USO DE JOGOS COMO FERRAMENTA DE ENGAJAMENTO E ENSINO DE SUSTENTABILIDADE PARA ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO

O objetivo principal deste artigo é estudar formas de abordagem para iniciar a discussão sobre sustentabilidade em sala de aula e gerar engajamento nos alunos, para que o tema transcenda a sala de aula e se torne vetor de mudança da sociedade e dos padrões de consumo.

Palavras-chave: Jogos, Sustentabilidade, Ecologia, Educação

1 INTRODUÇÃO

O estudo da sustentabilidade e o entendimento de sua importância são imprescindíveis na formação do cidadão, porém uma abordagem teórica, afastada da realidade, faz com que o tema não seja completamente compreendido pelos jovens no ensino fundamental, nem tampouco desperte interesse no conceito devido a complexidade do tema. Inspirado nos trabalhos de John Hunter, descritos no livro World Peace and other 4th grade achievements (Paz mundial e outras conquistas de estudantes da quarta série – tradução livre), este artigo faz um estudo de como jogos e brincadeiras interativas podem estimular o engajamento e auxiliar na compreensão utilizando o jogo como modelo simplificado da realidade.

2 COMO ENSINAR SUSTENTABILIDADE

Antes de tocar no assunto de como se ensinar sustentabilidade, devemos nós mesmos nos inteirar a respeito de qual o real significado do termo bem como suas implicações em nosso mundo. No relatório Brundtland, elaborado pela comissão mundial sobre o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável é definido como:

“O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades.” (BRUNDTLAND, 1998).

Ainda no relatório é questionado sobre como persuadir as pessoas ou faze-las agir em interesse comum, respondendo posteriormente:

“Até certo ponto pela educação. Pelo desenvolvimento das instituições e pelo fortalecimento legal. Porém muitos dos problemas de destruição de recursos e do desgaste do meio ambiente resultam de disparidades no poder econômico e político. Uma indústria pode trabalhar com níveis inaceitáveis de poluição do ar e da água porque as pessoas prejudicadas são pobres e não têm condiçõe de reclamar. Pode-se destruir uma floresta pela derrubada excessiva porque as pessoas que nela vivem ou não têm alternativas ou são em geral menos influentes que os negociantes de madeira.” (BRUNDTLAND, 1998).

Portanto é possível concluir que a educação a cerca do desenvolvimento sustentável está atrelado também ao ensino da cidadania. Conhecer seus direitos e saber onde buscar pela garantia desses direitos.

Para que a educação a cerca do tema seja efetiva, e que o aluno leve para fora de sala de aula aquilo que aprendeu tanto no papel de replicador do conhecimento quanto no exercício individual deste conhecimento é necessário haver motivação, e para haver motivação o aluno deve ser incentivado. Incentivar é definido por Campos como:

“Incentivar é despertar o interesse e a atenção dos alunos pelos valores contidos na matéria ensinada, criando nos mesmos o desejo em aprendê-la, o gosto em estudá-la e a satisfação em cumprir as tarefas que a mesma exige.” (CAMPOS, 1987, p.112).

Muitas vezes vista como sinônimo a motivação é diferente do incentivo, sendo definida por Nérici como:

“O processo que se desenvolve no interior do indivíduo e o impulsiona a agir, mental ou físicamente, em função de algo. O indivíduo motivado encontra-se disposto a despender esforços para alcançar seus objetivos.” (NÉRICI, 1993, p.75).

Para atingir um aprendizado significativo é importante incentivar o aluno para manter viva a motivação, a vontade de aprender e se aprofundar no tópico ensinado.

Beth Conklin (2010) cita em seu artigo, Tips for Teaching Sustainability, 8 dicas de como ensinar sustentabilidade para estudantes:

1. Evitar o sentimento de sobrecarga nos alunos frente a imensidão e complexidade dos problemas enfrentados pela humanidade.

2. Buscar contar histórias de sucesso para amenizar o pessimismo gerado pelo sentimento de sobrecarga.

3. Focar na correlação entre qualidade de vida e problemas ecológicos.

4. Usar projetos e discussões em grupo para gerar engajamento

5. Deixar que os estudantes analisem informações no lugar de ler relatórios com análises já finalizadas.

6. Desconstruir a retórica ecológica explicando a origem e o significado de palavras que fazem parte do jargão como por exemplo a palavra sustentabilidade,

7. Explicar o princípio da precaução, que diz que quando não há consenso científico sobre se uma ação é ou não maléfica para o ambiente o ônus da comprovação de a ação é inofensiva cabe a quem pratica a ação.

8. Apostar na interdisciplinaridade, usando a ajuda de outros professores em áreas correlatas, abrindo oportunidades para palestras a respeito entre outros.

