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Bobbio foi um ator importante no combate intelectual que conduziu ao confronto entre as três principais ideologias do século XX: o nazi-fascismo, o comunismo e a democracia liberal. Confronto que é responsável, em grande parte, pela arquitectura do sistema internacional e pela divisão do mundo em dois blocos políticos, militares e ideológicos que subsistiu até 1989.

No século XX, a Itália conhecera famosos pensadores, ao redor dos quais se deram os enfrentamentos ideológicos e culturais. Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que apoiou o regime fascista; outro fora o historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e personagem maior do liberalismo italiano; o outro era o pensador marxista Antonio Gramsci (1891-1937), líder do partido comunista. Bobbio, ao colocar-se ao lado da Resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois: Croce e Gramsci.

Seu pensamento, durante grande parte da maturidade de sua carreira, esteve circunscrito ao círculo restrito dos meios intelectuais italianos, mas vem se tornando gradualmente conhecido em todo o mundo, primeiro por força dos seus estudos de filosofia do direito, sobre o jusnaturalismo e positivismo jurídicos, sobre a constructibilidade dos sistemas constitucionais, depois, pelos seus ensaios e polémicas sobre a democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita, o futuro de um socialismo não-marxista e democrático, e finalmente os problemas da relação truculenta entre ética e política.

A leveza, a erudição e o classicismo de seu pensamento filosófico e político naquilo que, já no ocaso da vida, designou pela visão do velho e o reencontro das memórias são, porventura, responsáveis por um novo interesse pela sua obra e pensamento, nomeadamente com a reedição em várias línguas dos seus ensaios políticos e filosóficos.

Ensaios que guardam um irresistível sabor narrativo e ético-histórico, mas que o combinam com uma básica actualidade na revisitação dos eternos postulados teóricos do debate filosófico, como a liberdade, a igualdade, a tolerância, o pluralismo etc., os quais como que matizam uma concepção de justiça que tem sido avaro em reconhecer.

A modéstia intelectual condu-lo por vezes a reconhecer a insipiência ou a desactualização de algumas das suas análises mais antigas, ditadas ou pela pressão das circunstâncias ou pela concentração num ou noutro ponto de análise. Como refere o seu editor italiano da obra dos anos 90, "Entre duas repúblicas: as origens da democracia italiana": "a bem poucas pessoas do nosso país acontece serem protagonistas durante o curso inteiro de meio século de vida intelectual e civil, exercendo com uma autoridade próxima da sobriedade um magistério moral de extraordinária eficácia. Talvez a ninguém, como a Norberto Bobbio, é concedido poder confrontar, à distância de cinqüenta anos, a própria reflexão pessoal a respeito de dois diferentes períodos de transição, dois acontecimentos decisivos para a história política italiana".

Será portanto difícil integrar a sua figura de pesquisador incansável, pensador persistente, de homem da cultura com relevante influência política e social, que não se esgota na actual estratificação político-partidária. Homem da escrita, da polémica acutilante e contundente, de convicções e temores, professa um pensamento coerente e exigente que se estriba nos valores de uma sociedade livre, democrática e laica que seja capaz pela prática do diálogo e da tolerância de vencer as suas dificuldades e realizar as promessas de progresso e desenvolvimento com que se comprometeu.

Por isso o seu pensamento político, constitucional e filosófico casa mal com escolas e fidelidades e não enjeita uma dimensão ética e transcendental a que paulatinamente se acerca. Parte de uma reverência especial das lições dos seus mestres intelectuais e de vida: Kant, Rousseau, Hobbes, Kelsen mas também Benedetto Croce, Max Weber, Solari, Schmitt, nos primeiros – Passerin d’Entreves, Luigi Einaudi, Renato Treves, Giole Solari, nos segundos. Continua nos exemplos dos seus companheiros: Aldo Capitani, Rodolfo Monfoldo, Leone Ginzburg que marcam a sua ligação a: "essa minoria de nobres espíritos que defenderam até ao fim, uns com o sacrifico da própria vida, nos anos duríssimos, a liberdade contra a tirania, a tolerância contra o atropelo, a unidade dos homens acima das raças, das classes e das pátrias, contra a divisão entre eleitos e réprobos" para preencher os caminhos de uma vida intelectual plena como homem da razão e da tolerância.

