A IMPORTÂNCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA) PARA A CONSTITUIÇÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS REFERENTES AOS JOVENS
Costuma-se dizer no âmbito do senso comum: “no meio do caminho, se encontra a adolescência”.
Não obstante essa fase se caracterizar por uma notória transitoriedade, são grandes e marcantes as mudanças e transformações que se processam nesses passageiros anos. Percebem-se gradativas alterações de ordem psicológica, afetiva, social e biológica, que afetam o comportamento dos jovens em todos os sentidos e interferem na maneira como lidam com os problemas, conflitos e a própria angústia. Essa angústia, muitas vezes, recai em mecanismos de opções e escolhas; os adolescentes passam a viver as tensões do seu dia a dia, se sentem extremamente ansiosos ante os impasses do cotidiano, já que as crises existenciais se mostram, devidamente, inevitáveis. São comuns, nessa fase, além de uma série de dúvidas que assoma, a todo o momento, a busca por modismos e novidades crescentes, as visíveis descobertas marcantes no âmbito social e afetivo, as experiências amorosas e sexuais, as constantes sensações de tédio e amargura provenientes dessas mudanças. O modo de como se manifestam esses fenômenos na personalidade juvenil, depende da maneira como cada um encara ou lida com todas essas modificações em sua vida, e, diga-se de passagem, nem todas as pessoas atravessam esse conturbado período com tantas dificuldades assim, e muitas se revelam até tranquilas em suas escolhas e atitudes.
É claro que nunca se deve abster da influência familiar, cultural e social na formação e constituição da personalidade do jovem, mas é preciso que se tenha em mente que, em dado momento, o adolescente passa a se contrapor ao mundo adulto vigente, se revela e se entrega a uma posição de contradizer os pais em suas ideias e soluções. Mas a ambiguidade também é algo presente nesse tipo de comportamento; ocorrem casos em que passa a seguir e acompanhar os adultos nas atitudes e vem a necessidade de se espelhar em algum adulto como fonte de referencia para o seu futuro.
Todos esses fenômenos inerentes ao universo dos jovens tornam-se preponderantes no entendimento da saúde mental no âmbito adolescente, e nunca devemos compreender as pessoas nessa fase somente como seres em processo de mudanças e transformações, mas também como seres de direitos e princípios fundamentais. A preocupação voltada para o bem estar infantil deve-se estender àqueles e àquelas que vão deixando gradativamente as eventuais brincadeiras de criança e começam a perceber alterações significativas tanto no corpo quanto no ego. Essas vicissitudes se tornam patentes, a olhos vistos, mas é preciso que se diga que não somente os jovens custam a aceitar totalmente que deixam a infância, como também os pais se mostram com dificuldades em aceitar que os filhos crescem e vão ter de assumir outras responsabilidades em suas vidas. A partir disso, se originam então os inevitáveis conflitos entre gerações diferentes, mas não apenas os pais devem se ater a chegada da adolescência, a sociedade no todo precisa aceitar e encarar com respeito esse fase que se instala e se estabelece em qualquer ser humano, para que seja também sempre alvo de atenções.
Assim todos os seus reais direitos como os concernentes à educação, à profissionalização, à saúde merecem ser tratados de maneira transparente e digna, vindo a se tornar princípios fundamentais na elaboração de um trabalho voltado para a promoção da saúde mental do adolescente.
O tão falado e discutido Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado pelo então presidente da república, Fernando Collor de Melo, em 13 de julho de 1990, e em vigor no nosso país desde a data de 12 de outubro de 1990, é composto, ao todo, de 267 artigos. Surgiu na época como um passo largo no sentido de se mudar o quadro em que se achavam a infância e a juventude brasileira, em substituição à chamada doutrina da situação irregular, incorporando a doutrina sócio jurídica de proteção integral, proposta pela Organização das Nações Unidas e subscrito pelo Brasil.
O documento plenamente embasado em diversas disposições preliminares e gerais, vem a ser constituído de um conjunto de direitos, desde os fundamentais que versam sobre a vida, a saúde, a liberdade, o respeito, a dignidade, a convivência familiar e comunitária, aos que defendem a educação, o lazer, a cultura, a profissionalização, a proteção no trabalho e na justiça. No entanto, nos últimos tempos, tem se verificado uma série de críticas direcionadas ao estatuto, principalmente no que se referem às chamadas medidas socioeducativas que alguns especialistas preferem defini-las, ironicamente, como medidas punitivas’, numa alusão, à degradação, ao flagelo em que sempre se encontraram os centros de internação destinados aos menores infratores no país. Muitos consideram ainda o documento extremamente ‘paternalista’, já que essas medidas tendem a só favorecer os jovens que cometem diferentes tipos de crimes, como roubo, furto, participação em tráficos de drogas ilícitas, latrocínio e assassinato, culminando assim com o aumento da impunidade. Alegam que o estatuto somente os protege ou superprotege e dificultam a educação desses jovens.
