A ESCOLA BÍBLICA DOMINICAL E A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: POSSIBILIDADES EDUCATIVAS

RESUMO

O presente trabalho apresenta a Escola Bíblica Dominical (EBD) como um espaço de educação não formal que contribui para a propagação de conhecimentos específicos, referentes à Bíblia como regra de fé e prática nas igrejas protestantes, principalmente nas de matizes históricas. Aborda que os espaços de educação não formal estão presentes na sociedade e compreendem formas de ensino que promovem a identidade de cada grupo específico, onde os integrantes têm a oportunidade de se relacionarem com o diferente, exercitando a outreidade. Com o objetivo de entender a EBD como um espaço de educação não formal, desenvolveu-se uma pesquisa sobre os conceitos relacionados e a historicidade desta instituição para melhor compreensão do assunto. Além disso, foi aplicado um projeto de intervenção, previamente elaborado, na EBD de uma Igreja Presbiteriana do Sul de Minas Gerais para a corroboração da perspectiva mencionada.

Palavras-Chave: Educação não formal; Escola Bíblica Dominical; Educação; Processos Educativos.

Introdução

Desde o primeiro momento em que comecei o curso de pedagogia, venho tentando buscar uma investigação sobre os processos educativos que vivencio na Escola Bíblica Dominical (EBD). Porém, não quero aqui apresentar a minha fé pessoal, antes, minha intenção tem sido buscar uma aproximação e saber como aplicar aquilo que tenho aprendido com a pedagogia em minhas aulas na Escola Bíblica Dominical, pois ali tenho desenvolvido atividades pedagógicas que necessitam de suporte metodológico e didático, como acontece em qualquer outro lugar em que se pratique algum tipo de educação

No primeiro semestre do ano de 2016, tive contato com a disciplina Pedagogia em Ambientes não Escolares, na qual tive o conhecimento dos espaços de educação não formal na sociedade, porém muito pouco conteúdo foi abordado em relação às igrejas, instituições onde também acontece esse tipo de educação. Em virtude disso, atentei-me para o fato de que aqueles que estão de fora de uma instituição eclesiástica pouco sabem sobre a Escola Bíblica Dominical e sua estreita relação histórica com a educação.

Nesse sentido, busco apresentar a Escola Bíblica Dominical como um espaço de educação não formal, expondo, assim, suas contribuições para o desenvolvimento integral dos indivíduos que dela participam. O termo integral no presente trabalho será utilizado considerando o ser humano em sua totalidade, corpo, alma, mente, sentimentos, emoções, relações sociais etc.

Os espaços de educação não formal estão também presentes na sociedade e “as Diretrizes Curriculares para o curso de pedagogia, a partir de 2006, também expressam em seu texto que os pedagogos devem estar aptos para planejar, executar, coordenar, acompanhar e avaliar projetos e experiências educativas não escolares” (MOURÃO; MACIEL, 2012, p.17). Para isto, é importante apresentar os conceitos de educação informal, formal e não formal, pois há entre eles uma relação estreita que, por vezes, é mal-entendida ou, parafraseando Maria da Glória Gonh (2010), “usualmente são definidos por aquilo que não são, ao invés de apresentarem aquilo que são” (p.22). Gohn (2010) destaca ainda que a “educação não formal não é vista pela mídia nem pelo senso comum como educação por não se tratar de processos escolarizáveis” (p.34). Entendo que à Escola Bíblica Dominical também sofra desta mesma visão distorcida por estar associada a instituições religiosas, perdendo um importante espaço para atuação do pedagogo ou da pedagoga.

Dessa forma, apresento as origens e desenvolvimento dessa instituição que ultrapassou seu bicentenário de existência e desenvolvimento e que ainda desempenha um profundo impacto em nossa sociedade. Ensinando como seu objetivo primário a Bíblia, mas abordando assuntos atuais e relevantes na sociedade, porque, mais do que questões puramente religiosas, as EBDs têm como foco o crescimento de seus integrantes.

Compreende-se que seu surgimento está ligado a fatores sociais, pois sua proposta inicial voltava-se para aqueles que estavam fora da igreja. Seu idealizador, o jornalista Robert Raikes, sendo uma pessoa comprometida com a fé cristã protestante, tinha grande compaixão pelas crianças que caminhavam rumo à marginalização como produto de um tempo de extremas mudanças no cenário sócio econômico da Inglaterra do século XVIII. Isso o levou a desenvolver um projeto de atendimento aos menos favorecidos, uma escola que funcionaria aos domingos.

