sujeito do processo foi revertido aos olhares políticos para atender às demandas do capitalismo. Assim a educação escolar passa a ter uma especial atenção, mas por razões escusas e globalizantes, muito aquém de uma transformação social equitativa e justa como observa Streckna Revista Lusófona de Educação (2009):
A educação, na sua compreensão moderna, está associada com a concepção de perfectibilidade do ser humano (Rousseau, 1995) e do processo histórico como devir, como passagem de um passado para o futuro e, nos últimos séculos, como progresso. A educação passou a ser vista como fator chave para o avanço da ciência, para a eliminação dos problemas sociais e para o funcionamento das instituições democráticas.
E mais adiante o educador tenta resumir o seu pensamento sobre a educação, citando José Martí em defesa de uma educação igualitária sem as pretensões de uma minoria:
Educar é depositar em cada homem toda a obra humana que lhe antecedeu: é fazer de cada homem o resumo do mundo vivente, até o dia em que ele vive: é pô-lo em nível de seu tempo para que flutue sobre ele e não deixa-lo debaixo de seu tempo, com o que não poderia sair a flutuar; é preparar o homem para a vida. (STRECK, 2009, p.91).
A educação escolar deveria existir para que os alunos desenvolvessem capacidades, habilidades, conceitos, valores e estudassem teorias críticas,realizando-se profissionalmente e como cidadãos. Isso é o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seus artigos primeiro e segundo.
O texto soa irônico ao revelar o que poderia ser chamado de humanismo liberal ou certa hipocrisia do Estado. Lutamos por uma transformação social mais justa e igualitária ao passo que isso implica vencer as ideologias dominantes e tecnocráticas do Estado. Ora a própria educação faz parte do organismo ideológico do Estado capitalista e dele depende para a sua permanência e manutenção. As instituições democráticas sobrevivem do capitalismo sem o qual perderiam seu discurso e identidade antagônicos ao próprio sistema de valores dominante. Vejamos o que observa a professora Faria (1989) em seu livro Ideologia no livro didático:
Como vimos numa sociedade dividida em duas classes antagônicas (a burguesia e o proletariado), pensar educação é pensar educação de classe. Como as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe que domina a sociedade, na nossa sociedade são as ideias burguesas que dominam. Então, é a educação burguesa que domina e tem o papel de conservar a realidade para garantir sua dominação. A educação na sociedade capitalista tem a escola como um dos instrumentos de sua dominação, cujo papel é reproduzir a sociedade burguesa, através da inculcação da sua ideologia e do seu credenciamento, que permite a hierarquia na produção, o que garante maior controle do processo pela classe dominante. (1989, p.7-8).
Dessa forma de educação Paulo freire já nos alertava desde 1970, ao preconizar a pedagogia do oprimido e revelar os artífices de uma educação que se fazia hegemônica. O pedagogo insistia nas formas de gestão democráticas, autonomia do sujeito, diversidade e educação libertadora.
A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto desta crítica, mantendo a ingenuidade dos educandos, o que pretende, em seu marco ideológico, (nem sempre percebido por muitos dos que a realizam) é indoutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão. (FREIRE, 1981, p. 76).
Freire ainda observa para que “não esperemos que as elites dominadoras renunciem à sua prática. Seria demasiado ingênuo esperá-lo.” (idem). Por isso a necessidade de uma educação autônoma.
Portanto,de um lado, ironicamente entende-se necessário que preservemos o discurso retórico de oposição e de esperança futura, de melhorias na educação e nas escolas, criticando uma sociedade estratificada, qual seja, a mesma que sustenta o sistema educacional e na qual depositamos nossos alunos. Do outro lado, em resposta, encontramos um governo contraditório de regime democrático,prometendo lutar para diminuir as desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que engorda o sistema capitalistacom ideias neoliberais que divide e distancia cada vez mais as classes e nos oferecem, em doses contadas, os chamados serviços sociais básicos como saúde, educação, habitação, segurança, recreação e outras precariedades.Precisamos conhecer a nossa realidade e não encobri-la aos mantos benevolentes do paternalismo. Isso acontece em praticamente todos os países do mundo, salvo algumas exceções de países europeus como a Finlândia, Dinamarca, Noruega e o Canadá nas Américas. No entanto a situação se torna mais crítica nos países emergentes.