Colocando o foco na quarta dica dada por Conklin, “Engajar os estudantes em discussões em grupo e projetos nos quais eles têm oportunidade de dialogar e ajudar um ao outro pode ajudar o sentimento de sobrecarga. Também permite momentos de resolução de problemas, debate, análise, trabalho em equipe e reflexão que são tão cruciais para desenvolver o pensamento crítico e a liderança que os estudantes precisam para resolver problemas complexos” . Uma forma de fomentar o envolvimento na resolução de problemas em grupo de forma organizada seria o uso de jogos, eletrônicos ou analógicos, jogados em grupo pelos alunos e mediado pelo professor.

2.1 O QUE É UM JOGO

Conforme definição de Damiani (2015) no livro Iniciando na carreira de jogos, “Jogo é uma atividade interativa em que os elementos participantes realizam ações baseadas em regras, dentro de um campo bem-definido e separado do mundo real, a fim de superar desafios propostos interna ou externamente para se alcançar um determinado objetivo.” portanto uma ferramenta adequada para o gerar o engajamento e fomentar o trabalho em equipe entre os alunos.

O jogo é por si só uma forma lúdica e interativa de passar uma informação segunda Cabral (1990) “Quer dizer, o jogo desdobra a realidade, através do conhecimento. Este descobra-a, desdobra também, transformando-se em conhecimento interactivo do conhecimento”.

2.2 JOGOS APLICADOS A EDUCAÇÃO

Jogos vêm sendo estudados principalmente nas últimas décadas no ensino de forma extensiva. Através da brincadeira a criança é “introduzida no meio sociocultural do adulto, constituindo-se num modo de assimilação e recriação da realidade. Nesse sentido, a tragetória infantil não pode ser pensada somente pela ótica da razão. Ela passa, necessáriamente, pela via do brincar” (Santos,1999, apud Oliveira, 2014, pg.101).

Quando percebemos o erro da perspectiva construtivista, um ambiente que permite errar se faz útil a construção do saber,

“Na teoria de Piaget, o conhecimento objetivo aparece como uma aquisição, e não como um dado inicial. O caminho em direção a este conhecimento objetivo não é linear: não nos aproximamos dele passo a passo, juntando peças de conhecimento umas sobre as outras, mas sim através de grandes reestruturações globais, algumas das quais são “errôneas” (no que se refere ao ponto final), porém “construtivas” (na medida em que permitem aceder a

ele). Esta noção de erros construtivos é essencial.” (FERREIRO E TEBEROSKY,1985).

Tendo em mente a utilidade do erro na aprendizagem percebemos como o jogo pode ser uma ferramenta eficaz na criação de um ambiente que possibilite a construção do conhecimento pelo aluno. Nas palavras de Mattar:

“Outra questão que separa os games do aprendizado tradicional é a forma de lidar com o erro. O papel do fracasso em video games é muito diferente do que na escola que não integra a colaboração e a competição como nos games. Nos games o custo do fracasso é normalmente diminuido – quando os jogadores fracassam, eles podem começar de seu ultimo jogo salvo. Além disso, o fracasso ao matar um mestre, por exemplo, é em geral marcado como uma maneira de aprender e, numa próxima oportunidade, tentar vencer. Essas características dos fracassos nos games permitem que os jogadores arrisquem-se e experimentem hipóteses que seriam muito difíceis de testar em situações em que o custo do fracasso é maior, ou em que nenhum aprendizado deriva do fracasso.” (MATTAR,2009).

Um exemplo de uso bem sucedido de jogos interativos no ensino de resolução de problemas é descrito em detalhes no livro World peace and other 4th-Grade Achievements de John Hunter. Ele descreve como seus alunos da quarta série se comportam na resolução de problemas sociais e ambientais em escala mundial, interpretando líderes de nações, cada qual com seus problemas únicos a resolver.

“Mas não podemos apenas ensinar a nossas crianças o que já sabemos; precisamos, também, treiná-las em como descobrir o que ainda não é conhecido[...]. O espaço vazio é o local de nascimento de possibilidades que ainda não existem - mas poderiam. [...] Eles aprendem a olhar além das reações míopes e pensamentos impulsivos, em vez disso pensam a longo prazo, de maneira mais consequente.” (HUNTER ,2013).

O foco de Hunter é ensinar a seus alunos a resolver problemas, não apenas receber informação de maneira passiva e este é o tipo de ensino que é necessário quando o assunto é sustentabilidade, pois o intuito vai além de apenas conhecer o conteúdo, o intuito deve ser ensinar a ver de forma crítica os problemas e, com sorte, apresentar uma solução viável para o problema.

Os jogos, porém, jamais devem tomar o papel do professor. Estudos realizados em 2015 pela professora Mary Headington em parceria com a empresa Filament learning , demonstram que a participação do educador é imprescindível durante o processo de aprendizagem. Foram criados 3 grupos dentro de uma turma, todos fizeram um teste com intuito de verificar seu conhecimento prévio no assunto abordado: a influência do movimento sol e da lua na terra. Alunos que tiveram o conteúdo apresentado apenas pelo jogo tiveram um aproveitamento de apenas 0,1% maior em relação a seu resultado anterior, enquanto alunos que receberam a instrução apenas da professora no modo normal tiveram um desempenho em média 6% melhor que no primeiro teste. por outro lado alunos que receberam tanto a instrução comum vinda da professora quanto o jogo tiveram uma melhora significativa, de 10% em relação ao primeiro teste.