[...] o domingo para as massas era um dia de tumultos e embriaguez, ou esportes sangrentos, como brigas de gatos e de touros. Como Raikes começou a trazer moleques esfarrapados para a igreja, as pessoas ficaram espantadas e consternadas. Raikes foi considerado como "louco". (HAYES, p.46. apud SONG 2010, p.4, tradução nossa)

Raikes logrou êxito no desenvolvimento de seu projeto, beneficiando a sociedade em geral, pois ele “[...] contratou, por sua conta, um professor, que ensinava crianças que trabalhavam nas fábricas durante seis dias da semana e que aos domingos ficavam perambulando pelas ruas” (ARMISTRONG, 1994, p.74). Posteriormente o projeto ganhou notoriedade a ponto de serem arrecadadas quantias significativas para a construção de escolas dominicais.

Posto isto, busco, nas articulações realizadas entre alguns autores que já abordaram o assunto, desenvolver uma pesquisa bibliográfica para obter uma visão mais ampla a respeito da Escola Bíblica Dominical que não se restringe ao campo exclusivo da fé, ainda que, primariamente, tenha este compromisso. Entendo que a EBD ultrapassa esta perspectiva, pois contempla uma diversidade de assuntos ligados à existência humana.

Apresento, ainda, um trecho da história de uma Igreja Presbiteriana no Sul de Minas Gerais onde realizei minha intervenção e sua relação com a educação, sendo esta, fruto da atuação de homens e mulheres preocupados/preocupadas com a educação formal, como a conhecemos hoje, e também com sua fé, de forma específica. Por estar ligado a esta instituição como professor da Escola Bíblica Dominical e aspirante ao ministério pastoral, busquei aplicar um projeto de intervenção, anteriormente planejado na disciplina Seminário de Pesquisa em Educação, demonstrando a possibilidade de abordagem de temas relevantes sob uma ótica bíblica, como acontece nas Escolas Dominicais.

Em volta das educações: apresentando conceitos

Apresentar alguns termos e conceitos é importante para desenvolver uma argumentação sem entraves para maiores explicações no decorrer do texto. Entendo como necessária tal tarefa uma vez que as palavras são vivas e ao longo do tempo vão ganhando novos significados, e, consequentemente, novas perspectivas e pesquisas com vão se ampliando.

Um fator que é importante ressaltar é que não são muitas as pessoas que se deram ao trabalho de discutir e pesquisar estes conceitos, o que por si só dificulta o desenvolvimento deles. Contudo, isso não configura um empecilho, mas uma motivação para o desenvolvimento de material neste segmento. Basta uma simples pesquisa pela internet e veremos que quando se trata de educação formal, não formal e informal, o nome de maior destaque é de Maria da Gloria Gohn, pesquisadora e escritora profícua na área da sociologia. No mais, provavelmente motivadas pelos escritos da autora, outras pessoas escreveram artigos no intuito de desenvolver essa temática tão importante na atualidade, textos estes que subsidiaram o desenvolvimento deste trabalho.

Mesmo não tendo muitos livros publicados neste segmento, Gonh (2010), em suas pesquisas sobre a educação não formal, consegue estabelecer uma relação indireta com o termo em Montesquieu no século XVIII, dizendo que este já havia estabelecido uma divisão para a educação como sendo “a educação que recebemos dos pais, para nós a informal, a educação que recebemos dos mestres na escola, a formal, e a educação do mundo, para nós, parte da educação não formal, advinda da experiência” (p.12). Cabe aqui destacar a concepção de experiência para Jorge Larossa Bondía (2002) que a compreende como “aquilo que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca” (p. 2). No desenvolvimento de sua argumentação, o autor contrapõe a experiência com a informação, dizendo que pelo excesso de informação somos pobres em experiência.

Alberto Gaspar (2002), abordando educação informal, diz que “mesmo nas civilizações tidas como culturalmente avançadas, a vida cotidiana sempre exigiu muito mais do que o conhecimento dos saberes apresentados formalmente nas disciplinas escolares” (p.2), sendo, desta forma, necessário algo complementar à educação formalmente apresentada nas escolas. A concepção apresentada pelo autor é de uma educação que não tem horários, não tem um currículo a priori; é uma educação que segue o fluxo da vida e, neste sentido, é desenvolvida por meio das relações construídas e desenvolvidas pelo indivíduo dentro em sua existência. Martha Marandino et al (2004) seguem nesse mesmo sentido e entendem a “educação informal como o verdadeiro processo realizado ao longo da vida onde cada indivíduo adquire atitudes, valores, procedimentos e conhecimentos da experiência cotidiana e das influências educativas de seu meio [...]” (p.6). Em termos simples, é a experiência do sujeito em seu processo, no desenrolar de sua vida, realizando contatos e possibilitando o exercício da sua existência. Muito se assemelha ao conceito de experiência proposto Larossa (2002).

