UNIVERSO ESCOLAR E A CONTRADIÇÃO DOCENTE
O universo escolar pode ser, em grande medida, o que a maioria da população brasileira desconhecedora pensa acerca das metodologias e teorias educacionais: um lugar para aprendizagem e socialização de conhecimento, como também pode ser um lugar perverso, que presume doutrinas, disciplinas, vigilâncias e punições para chegarem a um objetivo comum: o adestramento dos corpos dóceis, tal como atesta Michel Foucault no primoroso Vigiar e Punir. Para ele, a escola fabrica os indivíduos em prol de exercícios de poder empregando uma vigilância hierarquizada, sanção normalizadora e exame. Mas para isso funcionar, Foucault dirá que o poder disciplinar é o grande artefato para fazer funcionar o controle e manter a vigilância por meio da força. Para ele:
[...] O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] (FOUCAULT, 2005, p.143).
É importante esclarecer que os estudos de Foucault em Vigiar e Punir serviu e serve como crítica a estrutura educacional, tanto física quanto nos procedimentos de relação social, que ocorre pelo incremento do poder. Posto que o poder disciplinar é exercido em escolas e na sociedade, cotidianamente somos bombardeados por notícias, tristezas e pessimismos em relação ao trabalho docente e ao comportamento discente. Grosso modo, conversas de professores, diretores, pedagogos e coordenadores alimentam a fantasia da qual a escola não é mais sinônimo de segurança para os alunos, mas principalmente aos professores, pois segundo esses docentes a violência se tornou um hábito comum no universo escolar. Mesmo com a disciplina fortemente exercida nas escolas, cresceu muito os discursos que é necessário segurança, mais segurança em um universo escolar totalizante, opressor e resulta em violência.
No artigo intitulado A violência no contexto escolar: uma leitura interdisciplinar, Fábio Santos Bispo, psicólogo da Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e Nádia Languárdia de Lima, professora de Psicologia também da UFMG, chamam atenção que,
Na contemporaneidade, o crescimento da violência no espaço escolar passou a ocupar um lugar de destaque nos discursos sociais, escolares e midiáticos, o que tem levado a um aumento de pesquisas sobre o tema. Buscam-se as suas causas mais específicas, situadas no interior das escolas, e também mais abrangentes, ou seja, suas relações com os processos sociais, políticos e econômico (BISPO; LIMA, 2014, p. 162).
Entretanto, por mais que devaneios são circulados entre professores sobre a relação de professor-aluno e aluno-professor, ainda se perpetua em nossa imaginação escolar, que nós, professores, somos seres intocáveis ao passo que toda insuficiência, dificuldade e adversidade escolar são colocadas como culpa dos alunos, bem como a reprovação que é colocada sempre que possível como autoria dos alunos ampliando a noção de fracasso escolar. Ao contrário disso,
Para Freire (1975), trata-se de compreender e construir processos educativos em que diferentes sujeitos, de forma autônoma, elaborem uma consciência crítica na relação de reciprocidade (cooperativa e conflitual) com outros sujeitos, criando, sustentando e modificando contextos significativos que interajam dinamicamente com outros contextos (BISPO; LIMA, 2014, p. 172).
Ou seja, é necessário que tenhamos projetos solucionáveis aos problemas que são considerados escolares. A rigor, a violência escolar é um espelho da violência social. No entanto, o que é vendido e circulado entre os profissionais e não profissionais da área, é que a escola tem convivido e muito com a violência. Ou possibilitado? E os alunos? Os culpados, por isso merecem ser penalizados, punidos e vigiados. Nesse caso, aumentam-se muito os planejamentos de colocar câmeras não só nas escolas, mas em todas as salas de aulas. Patrulhas militares são convocadas para reprimir qualquer aluno que não se enquadrar com o perfil da escola e do “bom aluno. A escola, conforme Michel Foucault se identifica muito com o Panóptico que uma vez estabelecida, “é o princípio geral de uma nova ‘anatomia política’ cujo objeto e fim não são a relação de soberania, mas as relações de disciplina” (FOUCAULT, 2005, p.172). O Panóptico serve para dar visibilidade aos que são considerados ineficazes e bagunceiros, tornando-se mais fácil a punição.