JEFFERSON (2015) na pesquisa CELLVIVAL OUTCOMES , introduz em sala de aula um jogo voltado para o ensino da teoria de evolução das espécies. Segundo JEFFERSON(2015) evolução é um sistema dinâmico e complexo que um jogo talvez seja capaz de representar e permitir experimentações com mais eficácia do que outros métodos. Para o teste uma turma foi dividida em 4 grupos conforme quadro 1.

QUADRO 1 – METODOLOGIA UTILIZADA NO TESTE CELLVIVAL OUTCOMES

PERÍODO 1 INTERVALO 1 PERÍODO 2 INTERVALO 2 PERÍODO 3

Teste Jogo Teste Aula normal Teste

- Jogo Teste Aula normal Teste

Teste Aula normal Teste Jogo Teste

- Aula normal Teste Jogo Teste

FONTE: JEFFERSON, CELL VIVAL OUTCOMES (2015)

Após análise fica claro que oferecer primeiro a aula normal e depois o jogo ofereceu resultados melhores que o inverso. Desta forma o autor do estudo conclui:

“Enquanto os ganhos em motivação foram bastante específicos, esse tipo de descoberta suporta a idéia de que aulas basedas no uso de jogos podem ser um jeito de resolver problemas de engajamento da classe.” (JEFFERSON,2015).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais do que apenas um tema transversal que deve ser citado pelo professor em sala de aula o desenvolvimento sustentável deve ser levado como estilo de vida, para que haja um futuro para nossa espécie e para que as disparidades no consumo e na qualidade de vida entre a população mundial sejam minimizadas.

Devemos enquanto professores sermos vetores da transformação em busca de uma sociedade mais justa, incentivando nossos alunos a eles mesmos serem protagonistas de ações de mudança de paradigmas na sociedade. Para isso devemos oferecer ambientes favoráveis a experimentação e fomentar o engajamento em assuntos de sustentabilidade e cidadania.

Ao estudar como jogos podem influenciar a aprendizagem fica clara a relação entre a flexibilidade de experimentação que um jogo proporciona e o efeito de potencializar aquilo que foi ensinado de forma tradicional. Ao implementar um jogo em sala de aula, indícios apontam que a base de conhecimento deve ser transmitida ao aluno antes do jogo, pelo professor, e que o jogo deve ser apresentado como complemento após a aula comum, desta forma ao planejar a aula com a ferramenta o professor deve sempre colocar primeiro a teoria e depois o jogo para um melhor resultado.

Jogos são ferramentas disponíveis para professores aplicarem o conceito construtivista em sala de aula, permitindo ao aluno aprender com seus erros e construir seu conhecimento atravéz da experimentação, dando oportunidade de aprendizado a partir do erro. Uma ferramenta de transformação que nas palavras de Jane McGonigal em sua palestra no TED (2010) nos transforma na melhor versão de nós mesmos “ficamos mais inclinados a ajudar em qualquer situação. Mais inclinados a trabalhar em um problema pelo tempo que for necessário. A levantar depois de falhar e tentar novamente.”.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Antônio. Teoria do Jogo. p180. Editorial notícias, 1990.

CAMPOS, Dinah Martins de Souza. Psicologia da aprendizagem. 32 ed. Vozes: São Paulo, 2002.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO - CMMAD. Nosso futuro comum. Ed 2, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988. Disponível em https://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-Portugues acessado em 06/12/2016.

CONKLIN, Beth. Tips for Teaching Sustainability.

Disponível em https://cft.vanderbilt.edu/guides-sub-pages/teaching-sustainability/, acessado em 04/10/2016, tradução nossa.

DAMIANI, Edgard. Iniciando na carreira de desenvolvimento de jogos. Unidigital Brasil, 2015.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

HEADINGTON, Mary. Planet Mechanic: A Classroom Study. Disponível em https://cdn.filamentlearning.com/sites/default/files/blog-article-files/PM_EC_CaseStudy.pdf, acessado em 25/10/2016, tradução nossa.

HUNTER, John. World peace and other 4th-Grade Achievements. p. 4,8. Edição Kindle, tradução nossa.

JEFFERSON, Andrew. Cellvival outcomes: the effects of an educational video game on students’ understanding and motivation.

Disponível em https://ecommons.cornell.edu/bitstream/handle/1813/41064/aj255.pdf?sequence=1, acessado em 10/11/2016, tradução nossa.

MCGONIGAL, Jane. Palestra no evento TED 2010, em fevereiro de 2010. Disponível em http://www.ted.com/talks/jane_mcgonigal_gaming_can_make_a_better_world?language=en acessado em 06/12/2016.

NÉRICI, I. G. Didática: uma introdução. São Paulo:Atlas, 1993.

OLIVEIRA, Fernanda Germani