Corroboram com essas definições as palavras de Gohn (2006), que apresentam “a [educação] informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos, etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados” (p. 2). O próprio termo sugere seu entendimento, ou seja, informal, que não segue normas, que não tem as formas convencionais estabelecidas por órgãos credenciados.

Albino Aresi (1975) afirma que “a educação se inicia no âmbito informal, que é o ambiente familiar” (p.103). A família, portanto, é a primeira agência socializadora pela qual uma pessoa passa; é nesse ambiente que suas relações são iniciadas e, desta forma, cabe aos pais ou responsáveis proporcionarem-lhe um ambiente onde tenha contato com os primeiros valores a se buscar.

Já a educação formal é mais reconhecida, quer seja pelo ambiente onde se realiza, quer seja pelos agentes passivos e ativos e por seu conteúdo. O termo formal nos remete à ideia de um segmento previamente estabelecido com normas e orientações estabelecidas por órgãos competentes e credenciados para tal fim, como é o caso do Ministério da Educação e Cultura.

A educação formal se desenvolve nas escolas com conteúdo previamente definido. Os espaços na educação formal referem-se aos territórios das escolas, sendo instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas de acordo com as diretrizes nacionais. Este tipo de educação implica ambientes normatizados, com regras e padrões de comportamento previamente definidos. (MOURÃO E MACIEL 2012, p.15)

Nesse mesmo sentido, Gaspar (2002) nos informa que “a educação com reconhecimento oficial [...] é uma instituição muito antiga, cuja origem está ligada ao desenvolvimento de nossa civilização e ao acervo de conhecimentos por ela gerados” (p. 1). O objetivo deste tipo de educação, conforme Gonh (2006), é “o ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normatizados por leis, dentre os quais destacam-se o de formar o indivíduo como um cidadão ativo, desenvolver habilidades e competências várias, desenvolver a criatividade, percepção, motricidade etc.” (p.3). Sendo uma instituição validada por leis do Estado, busca-se uma formação que atenda às exigências deste e de seu povo, no intuito de cultivar e perpetuar saberes que justifiquem o investimento financeiro e as políticas estatais.

A educação não formal “[...] trata-se daquela que se aprende no mundo da vida, por meio dos processos de compartilhamento de experiências, especialmente em espaços e ações coletivas cotidianas. Ela indica um processo com variadas dimensões” (MOURÃO; MACIEL, 2012, p. 13). Esses espaços se referem a lugares onde as pessoas compartilham ideias comuns, sempre com propósitos de aprender aquilo que ali é oferecido. Há uma sintonia entre as pessoas que se envolvem nos processos educativos.

Gohn (2006) diz que “quando tratamos da educação não formal, a comparação com a educação formal é quase que automática. O termo não formal também é usado por alguns investigadores como sinônimo de informal” (p. 28). Contudo, a própria autora vai distinguir estes conceitos como sendo o primeiro uma educação sem as formalidades que se tem no ambiente escolar, que acontece por processos “de compartilhamento de experiências” (p.28) em ambientes como igrejas, presídios, em hospitais e ONGs. O segundo diz respeito a processos vivenciados sem intencionalidade no decorrer da vida. Já Moacir Gadotti (2005) entende a “educação não formal por aquilo que ela é, e não por sua diferença com a educação formal” (p. 2). Desta forma, o autor conceitua a educação não-formal como

mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem. (GADOTTI 2005, p.2)

Nesse sentido muitos obstáculos e trâmites da educação formal são superados, e Cléia Renata Teixeira de Souza (2008), relacionando a educação não formal e a escola aberta, traz uma importante reflexão ao apontar que

a concretização da educação não-formal foi um processo através de suas práticas educativas que inicialmente não levaram o crédito de educação por não seguirem padrões formais, mas que a despeito disto vem se estabelecendo em uma relação forte de ensino e aprendizado que chega a superar o ensino escolar. (p.4)