Tomemos a realidade brasileira como exemplo. O paradoxo político talvez explique os trinta milhões de analfabetos funcionais que existem no Brasil e mais doze milhões e novecentos mil de analfabetos segundo pesquisa do IBGE (2011), somando-se aí quase um quarto da população brasileira.Pois não seria muito interessante que nossos jovens passassem muito tempo lendo e discutindo crítica literária, ciências epistemológicas, Sociologia, História, Filosofias e outras leituras. Provavelmente, em circunstâncias históricas, a educação poderia levar esses jovens a questionarvalores que lhes são transmitidos via sistema político predominante e assim, perceberem que ainda há espaço para a humanização, por mais que ela seja desprezada por aqueles que deveriam garantir a liberdade e a democracia.
Nesse sentido torna-se mais lucrativo investir na formação dos técnicos com retorno a curto prazo, rápido e garantido, atendendo a uma demanda que sustenta o progresso tecnológicode consumo e de subempregabilidade.
Talvez não seja interessante para as potências mundiais que o povo saiba que “500 bilhões de dólares são gastos todos os anos em ogivas nucleares e que apenas cinco por cento de tudo isso poderia reduzir drasticamente a miséria no chamado Terceiro Mundo.” (EAGLETON, 2006, p. 293). Talvez não seja interessante um país onde a sociedade é mais criticamente esclarecida, bem informada, participativa, uma sociedade que compreenda as políticas internas e externas, que dificulte os trâmites da corrupção e exija seus direitos de cidadão.
A educaçãoescolar pode ser desastrosa aos interesses legitimados, ao revelar as intenções neoliberais do Estado mínimo em estimular a concentração de renda e deixar boa parte da população no obscurantismo, mantendo uma pequena elite em “berço esplendido”.
Cidadania e autonomiasão hoje duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das quais há, freqüentemente, consenso. Essas categorias se constituem na base da nossa identidade nacional tão desejada e ainda tão longínqua, em função do arraigado individualismo tanto das nossas elites quanto das fortes corporações emergentes, ambas dependentes do Estado paternalista. (GADOTTI, 1997, p. 39).
Assim nós podemos nos perguntar: quem são os alunos que frequentam as escolas públicas ou frequentaram? Em que posição ou classe estão esses alunos se comparados com os alunos dos colégios particulares? Eles detiveram os mesmos conhecimentos, considerando suas diversidades culturais? A partir dessas reflexões, como podemos abordar o desenvolvimento humano? Ele é igual para todos ou pelo menos está dividido em sua proporcionalidade equânime?
Pressupostos sobre o desenvolvimento humano
Depois dessas breves considerações sobre a educação nos dias de hoje observemos de maneira breve o desenvolvimento humano a fim de fundamentar nosso silogismo: educação X desenvolvimento humano e finalmente a influência do primeiro sobre o segundo.
Diante dessa perplexidade da educação o desenvolvimento humano surge como alma transformadora da sociedade, visto a olhos nus ao que se refere a um positivismo comtiano e à consolidação das elites de espírito materialista. Mas afinal, o que é desenvolvimento humano?Muitas vezes confundido com a inteligência cognitiva que nossos ancestrais homens de Neandertal não tinham a cerca de 300.000 mil anos, e aíteríamos que falar no evolucionismo darwiniano.Noprogresso tecnológico das telecomunicações, da robótica ou da física quântica; com os avanços da ciência e da medicina que nos deu a capacidade de vivermos mais. As descobertasda genética, as contribuições da história para umacivilizaçãomais humana. O desenvolvimento humano pode ser visto até mesmo nas riquezas de um país. Ou seria o encadeamento de tudo isso à sociedade civilizada?
Bom, é certo que não jogamos mais nossos filhos deficientes nos precipícios das montanhas como na antiga Grécia. Também não sacrificamos mais humanos para os deuses. Não encarceramos mais os nossos doentes mentais em quartos escuros até a morte como há dois séculos atrás. Acabamos com a escravidão humana oficializada. Também não matamos mais judeus em câmara de gás. O muro de Berlim foi derrubado. Comunistas e capitalistas são parceiros comerciais. Negros e brancos convivem pacificamente em boa parte do mundo, mas no Brasil os negros precisam de cotas para estudar em uma Universidade porque os brancos é que governam. Em quase todos os países as religiões se toleram e convivem no mesmo espaço. O Oriente Médio ainda se mantém conservador, mas é na Irlanda, um país europeu, que católicos e protestantes se apedrejam em bairros e escolas separadas. Gays e lésbicas não são mais considerados doentes ou desvio de caráter e sim uma opção sexual. O preconceito virou uma vergonha, mas não foi extinto. E o que dizem nossos cientistas e teóricos sobre o desenvolvimento?