Essa questão tem se revelado bastante polêmica nos últimos tempos, tendo em vista o aumento da criminalidade envolvendo adolescentes de diferentes idades, e a consequência desse fato é a constante pressão dirigida às autoridades e meios governamentais, em prol da redução da maioridade penal no país, que atualmente equivale a dezoito anos completos. Há aqueles que se mostram totalmente contrários a essa redução, mas são favoráveis, no entanto, a algumas mudanças radicais no texto do ECA.
Tudo bem que essas razões se mostram coerentes aos fatos e à cruel realidade brasileira, muitas vezes marcada pela soma de injustiças e impunidade, mas se formos pensar com maior profundidade e clareza, percebe-se certo exagero nessas críticas direcionadas ao documento. Afinal, deve-se levar em conta que o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu todo, trata não somente dessas medidas socioeducativas, e sim da soma de direitos e princípios indispensáveis, cuja finalidade maior é proporcionar o perfeito bem estar aos jovens de todo o Brasil, no que concerne a sua saúde na totalidade, termo entendido como uma multiplicidade de aspectos necessários para a promoção da saúde, tendo em vista diferentes fatores como ambiente favorável, proteção, segurança, higiene, transportes e lazer, inseridos no ECA.
O Estatuto, através de suas disposições iniciais e preliminares, defende que tanto a família, a comunidade, a sociedade em geral, o poder público têm o dever de efetivar todos os direitos referentes à vida, à alimentação, à cultura, à convivência familiar, entre outros. Defende ainda a proteção à criança e ao adolescente contra qualquer forma de discriminação, violência, crueldade e exploração. (BRASIL, 2008)
Há de se pensar que se pelo menos esses princípios mencionados acima, fossem cumpridos e seguidos, a risca, com total respeito, transparência e fidelidade, inúmeros problemas humanos e sociais poderiam ser plenamente evitados. Entretanto, vários adultos, autoridades e pessoas envolvidas tanto nos poderes público e privado insistem em lhes dar as costas; acomodam-se, simplesmente e deixam de observar e trabalhar o que há de mais relevante no estatuto, sempre em prol da defesa e do bem estar de milhares de jovens brasileiros.
Tomemos como referência um adolescente pobre e negro de 16 anos, morador de uma comunidade paupérrima no morro do Rio de Janeiro. A verdade é que crescera num ambiente bastante hostil e degradante. Como se não bastasse a presença de bandidos e traficantes no local, acostumara-se, diariamente, a ver o pai sempre embriagado e violento, embora este nunca o agredisse fisicamente. Quanto à mãe, dificilmente a encontrava no barracão, já que esta trabalhava como diarista, em diversas casas fora do morro e mesmo quando estava de folga, trocava com o filho somente uma meia dúzia de palavras, se muito. Possuía também irmãos, mas estes viviam sempre dispersos e ausentes. O fato é que desde a infância, começou a praticar pequenos furtos no centro da cidade, era por vezes, detido e liberado logo em seguida, foi se tornando depois revoltado e violento, enveredou-se pelo mundo do vício e, vez por outra, participava como espécie de laranja para traficantes bem perigosos pertencentes ao submundo do crime organizado.
A continuidade dessa história e o seu devido desfecho, há de se crer que muitos já imaginam, mas não nos é penoso pensar na exorbitância de direitos negligenciados somente nesse caso específico. Esse exemplo ilustra muito bem as diferentes formas de omissão e negligência social, a falta de um trabalho lúcido voltado para uma orientação psicossocial e familiar a falta de oportunidades e perspectivas aos jovens moradores dessa comunidade violenta e carente e tendo como agravante, além do crime organizado, é claro, a triste questão do racismo disfarçado que, infelizmente, ainda se faz presente no seio da sociedade brasileira. Soaria bastante quimérico afirmar que todos os fatos lúgubres referentes à história desse rapaz poderiam ser plenamente evitados, mas se a sociedade em si, as diferentes esferas do governo levassem o estatuto mais a sério, muitos problemas seriam, pelo menos, devidamente amenizados.
Dessa forma, é preciso que haja uma maior conscientização geral acerca de todas essas disposições criadas em defesa da juventude brasileira, e que elas não se restrinjam apenas à teoria ou à retórica e sejam trabalhadas com total afirmação e afinco, sempre em nome da dignidade, do respeito e de uma sociedade mais justa e menos desigual, tanto envolvendo o presente, quanto uma visão para o futuro.
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto da criança e do adolescente. Lei Federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. 3. ed. Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2008.