Penso que esta perspectiva de educação não formal funcione quando sua intenção for a busca por um ensino de qualidade que, por vezes, não temos no ensino escolar devido a currículos demasiadamente desnecessários e descontextualizados. A bióloga Daniela Franco Carvalho Jacobucci (2008), ao abordar as contribuições dos espaços de educação não formal para a formação da cultura científica, nos dá uma ideia da importância do assunto quando diz que

o termo “espaço não-formal” tem sido utilizado atualmente por pesquisadores em Educação, professores de diversas áreas do conhecimento e profissionais que trabalham com divulgação científica para descrever lugares, diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades educativas (p.2)

Assim, abordar tais conceitos torna-se importante para o desenvolvimento do assunto e a autora traz uma importante contribuição ao dizer que são lugares onde ocorrem processos educativos. A partir disso, amplia-se o espectro, pois há uma diversidade de espaços onde ocorrem atividades educativas. Gaspar (2002) é sucinto ao diferenciar esses tipos de educação apresentados, dizendo que “algumas, muito próximas da educação formal, definidas por muitos pesquisadores como educação não-formal, têm também disciplinas, currículos e programas, mas não oferecem graus ou diplomas oficiais” (p. 3). Além do conteúdo, que pode variar dependendo do lugar, a educação não formal tem algumas peculiaridades que possibilitam a diferenciação.

Na educação não-formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. (GONH, 2006, p.5)

Conforme pode-se perceber na construção do raciocínio a respeito destes espaços de educação não formal, uma diferença atenuante é que, ao contrário da educação formal que deveria ser imparcial, sem representação de alguma ideologia – como é o caso da escola sem partido - estes são de fato a representação de algum movimento, seja filosófico, religioso ou mesmo político, pois não são de caráter obrigatório, isto é, as pessoas que frequentam esses lugares, vão por se identificarem com aquilo que ali é ensinado.

Prosseguindo, faz-se necessário estabelecer quem é o educador no espaço de educação não formal e para isso lanço mão da abordagem de Gonh (2010), “na educação não formal, há a figura do educador social, mas o grande educador é o ‘outro’, aquele com quem interagimos ou nos integramos” (p. 17). Compreende-se, assim, que para se estabelecer uma educação neste sentido faz-se necessária a relação entre as pessoas dentro da comunidade que aqui comumente chamamos de não formal.

Processos educativos na Escola Bíblica Dominical

Como este trabalho discorre sobre a Escola Bíblica Dominical com o propósito de estabelecer sua relação com os espaços de educação não formal, é necessário apresentar um relato histórico do seu surgimento e o propósito de sua origem. Esse espaço relevante para a sociedade que não trabalha apenas com questões religiosas, mas que aborda assuntos pertinentes a diversos segmentos da vida, almejando, assim, uma educação integral. Entendo integral como um processo que diz respeito à totalidade do ser humano, compreendendo-o assim como “uma unidade psicossomática” (ARESI 1975, p.64), isto é, composto de corpo e alma que se relacionam em um único ser.

Quando se menciona a EBD como espaço de educação não formal, a concepção é generalizada, perdendo o foco ou nem mesmo sequer mencione-se essa forma de escola existente nas igrejas. No entanto, “ela configura-se como uma organização educacional caracterizada pelos ensinamentos bíblicos e pela doutrina de cada igreja protestante. A expressão dominical deve-se ao fato de acontecer aos domingos” (NASCIMENTO E BERTINATTI, 2011, p. 4). Odayr Olivetti (1986), afirma que “o principal agente de educação cristã (protestante) é a escola dominical, e que por isso é extremamente necessário que se leve a sério seu desenvolvimento em relação aos professores e materiais utilizados” (p. 13). Portanto, podemos entender a EBD como um espaço de educação dentro das igrejas protestantes, principalmente nas de matrizes históricas, que tem como objetivo a educação cristã.

Penso que esta seja uma excelente forma de entender a EBD, contudo, a intenção deste trabalho é mostrá-la como um espaço que transcende o campo da fé de uma determinada vertente do cristianismo e que está inserida na sociedade como um espaço de educação não formal trazendo contribuições significativas para a formação dos indivíduos que nela estão inseridos. Ali são trabalhados assuntos relacionados com o exercício da cidadania baseado na ética do decálogo - mais conhecido como os dez mandamentos - objetivando ordenar a sociedade e as relações entre as pessoas.

Na tentativa de estabelecer um ponto inicial dentro do contexto bíblico para a EBD, alguns buscam associar seu início aos tempos, por exemplo, de Moisés, passando pelo período dos Sacerdotes, Reis e Profetas de Israel no Antigo Testamento. Como é o caso de Antônio Gilberto da Silva (1998), que associa a EBD com as instituições de ensino tanto do Antigo como do Novo Testamento e, posteriormente, ao ensino desenvolvido pelo cristianismo em seus primórdios.