Para Jean Piageto desenvolvimento humano se faz através de uma sequência de estágios, que se sucedem na mesmaordem em todos os indivíduos. E todas as pessoas, desde que tenham um desenvolvimento normal, passam por estas fases, na mesma ordem: maturação, experiências, ambiente social e equilibração. (citado por CÓRIA-SABINI, 1986, p. 59).Piaget entende o desenvolvimento como a busca de um equilíbrio superior, como um processo de equilibração constante. Desse modo o desenvolvimento humano se faz físico e mental em uma relação epistemológica: “implica uma série de estruturas progressivamente construídas através da contínua interação entre o sujeito e seu meio ambiente.” (idem). Mas os estudos de Piaget, embora de relevante contribuição para a compreensão do desenvolvimento humano, seus objetivos só nos levam até a fase da adolescência e ao que se relaciona prioritariamente ao desenvolvimento cognitivo.
Do ponto de vista da educação filosófica, um grande avanço é dado para o desenvolvimento humano no período pré-socrático ou cosmológico ainda no século VII a. C. quando a filosofia se ocupava fundamentalmente com a origem do mundo e as causas da transformação da natureza.Perguntava-se “o que é o mundo?”, “o que são as coisas?” com o passar do tempo essa pergunta passou a ser formulada da seguinte maneira: “o que é o ser?”. Foi a partir desse momento que a Filosofia tornou-se ontológica . Todavia, ressalta-se que, convencionalmente, adivisão entre História e Pré-história tem como marco a invenção da escrita, ocorrida por volta do ano 4000 a.C. Essa invenção deu grande salto no desenvolvimento humano, permitindo um avanço substancial na memória coletiva. Foram criados documentos monumentos, obeliscos, registros, arquivos e bibliotecas pelo mundo.O conhecimento deixava de pertencer apenas a uma pequena elite oligárquica e começava a se espalhar pelo mundo.
Mas sem dúvida alguma foi durante a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII que pudemos observar um rápido progresso técnico. As fábricas propiciaram uma aceleração no ritmo da produção e modificaram as formas de comércio e agricultura. Neste período a sociedade sofreu grandes transformações, deixou de ser rural e passou a ser urbana, e o trabalho artesanal transformou-se em assalariado na organização fabril. Também foram acentuadas, a divisão do trabalho, e a distância entre classes sociais. A ciência, o progresso, a razão, são novas palavras de ordem defendidas pela classe dominante como égide de conquistas da produção industrial – era o século das luzes.
As ideias de John Locke sobre o liberalismo se espalham pelaEuropa e pelo mundo novo.Jean Jacques Rousseau e seu discurso sobre a origem da desigualdadeentre os homens. Immanuel Kant (1724-1804)com suas obras: Crítica da razão pura e Crítica da razão prática –Tem o conhecimento humano como síntese da experiência e da razão. Montesquieu publicou as Cartas Persas(1721) e O espírito das Leis (1748). Voltaire publicou Cartas filosóficasonde elogiava a liberdade inglesa e atacava o absolutismo. Diderot foi o responsável pela organização da grande Enciclopédia com 35 volumes, publicada entre 1751 e 1752. O economista Adam Smith publicou A riqueza das nações (1765) onde considerava o trabalho como fonte de toda riqueza.
Foi nesta mesma época que o homem conheceu um de seus maiores problemas. Com o excesso de produção, as máquinas ficavam, durante algum tempo, paradas sem matéria prima para trabalhar, surge então um problema social – o desemprego. Pois até então o homem não havia se dado conta que, com o advento da maquinofatura, estava ele separado dos meios de produção. Não possuíam mais os instrumentos com os quais fabricavam seus produtos. Isso gerou a primeira revolta dos trabalhadores do campo, inconformados por perderem seu único ofício para as máquinas.