É possível encontrar, historicamente, assim como em trabalhos de campo de filosofia, sociologia e da antropologia, que a escola foi projetada para disciplinar os alunos. Nesse caso, salas são projetadas para que o professor e o aluno sejam ou se sintam vigiados; portões e muros são preenchidos como o objetivo de concentrar os alunos em um espaço; uniformes, horários, provas, grades, sirenes, suspensões, punições e principalmente a repressão são aparatos históricos utilizados para exercer o poder por meio de uma hierarquização. Do diretor escolar ao professor, existem níveis de subordinação, devendo respeitá-los e obedecê-los. Do contrário, pontos são cortados, punições são preparadas e expulsões são realizadas.
A disciplina distribui os indivíduos no espaço, permitindo o controle da localização e da circulação dos alunos, bem como das atividades que realizam. A determinação de lugares, a organização das carteiras em fila, bem como a compartimentalização do ambiente são estratégias que permitem vigiar, romper as comunicações perigosas, além de criar um espaço onde o trabalho de cada um possa ser mais bem conhecido, controlado e utilizado (BISPO; LIMA, 2014, p. 170).
Mesmo assim, nos dias que correm, surgem discursos que o ensino é prejudicado por falta de segurança na escola. Mas como? Somos vigiados o tempo inteiro por uma hierarquização de poder, somos vigiados também dentro de sala de aula em relação aos conteúdos lecionados. Por isso que ao afirmar que nós, professores, somos a salvação da humanidade digo ser boato. Somos, infelizmente, parte de um sistema defeituoso, que é segregacionista em relação às classes sociais, opressivo em relação a qualquer ato subversivo e tirânico quanto à criação de projetos educacionais e decisões de currículos, concursos e reformas. Por esses motivos, enxergamos cotidianamente assuntos como Escola Sem Partido, Escola Viva e Reforma do Ensino Médio que são participes dos desejos proferidos por esses professores que se dizem com medo do comportamento dos alunos, da violência e dos fracassos escolares, mas nunca repensando a pedagogia escolar, o papel do diretor e a estrutura hierarquizante nas escolas.
É preciso ler, reler e compreender que o aluno não é a bolha do problema. O aluno não deve ser pensado como causador de reprovações e desastres. Pensar mecanicamente e alimentar essa estrutura arcaica e opressora é oferecer oportunidade para que projetos sejam pensados por um grupo de pessoas que não se preocupam para a formação crítica, social e histórica dos alunos. Além disso, esse grupo - classe dirigente - odeia a cultura política, pois sabem que a estrutura pode ser repensada, revisada e revolucionada. Ou seja, as elites podem perder o monopólio e não mais exercer o poder que fora exercido historicamente. Por isso que precisamos ter cuidado em pedir soluções e muito pior, precisamos ter atenção em falar da escola, dos alunos e do ensino, pois somos vigiados diariamente; a qualquer momento mudanças podem ocorrer para continuar perpetuando a classe dirigente em seu ofício de poder.
Para concluir, pensar o resultado do trabalho de Foucault em Vigiar e Punir é abrir portas para alternativas e não desesperos em relação aos espaços educacionais. Pensar desesperadamente é fruto de uma não consciência histórica e de classe, entregando a classe dirigente o papel de promover segurança. Assim, segurança escolar é vendido ao público e aos professores como projetos de modernização para reprimir qualquer ato de insubordinação. Câmeras de vigilância e patrulhamento militar é uma ramificação desse projeto de Estado em favor dos discursos proferidos pelos professores. Por outro lado, os maiores projetos estão aparecendo agora com a Escola Viva, Reforma do Ensino Médio e principalmente a Escola Viva, que buscam limitar a atividade docente e aumentar o aparelho de repressão.