Não há certeza sobre quando e como surgiu a primeira escola dominical. Alguns traçam suas raízes até Zinzendorf, o pietista do século XVIII. Outros indicariam como fundadoras do movimento pessoas diversas, entre as quais Wesley, o fundador da Igreja Metodista, e Daughaday, ministro metodista. Parece que o conceito teve sua origem na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII. Em 1780, aproximadamente, Robert Raikes, conhecido como o “pai da escola dominical”, começou seu trabalho nesta área em Gloucester, Inglaterra. (ARMISTRONG 1994, p. 73)

Esta é a história mais conhecida entre aqueles que se dedicam às pesquisas na área. Seu fundador ou idealizador foi o jornalista Robert Raikes, de 44 anos de idade e redator do jornal Gloucester. Seu trabalho logo ampliou-se por todo país e “no ano de 1785, foi organizada, em Londres, uma sociedade direcionada para a criação de escolas dominicais” (BERTINATTI, 2011, p. 27).

Cezar Moisés Carvalho (2005) associa o início da EBD ao movimento da Reforma Protestante do século XVI, dizendo que “essa nova forma de ministrar acentuou-se com a deflagração da Reforma Protestante, em 31 de outubro de 1517, e 266 anos depois se convencionou aos domingos, o que a denominou de Escola Dominical” (p. 102). Não se pode negar o impacto da Reforma Protestante na educação, visto que Lutero, Calvino, Melanchton e vários outros reformadores trabalharam arduamente pela educação popular (EBY, 1976).

A motivação para a criação e posterior divulgação das EBDs foi a compaixão deste jornalista que, ao ver as crianças ociosas nas ruas, sentiu-se impelido a reuni-las em processos educativos utilizando, para isto, a Bíblia como livro base. Robert Raikes já tinha trabalhos com detentos na mesma cidade, o que por si só o motivou a fazer este trabalho comprometido com o futuro das crianças de seu tempo (SILVA, 1998). O que ele viu foi a possibilidade de ajudar as crianças de seu tempo a ter uma formação pessoal e intelectual para assim terem a possibilidade de um futuro melhor.

Silva (1998) apresenta ainda que, nesse tempo, nas Escolas Dominicais, “além das Escrituras, era também ministrado às crianças rudimentos de linguagem, aritmética e instrução moral e cívica” (p. 15). Pode-se dizer que a intenção do criador da EBD tinha tanto um caráter evangelístico quanto uma intenção social de ensinar às crianças conteúdos relacionados àqueles ensinados nas escolas comuns. O que se percebe é uma preocupação de caráter mais social do que necessariamente religiosa, o que é característico da educação não formal, desenvolvida em ambientes não escolares.

Apesar de ter sido amplamente divulgada e aceita por toda Inglaterra e posteriormente em outros países, a EBD enfrentou dificuldades e certas oposições, pois tinha um caráter de atendimento aos menos favorecidos.

Há evidências de processos para fechamento das escolas dominicais por pessoas que temiam os leitores, principalmente sobre o livro “O Direito do Homem”, recém-publicado de Tom Paine em 1791. Porém, logo quando perceberam as recompensas em termos de ordem na sociedade decidiram-se por mantê-las. (CLIFF 1982, p.17, tradução nossa)

É sabido que o século XVIII marca um importante período na história da humanidade, período este conhecido como Revolução Industrial na Inglaterra e, portanto, a conexão com nosso assunto em questão. Faz-se necessário falar um pouco sobre isto para uma melhor contextualização do momento de surgimento da EBD que teve como pano de fundo esse contexto histórico, político, econômico e cultural de significativas mudanças sociais. Cliff (1982) associa esse momento ao surgimento das EBDs como espaços de educação onde eram supridas as demandas das muitas crianças que, juntamente com suas famílias, migravam para os grandes centros na esperança de empregos.

Segundo Isaias Barbosa Nunes (2009), “a Revolução criou enormes concentrações urbanas na Inglaterra e oportunizou um rápido crescimento das cidades” (p. 7). O grande problema que surge neste período é a migração das pessoas das zonas rurais para os grandes centros, o que também aconteceu no Brasil e ficou conhecido como Êxodo Rural. Com essa migração para as cidades, os problemas de ordem social começaram a surgir e um destes foi o trabalho infantil, pois “o mercado de trabalho absorvia todos os braços disponíveis. As mulheres e as crianças também eram atraídas, ampliando a oferta de mão-de-obra e as jornadas de trabalho oscilavam entre 14 e 18 horas diárias” (NUNES, 2009, p. 10).