Mesmo assim muita coisa se inventou nesse período desde a máquina calculadora em 1623 por Wilhelm Schickard. James Watt desenvolveu a máquina a vapor (1765). Eli Whitney inventou uma máquina para desencaroçar o algodão (1793). O físico italiano Alessandro Volta desenvolveu a primeira bateria (1800).
Porém o esclarecimento pode ser doloroso. Imbuídos de sentimento de liberdade, fraternidade e igualdade o povo reclamou os seus direitos o que culminou em um dos momentos mais importantes desse período: a Revolução francesa (1789), logo após a revolução que se iniciara na América do Norte, depois disso vários outros países fizeram suas revoluções, colocando por terra o regime monárquico ditatorial e em muitos destes se implantou a democracia. Mas todos os movimentos foram liderados pela burguesia por isso pouca coisa mudou para o trabalhador.
E no século seguinte Samuel Morse criou e registrou a patente do telégrafo (1837),acelerando os meios de comunicação. Alexander Graham Bell inventou o telefone (1876), e as distâncias se encurtaram ainda mais. Thomas Alva Edison e Joseph Swan inventaram a lâmpada elétrica (1879) e a energia eletrica move o mundo. Podemos dizer que era o apogeu da Revolução Industrial. O desenvolvimento científico e tecnológico marcaram profundas transformações na vida, na arte e principalmente na maneira de pensar. Com isso veio a explosão da massa trabalhadora, provocando um inchaço urbano e antecipando os nossos tempos.
As ideias cartesianas e do positivismo comtiano dominaram as elites burguesas, provocando sua elevação e ascensão social em todas as esferas do governo, mas a grande massa trabalhadora pouco ou quase nada aproveitou desse desenvolvimento científico, trabalhavam em regime de escravidão: 14 horas por dia e viviam tumultuados em cubículos, homens, mulheres e crianças, todos eram escravos do capitalismo selvagem. A promiscuidade e a doença eram comuns nas famílias dos proletários e a doença e a morte um convidado constante e assustador. Foi dentro dessa atmosfera que Karl Marx (1818-1883) auxiliado por Engels, publicou o manifesto comunista, dando origem ao socialismo científico, imaginando uma sociedade igualitária, sem divisão de classes, sem fome e sem pobreza.Neste mesmo século o Brasil colocava fim ao tráfico negreiro e à escravidão.
Mas tarde, no século XX, todo esse esclarecimento não evitou a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial onde aproximadamente 80 milhões de pessoas morreram. Não foram computados os mutilados e inválidos.
Mesmo assim podemos dizer que avançamos um pouco com a descoberta da penicilina em 1928 por Alexander Fleming. Daí por diante o homem conheceu grande desenvolvimento científico, na astronomia, conquistou a lua.Na medicina o homem decifrou o genoma e fez transplantes de órgãos, na tecnologia o homem inventou o computador.A educação passou a ser direito de todos e não apenas da burguesia. Na jurisprudência todos os homens são iguais perante a lei. Iguais? Nem tanto. Em outubro de 2005 o relator da ONU informa:
Mais de dois milhões de pessoas morrem de fome a cada dia, mais do que pela malária, a aids e a tuberculose juntas, segundo o relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, Jean Ziegler. Em 2003, 841 milhões de pessoas morreram de fome. No ano seguinte, em vez de diminuir, como nos comprometemos com os Objetivos do Milênio, esse número aumentou em mais 11 milhões, destacou Ziegler numa entrevista coletiva.
Enquanto isso os países produtores desperdiçam metade do alimento que produzem em todo o mundo segundo relatório de uma organização britânica FAO:
De acordo com o relatório, o equivalente a entre 30% e 50% dos alimentos produzidos no mundo por ano, ou seja, entre 1,2 bilhão e 2 bilhões de toneladas, nunca são ingeridos. Além disso, nos Estados Unidos e na Europa, metade da comida que é comprada acaba sendo jogada fora.
Essa superprodução para uma demanda de quase 7 bilhões de pessoas acaba gerando sérias consequências no planeta: poluição do ar, poluição dos rios, buraco na camada de Ozônio, derretimento das geleiras polares, desmatamento desenfreado,provocando a desertificação e modificando o clima das regiões.
