Giovanni Villani: Pensamento Histórico e Prática Historiográfica

Giovanni Villani (1276-1348) foi banqueiro, diplomata e cronista florentino, autor da densa obra Nuova Crônica, escrita na primeira metade do século XIV, que narra a história da cidade de Florença desde sua fundação até o período em que escreve.

Inspirado pela grandeza da cidade de Roma, na época capital dos Estados Papais, e pelas transformações pelas quais passavam as cidades Estados italianas, prosperando cultural e comercialmente, Giovanni buscou as origens de Florença no passado romano, de sua fundação por Júlio César enquanto uma colônia. Ao escrever, tinha como objetivos preservar as memórias da cidade e dar exemplos para as gerações futuras do que deveria ou não ser seguido. A história como exemplo das ações humanas é uma tônica da historiografia romana clássica, podendo ser citados autores como Tito Lívio e Cornélio Tácito, mantida na crônica medieval. Aliás, os exemplos, em alguns casos, chegam a ser mais importantes que os fatos narrados, importando antes os efeitos morais que estes produzirão nos leitores que suas veracidades. A cidade, em oposição ao mundo rural, é o objeto de estudo do cronista medieval, que assemelha suas instituições às da antiga República de Roma.

As crônicas que se proliferaram pela Europa desde o século XII passaram a ser escritas em línguas vernáculas, isto é, na língua de cada país, contribuindo para a formação de identidades nacionais. Villani escreve sua crônica em toscano, em dialeto vulgar. De acordo com Vânia Vidal Luiz, a escolha da língua vulgar tinha como propósito "[...] oferecer aos cidadãos de Florença uma obra que preservasse a memória da cidade, por um lado, e que tornasse os exemplos que dela pudessem advir, acessíveis a um público amplo, por outro, já que seria igualmente aproveitada por todos" (2014, p. 105-6). O latim é a língua erudita, refinada, dos humanistas, que vai de encontro com seus escritos que são mais separados de perspectivas religiosas e místicas do que as crônicas medievais.

A exemplo das duas perspectivas anteriormente citadas, Villani utiliza uma estrutura de história providencial emprestada de Paulo Orósio (385-420), historiador e apologista cristão romano. Uma narrativa providencial implica uma perspectiva em que Deus é a base e a causa dos eventos históricos. No entanto, Giovanni não deixa a figura divina interferir nas ações dos homens, mas ela ainda "[...] opera no sentido de puni-los em suas más ações, e em recompensá-los pelas boas, fazendo com que haja uma relação no devir humano entre causa e consequência, que pode ser interrompida mediante o exemplum" (LUIZ, 2014, p. 110). Pendendo para um aspecto mais místico estão suas citações sobre o alinhamento de corpos celestes ou situações astrais favoráveis, bem como o registro de adivinhações e maus agouros.

Sobre o desenvolvimento de sua narrativa, são abordadas na primeira parte a Torre de Babel e sua destruição, que dispersou a população na terra. Após a destruição, a humanidade é dividida em três porções de terra, cada uma correspondente à descendência dos filhos de Noé, com a Europa sendo habitada pelos descendentes de Jafé, a Ásia pelos descendentes de Sem e a África pelos descendentes de Cam. Posteriormente, faz uma digressão sobre a cidade de Fiesole, rival de sua cidade natal e destruída pelos florentinos no início do século XI. Os troianos se fazem presentes na cidade através de príncipes emigrados. Os romanos ganham destaque ao construírem um templo dedicado a Marte e, em uma perseguição imperial em 270, martirizam São Miniato. No bojo das transformações do Império, que aos poucos se torna cristão, o templo de Marte é consagrado a São João, tornando-se a Catedral de Florença. Três capítulos são dedicados à presença dos francos na região, com Villani afirmando que Carlos Magno reconstruiu Florença após mais de dois séculos de domínio lombardo. Quanto mais próxima da época do autor, mais densa se torna a crônica. Ganham destaque no século XI as disputas entre o Império e o Papado. A partir do século XII, escreve John Burrow:

as rixas e os arranjos constitucionais florentinos, e a defesa de suas liberdades em face das ameaças externas, são agora o centro da narrativa - embora ainda haja excursões a outra partes, além de um relato sobre as origens da briga entre as facções políticas rivais dos guelfos e guibelinos em Florença, informando quais importantes famílias apoiavam qual lado (BURROW, 2007, p. 315)

Nos últimos livros são descritas as facções de grandes famílias e de classes, e os tumultos que surgiam com suas disputas. Villani dá atenção aos emblemas dos estandartes das corporações de ofícios, que representavam as ocupações dos grupos (uma ovelha branca para os comerciantes de lã, um alicate para os ferreiros etc).

Quanto aos referenciais, além da Bíblia e da estrutura de Paulo Orósio, Villani cita que, quando estava em Roma durante o Jubileu do ano de 1300, ocasião que o inspirou a escrever, leu a história e os grandes feitos dos romanos escritos por Virgílio, Salústio, Lucano, Orósio, Valério e Tito Lívio (LUIZ, 2014, p. 113). A influência de Virgílio se encontra nos escritos sobre os troianos, podendo o autor ter lido a Eneida. Mesmo gostando do estado de prosperidade de Florença, o autor adverte que a tranquilidade e prosperidade excessivas anestesiam os homens e fazem emergir o orgulho e a corrupção, estando aí a influência de Salústio, que evidencia os vícios dos homens nas obras A Conspiração de Catilina e A Vida dos Doze Césares. Villani utiliza o segundo livro de Farsália, obra de Lucano, como fonte sobre as ações de Júlio César. Em Valério e Tito Lívio o autor busca as origens remotas da República Romana, dos tempos de Júnio Bruto e dos Tarquínios. Outra influência de Tito Lívio, identificada por Burrow, é a visão crítica que Villani tem da mistura entre romanos nobres e fiesolanos cruéis e violentos, migrados para Florença, "que faz lembrar as assimilações na história de Roma, como descrita por Tito Lívio" (BURROW, 2007, p. 315).

Analisando a transição da escrita cronista para a historiografia humanista, John Burrow afirma que as opiniões de Villani "[...] eram teológicas, astrológicas e apocalípticas, e não abrangentemente políticas e historiográficas" (BURROW, 2014, p. 318). Por outro lado, Vânia Vidal insere a crônica de Villani na tempora moderna (tempos modernos), na prosperidade vivida e percebida pelos habitantes de Florença. A crônica é nuova porque é a expressão de seu tempo, o tempo de existência lendária e histórica da cidade. "É o tempo que ultrapassará o próprio tempo, de uma Florença tornada eterna através da monumentalização de seu passado, e de seus feitos" (LUIZ, 2014, p. 107). Os feitos, os exemplos, conferem identidade à cidade dessa crônica urbana do século XIV.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LUIZ, Vânia Vidal. Fórum de verdade e ficção: a Crônica de Giovanni Villani na Florença medieval. Rio de Janeiro, UNIRIO, 2014. Dissertação (Mestrado em História Social).

BURROW, John. Uma história das histórias: de Heródoto e Tucídides ao século XX. Tradução de Nana Vaz de Castro. Rio de Janeiro, Record, 2013.

PORTA, G. (curia). Nuova Cronica, di Giovanni Villani. Parma, Fondazione Pietro Bembo/Ugo Guanda Editore, 1991. Disponível em Letteratura italiana Einaudi - http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_2/t48.pdf