Nesses locais, homens e mulheres trabalhavam juntos, despidos da cintura para cima e muitas vezes reduzidos a um lamentável estado subumano de pura exaustão. Os mais selvagens e brutos costumes estavam presentes ali; os apetites sexuais despertados por um olhar eram satisfeitos ali mesmo naquele ambiente horrível; crianças de sete a dez anos, que jamais viam a luz do dia nos meses de inverno, eram usadas e abusadas, recebendo dos mineiros um mísero pagamento para carregar as tinas com carvão [...]. (HEILBRONER 1996, p.44)

A degradação da vida difícil a que essas crianças eram expostas contribuía para sua marginalização. Andrade (2000) faz uma importante reflexão sobre o problema na cidade de Gloucester dizendo que nela “a delinquência infantil era um problema que parecia insolúvel. Aqueles menores roubavam, viciavam-se e eram viciados; achavam-se sempre envolvidos nos piores delitos” (p. 20).

A EBD teve seu início com um propósito voltado à comunidade, ou seja, à sensibilidade ante as mazelas humanas, cumprindo sua missão em aspectos sociais; educando mesmo em espaços não formais.

A escola dominical foi organizada a partir de um espírito religioso filantrópico e cristão. Era no espírito de pensar sobre as gerações futuras, a sociedade futura e futuros seres individuais [...]. A igreja na época serviu de instrumento para essa educação. O objetivo da escola dominical não era promover o crescimento da igreja, mas, servindo como instrumento, a adesão à igreja cresceu como subproduto. (SONG, 2010, p.6, tradução nossa)

No Brasil, quase 100 anos após sua criação na Inglaterra, a primeira EBD foi iniciada por missionários protestantes que vieram dos Estados Unidos da América. Em 1855, dois missionários escoceses refugiados dos Estados Unidos fundaram a primeira Escola Dominical (ANDRADE, 2000) e uma União de Escolas Dominicais, filial da Associação Mundial de Escolas Dominicais, começou suas atividades a partir de 1921 (MATOS, 2008). Atualmente, a expansão das EBDs no Brasil é bastante perceptível, com apoio de editoras pertencentes às instituições religiosas e ampliação de materiais para públicos diversificados dentro delas.

Sobre a Escola Bíblica Dominical ser um espaço de educação formal ou não formal, se o único elemento que caracterizasse a educação formal fosse seu credenciamento pelo MEC, evidentemente o direcionamento seria mais fácil. Contudo, sabe-se que não é somente este elemento que a caracteriza como uma ou outra.

De modo geral, observamos que os participantes da Escola Bíblica Dominical sentiam dificuldades ao responder se a E.B.D. se constitui em uma educação religiosa formal ou não formal, as justificativas das respostas dos entrevistados eram semelhantes. A maioria dos participantes alegavam que a E.B.D. se consolida como uma educação formal pela infraestrutura, pela disposição das salas de aula, pelo organograma, mas, se observar pelo lado de não possuir leis governamentais que a regem, uma formação obrigatória do docente, um acompanhamento mais rigoroso dos alunos, entre outros detalhes, a E.B.D. torna-se uma educação não formal. (VASCONSELOS JR et al, 2016, p. 7)

Percebe-se, portanto, certa dificuldade em classificar a EBD, principalmente quando se seguem os padrões estabelecidos por Gonh (2010) que ao organizar os principais atributos de cada modalidade educativa, diz que “a educação não formal não é organizada por séries, ou idades, ou mesmo conteúdo” (p. 20). Alguns elementos se assemelham à educação formal, principalmente porque, ao contrário da perspectiva de que a educação não formal não possui um conteúdo a priori, a EBD tem a Bíblia como referencial em seu currículo e um dos seus objetivos é “desenvolver a capacidade física, intelectual, moral e espiritual do ser humano, tendo em vista o seu pleno desenvolvimento” (ANDRADE, 2000, p. 14).

A EBD tem uma estrutura organizacional que se assemelha à que se usa na educação formal e tem também um conteúdo a priori, fato este que é característica tanto para a educação formal quanto a não formal, pois um dos aspectos da educação não formal “é a construção da identidade coletiva do grupo, fortalecendo e contribuindo para o crescimento do capital social do grupo” (GONH, 2010, p. 20).