Para o sociólogo Pérsio Santos de Oliveira (1996), não é suficiente produzir riquezas se ela não tem uma distribuição equitativa, capaz de provocar alterações positivas na vida de todas as pessoas, diminuindo assim, as diferenças sociais que estigmatizam o povo:
O verdadeiro processo de desenvolvimento consiste na transformação qualitativa da sociedade, na mudança de suas características. Para que haja desenvolvimento é necessário que se verifiquem alterações profundas na distribuição de renda, nas condições de higiene e saúde da população, nas condições de emprego, na propriedade da terra, no acesso à educação etc. Enfim, é necessário que exista uma participação de todos na riqueza produzida e não apenas um crescimento dessa riqueza. (p. 159).
Podemos concluir através das palavras do sociólogo que desenvolvimento humano pode ser aquele que coloca o ser humano no centro dos acontecimentoscomo verdadeiro protagonista das transformações sociais.Este, por sua vez, promove o potencial do indivíduo em detrimento de suas possibilidades, resguardando o direito à liberdade de vida e expressão.
Neste ponto retornamos a nossa questão inicial: “qual a influência da educação para o desenvolvimento humano?” Na observação acima, se bem atentarmos encontraremos uma simples equação: desenvolvimento = educação. Não se conhece país algum que tenha melhorado sua qualidade de vida sem um povo educado. A renda é melhor distribuída quando melhoramos a nossa educação seja no campo ou na cidade. Em todas as áreas: primárias, secundárias ou terciárias. Precisamos de educação tanto para cuidar da terra, construir um edifício ou legislar. Desse modo a educação se faz uma necessidade básica para o ser humano sem a qual o indivíduo se compromete com uma espécie de subvida.
Considerações finais
Segundo o psicólogo Yves de La Taille ao analisar o desenvolvimento humano em uma perspectiva da psicologia moral, observa sobre o pensamento de Freud que muito daquilo que temos como valor moral é resultado de uma interação social:
Se houver a possibilidade de a humanidade caminhar para um determinado sistema moral, ela deverá ser procurada do lado das leis sociológicas, e não psicológicas. Logo, o relativismo moral parece impor-se: o sujeito assumirá a moral de sua cultura, seja ela qual for. (LA TAILLE, 2007, p. 18).
Em outras palavras nós reproduzimos em muito a herança cultural de nossos antepassados. A sociedade pode ser vista como um grande arquétipo de si mesma que reproduz seu fenótipo para manter-se viva, soberana e legitimadora. A educação é um fenômeno social responsável pela transmissão e reprodução da herança social desse fenótipo. Uma criança, por exemplo, socializa-se desde cedo, aprendendo as regras de convivência com familiares, parentes, amigos, grupos, escolas etc. Na fase adulta essa pessoa deverá repetir muito do que aprendeu durante toda a sua vida, dessa maneira a sociedade transmite a sua cultura.Desse modo, se hoje temos uma cultura alienada ao consumo, nossos filhos também terão boas chances de seguir nossos passos no futuro. Se hoje temos o costume de estragar alimentos porque compramos mais que consumimos, nossos filhos poderão fazer o mesmo no futuro. Se temos o costume de lavar a calçada com água à vontade, jorrando pela mangueira litros e mais litros desse líquido precioso, é provável que nossos filhos assim o façam.
Mas apenas com a reprodução não seríamos capazes de provocar transformação, a vida seria um ciclo repetitivo e acabado. Precisamos planejar, criar, acrescentar, inovar, fazer diferente, inventar e reinventar para que haja significativo desenvolvimento social com melhorias na qualidade de vida das pessoas. Não vejo ainda como isso possa acontecer nos dias de hoje sem uma educação sistematizada e bem planejada.A prática educativa é fundamental em todas as sociedades organizadas. E aqui não estou considerando apenas as escolas, mas todas as instituições sociais.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos. (FREIRE, 2000, p. 67).
Atualmente as discussões sobre a educação para a diversidade tornam-se cada vez mais intensas pela urgência das transformações necessárias para uma educação mais justa e democrática. Dessa forma, o desenvolvimento do sujeito deve ser visto numa dimensão histórica, socioeconômica e cultural que atenda às suas peculiaridades e respeite as diferenças. Deve acontecer baseada numa relação de autonomia do educando, ou seja, transformar sua curiosidade empírica e crítica em conhecimento criativo e consciente.