Esta postura de homem da razão é constante na sua vida ensaística e filosófica: analisar com rigor os conceitos, expressar com clareza o pensamento, explicitar os seus fundamentos inspiradores, seriá-los pelo crivo da crítica e da contraposição analítico-linguística e através de inúmeros exemplos procurar convencer o seu (ou seus) interlocutor(es) pelo exclusivo exercício da Razão e da Argumentação. É esta mesma postura que lhe permite peneirar doutrinas filosóficas com que não concorda como o marxismo mas que acha terem dado um contributo especializado para a história das ideias ou polemizar o fracasso do socialismo científico e da sociedade socialista do leste europeu, colocando-se na perspectiva do adversário (sem partir de uma posição de antagonismo e exclusão absoluta) e explicitando as contradições e lacunas da sua argumentícia.

No campo da Filosofia do Direito Norberto Bobbio incorpora-se na corrente dos que identificam no corpo doutrinal três áreas de discussão: uma área ontológica, da Teoria do Direito, que se preocupa com o direito com existe, procurando alcançar uma compreensão consensualizada dos resultados da Ciência Jurídica, da Sociologia Jurídica, da História do Direito e outras abordagens complementares; uma área metodológica que compreende uma Teoria da Ciência do Direito e que recai no estudo da metodologia e dos procedimentos lógicos usados na argumentação jurídica e no trabalho de aplicação do Direito; e, por fim, uma área filosófica materializada numa Teoria da Justiça como análise que determina a valoração ideológica da interpretação e aplicação do Direito, no sentido da valorização crítica do direito positivo.

A democracia é um tema de grande importância para Bobbio, pois ele apresenta definições mínimas para exercer esta, sendo a melhor forma de governo que os indivíduos criaram, uma vez que pretende conciliar o ideal de liberdade com o ideal de igualdade. Para Bobbio por em prática esta regime político, exige estabelecer um conjunto de regras básicas que ditam quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais procedimentos tomar. Para que as decisões tomadas pelos indivíduos possam ser aceitas, é necessário regras básicas que estabelecem quais os indivíduos autorizados a assumir tais decisões e procedimentos. A democracia é a regra da maioria ‘‘um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões, que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados’’ (BOBBIO, 2009, p. 22). Mas para a escolha, não basta que um número elevado de cidadãos vote, é preciso que estes tenham opções reais, que sejam colocados diante de alternativas em que realmente possam escolher entre uma e outra.

Bobbio coloca alguns pontos relevantes para que realmente seja excercido a Democracia, como: Todos os cidadãos têm o direito de expressar suas opiniões, ou escolher quem as exprima; Peso igual para os votos de todos os cidadãos; Liberdade para votar de acordo com sua própria opinião; Liberdade justa para poder escolher entre alternativas reais ;Deve valer a regra da maioria numérica; As decisões tomadas pela maioria não deve limitar os direitos da minoria.

Contudo ele ressalta que nenhum regime político fez uso dessas seis regras, havendo então graus de cumprimento da democracia, e não a democracia ideal como seria se todos esses pontos fossem cumprimdos.

Bobbio também expõe que é preciso a garantia dos direitos à liberdade, de opinião, expressão. Direitos à base dos quais nasceu o Estado Liberal. Isto porquê para Bobbio, o Liberalismo é pressuposto jurídico e histórico do Estado de direito, havendo uma relação de interdependência no sentido de que são necessárias certas liberdades para se exercer corretamente a democracia, assim como também é necessário poder democrático para garantir a existência de liberdades fundamentais.

Sobre a democracia representativa dos modernos ,em contraposto com a direta dos antigos, ele tambem se posicionou. Para Bobbio: ‘‘a democracia representativa e a democracia direta são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que podem se integrar reciprocamente.’’ (BOBBIO, 2009. Pag.65). A representatividade é uma forma indireta de democracia, renuncia o princípio de liberdade como autonomia. Porém, o estado moderno, extenso territorialmente encontra dificuldade em realizar a forma direta como a dos antigos, que consistia no ato de deliberação pelo próprio cidadão, não por um representante. A democracia direta não é possível nos atuais estados democráticos devido aos problemas já citados como o grande número de habitantes, extensão territorial, etc. Para Bobbio, é possível programar alguns elementos desse tipo de democracia na representativa. Essa implementaçao de democracia direta se dá pelo fato do indivíduo não estar mais apenas contentado com um representante, mas de querer opinar soberanamente em questões que dizem respeito diretamente as suas vidas.

Edjar Dias de Vasconcelos
Enviado por Edjar Dias de Vasconcelos em 11/10/2017
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