Dessa forma, as semelhanças são nítidas, ainda que contra algumas definições. As diferenças são também fáceis de destacar, como, por exemplo, o tempo destinado a uma e outra. Na educação formal segue-se uma média de vinte e quatro horas semanais, enquanto que na EBD apenas uma hora/aula por semana e não há obrigatoriedade na frequência. Outra peculiaridade da EBD é que, ao contrário da educação formal que termina com a conclusão de etapas, ela não tem um fim estabelecido, podendo o indivíduo frequentá-la desde a mais tenra infância até a idade mais avançada.

Como a proposta é apresentar a EBD como um espaço de educação não formal, importa destacar suas peculiaridades, pois “essa instituição, além de uma formação espiritual, consistia em observar o indivíduo como um ser inteiro e não fragmentado, desenvolvendo ao mesmo tempo uma educação moral” (BERTINATTI, 2011, p. 38).

É inegável, por sua singularidade, que a EBD se constitua como um espaço de educação não formal e essa classificação não diminuiria seu valor, pois a educação não formal tem seu espaço na sociedade e é “uma ferramenta importante no processo de formação e construção da cidadania das pessoas, em qualquer nível social ou de escolaridade” (GONH, 2010, p. 92). Portanto, à semelhança de outros lugares como os hospitais, presídios, empresas, ONGs, igrejas, a EBD funciona dentro desse último, isto é, no contexto religioso, e configura-se como um espaço de educação não formal, pois como fundamentado no artigo 1° da lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN):

A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996. LEI Nº 9.394).

Seguindo esta perspectiva, a EBD configura-se como tal espaço, proporcionando uma formação que está além de uma simples abordagem religiosa, uma vez que é sentida sua influência para além dos aspectos religiosos. Em um país com 22,2% da população considerada pelo IBGE como protestante , temos um importante espaço de educação não formal em nosso território, ainda que nem todas as Igrejas protestantes adotem esse sistema de educação.

A intervenção pedagógica em uma EBD do Sul de Minas Gerais

A Igreja Presbiteriana manteve estreitos laços com a educação. O relato abaixo é sobre uma igreja localizada em uma cidade do Sul de Minas Gerais. A igreja iniciou suas atividades como uma instituição religiosa a partir da construção de um colégio. Em 1999, comemorando seus setenta anos de existência na cidade onde está localizada, o Sr. José Bernardes de Figueiredo, respeitado membro da igreja, propôs-se a pesquisar e escrever um trecho resumido da história da instituição, onde, conforme seus registros no ano de 1916, o colégio Marista iniciou suas atividades na mesma cidade, mas fora construído com o intuito de ensinar somente homens. Esse fato deixou alguns cidadãos intrigados por saberem que as mulheres ficariam sem a devida educação.

Diante disso, em 1919, o Sr. José Justiniano de Paiva, juntamente com o professor Thomás Silva, deslocaram-se até a cidade vizinha com o propósito de, em reunião com o Rev. Dr. Samuel Gammon, conseguirem abrir um colégio que atendesse também às mulheres (FIGUEIREDO, 1999). Eles foram atendidos em seu desejo e no mesmo ano foi enviado à cidade um casal de missionários que fundou o colégio, posteriormente Escola Evangélica para o curso primário. Outros missionários da cidade vizinha também participaram da organização e funcionamento do colégio. O Colégio Evangélico encerrou suas atividades, contudo a Igreja Presbiteriana continua ativa, com seus oitenta e oito anos, tendo como fonte para evangelização e ensino a EBD, um espaço de educação não formal notório dentro da instituição que conta com diversas classes e várias pessoas dedicadas ao ensino.

Com o propósito de trabalhar este tema, coloquei em prática um projeto de intervenção na EBD, entendendo-a como um espaço de educação não formal. Desta forma, escolhi trabalhar em uma turma de adolescentes o assunto da diversidade cultural presente na sociedade, discutindo o racismo enquanto opressão social e culturalmente institucionalizada. Uma vez que muito se fala nas Igrejas sobre missões transculturais, surge, então, o problema da barreira cultural, da etnia, dos costumes e tantos outros assuntos que são muitas vezes considerados como problemas sociais. Gonh (2010) elenca algumas características que a educação não formal pode atingir, como sendo

1-Aprende-se a conviver com o outro e com a diversidade. Socializa-se com o respeito mútuo. 2- Adaptação do grupo a diferentes culturas, do indivíduo em relação ao outro, trabalha o “estranhamento”. 3- Construção da identidade coletiva do grupo. 4- Balizamento de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente. (p.44)

Foi utilizando esta forma de ver a educação não formal que desenvolvi a intervenção. Dentro das temáticas de diversidades culturais, decidi por abordar o racismo enquanto opressão, mostrando o impacto que pode causar e utilizando como exemplo dois casos extremos ocorridos na história. Foram apresentados o caso de Hitler e a eugenia que guiava o Nazismo e o do jovem Jesse Owens que, nos Jogos Olímpicos na Alemanha em 1936, enfrentou o racismo de um tirano que procurava demonstrar a superioridade de uma raça sobre as outras, mas que foi confrontado pela determinação deste jovem que ganhou quatro medalhas de ouro.