“A consciência é essa misteriosa e contraditória capacidade que tem o homem de distanciar-se das coisas para fazê-las presentes, imediatamente presentes.” (FREIRE, 1981, p. 8). Essa tomada de consciência humaniza o homem frente aos desafios impostos pela vida. Não é a adaptação que realiza o homem, mas a sua transposição de limites que o leva além do conhecimento da riqueza material. Um compromisso com o futuro da civilização. Toda a educação não terá valido à pena se os esforços despendidos não tiveram a liberdade e a humanização como fins verdadeiros do desenvolvimento da humanidade.
Restituída em sua amplitude, a consciência abre-se para a prática da liberdade: o processo de “hominização”, desde suas obscuras profundezas, vai adquirindo a translucidez de um projeto de humanização. Não é crescimento, é história: áspero esforço de superação dialética das contradições que entretecem o drama existencial da finitude humana. (FREIRE, 1981, p. 12).
Quando o homem não se sentir mais indignado com a fome no mundo e a miséria nos lixões. Quando ele não for mais capaz de ver a pobreza nos grandes centros urbanos e passar por cima das pernas dos pedintes, sem sentir repulsa ou sentimento de fazer justiça, o mundo então poderá estar condenado ao desprezo e a educação terá falhado em sua missão.Pois esta forma de violência contra a humanidade mata mais em um ano do que a soma das duas grandes guerras mundiais mataram em dez anos.
A educação promove a reflexão, a tomada de consciência, a humanização, estimula o homem a fazer sua história e ter responsabilidade sobre ela. Se por um lado criticamos os desconcertos da educação e da humanidade, por outro não podemos deixar de pensar nos avanços da civilização. A humanidade deve se sentir incomodada com as contradições do mundo porque é no desconforto que procuramos melhorar e não há outro para fazê-lo por nós. Esse incômodo é o que realiza os objetivos de novos horizontes e impulsiona a mola propulsora rumo ao desconhecido, faz o homem procurar seus próprios meios de realização.
Paulo Freire demonstra essa preocupação, que o homem forje seus próprios meios para a sua libertação:
A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que nos parece constituir o que vimos chamando de Pedagogia do Oprimido: aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. (FREIRE, 1981, p. 32).
Mas o pedagogo vê um grande problema nessa tomada de consciência, pois “como poderão os oprimidos, que hospedam ao opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação.” (FREIRE, 1981, p. 32). A resposta é exatamente a tomada de consciência dessa condição simbiótica de dependência. A partir daí o homem deixa de viver a dualidade que prepondera a vontade do opressor e passará a elaborar sua própria pedagogia.
No entanto o que poderia se dar como libertação nem sempre acontece no passo seguinte. Pois “no primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também ou subopressores.” (idem, p. 33). Mas isso acontece pela contradição existencial de experiências vividas e não lhes traz a consciência de oprimidos. Liberdade pode ser a saída desse ciclo, dessa dualidade, dessa ciranda repetitiva das angústias espirituais perenes da humanidade em superar as contradições. A tomada de consciência elimina os elementos opressores e oprimidos, é disso que Paulo Freire nos fala, de uma libertação sem dualidade.
Acredito que estamos caminhando para essa forma de libertação e que a influência da educação vem sendo fundamental para realizar o desenvolvimento humano em todos os seus aspectos aqui descritos. Não vejo outra forma, nos dias de hoje, de conscientizar, de libertar, de fazer uma democracia sem a intervenção educadora sistematizada e planejada. Isso em nada impede que trabalhemos para uma educação autêntica e autônoma num futuro próximo. Falo da educação de Paulo Freire: “A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo.” (FREIRE, 1981, p. 98).
Trinta anos se passaram desde que Paulo Freire publicou essas palavras, e nunca elas foram tão atuais. Talvez tenhamos que esperar mais trinta anos até que elas se concretizem, porque elas não representam uma maneira de ensinar, mas um modo de viver.
REFERÊNCIAS
CÓRIA–SABINI, Maria A. Psicologia aplicada à educação. São Paulo: EPU, 1986.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Ed. 6ª. São Paulo: Martins Fontes. 2006.
FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no livro didático. Ed 9ª. São Paulo: Cortez. 1989.
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