O assunto foi abordado utilizando uma metodologia simples com apresentação de trechos do filme que conta a história e posteriores conversas dirigidas com o propósito de produzir um ambiente de reflexão sobre o assunto. Tendo esse assunto como ponto de partida, discutimos, ainda, vários temas ligados às diversidades presentes em sociedade, conscientizando-nos, assim, da importância de compreender a equidade humana dentro das diversidades existentes na sociedade.

O projeto foi desenvolvido com adolescentes com idade entre 13 e 15 anos, em uma classe de meninos e meninas, negros e brancos. O assunto trabalhado é sempre bem visto no contexto da Igreja, uma vez que a igualdade é analisada como uma virtude cristã. No entanto, esse tema provocante é um desafio para a Igreja, pois o evangelho não é considerado produto exclusivo de uma cultura, mesmo tendo como local de produção um determinado território.

Nesse contexto, uma série de outros temas surgem e podem ser trabalhados, como por exemplo a questão LGBT+ e suas reivindicações sociais, a questão da inclusão de pessoas deficientes, entre outros assuntos tão importantes quanto. Contudo, nosso foco foi simplesmente apresentar a EBD como um espaço presente e relevante na sociedade, e o assunto discutido foi apenas um exemplo da relevância deste espaço.

O mais interessante é que os adolescentes que participaram apresentaram um misto de sentimentos, pois por um lado demonstraram conhecer a situação apresentada e, por outro, apreensivos pela possibilidade de haver esse tipo de discriminação na sociedade ainda hoje, uma vez que muito se fala em seu contexto sobre a igualdade. Talvez por crescerem em um ambiente com uma diversidade de pessoas que apesar de professarem o mesmo credo são homens, mulheres, jovens, idosos, negros, brancos, casados solteiros etc.

Considerações Finais

Considerando que o propósito foi apresentar a Escola Bíblica Dominical como um espaço de educação não formal, penso que o produto final deste trabalho atingiu o objetivo. A articulação de conceitos, ideias e fatos históricos levou-me a entender e ver a importância deste espaço dentro da sociedade, formando e informando milhares de pessoas domingo após domingo, abordando diferentes assuntos com o compromisso da formação integral do ser humano, desde as classes iniciais até os adultos e, desta forma, contemplando todas as áreas da vida, seja no campo espiritual, emocional, social, cultural, político ou intelectual.

Tendo concluído a proposta, o que percebo é que há ainda uma gama de possibilidades a ser explorada sobre o assunto, sobre esse espaço, sobre as metodologias empregadas, sobre os mais variados temas abordados e sua influência sobre os indivíduos que, por muitas vezes, passam uma vida inteira participando desta escola. Consoante ao/à pedagogo/pedagoga, é importante levarmos em conta que são muitos/muitas que, motivados/motivadas por uma visão errada a respeito da EBD, deixam de exercer ali sua função, embora tenham uma extensão para aproveitamento de suas funções.

Juntamente com o desempenho das funções pedagógicas, agrega-se o aspecto social da instituição que lhe dá suporte para o desenvolvimento de trabalhos na área das diversidades, sendo um espaço onde há um acolhimento de pessoas com diferentes formas de pensamentos e visões de mundo, tornando-se assim um campo rico de pesquisas futuras na área pedagógica e social.

A Escola Bíblica Dominical é portanto este espaço de educação não formal presente na sociedade com possibilidades educativas diversas. E o que almejo, baseado em tudo o que foi apresentado é que essa mesma sociedade na qual a EBD está inserida com seus pesquisadores possam voltar seus olhos para este espaço, dando-lhe a devida atenção no que diz respeito a suas possibilidades educativas como acontece com outros espaços sem as reservas que, por estar ligada a um seguimento religioso possam provocar, distorcendo assim sua visão enquanto pesquisadores da educação e movimentos afins.

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Marcelo Junio Silva
Enviado por Marcelo Junio Silva em 01/03/2018
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