A indústria da intimidade

    Há alguns dias, ouvi no rádio uma entrevista feita a uma das nossas maiores escritoras. Era uma grande dama, mulher finíssima, respeitável como todas as pessoas, por princípiio. O entrevistador fez um verdadeiro questionário a respeito de seus casamentos. Constrangida, mas gentil como sempre, ela soube responder com toda elegância, tornando sua experiência pessoal em literatura, pois improvisou pequenos contos de afeto e juventude, declarados em frases espirituosas, sinceras e muito humanas. O rádio tem isto de bom. Você ouve a voz original, é um contato direto, pode julgar por si mesmo. Mas, de qualquer forma, o radialista cometeu uma gafe.
   No caso de entrevistas para revistas, ou jornais, ou perfis, são textos escritos pelos entrevistadores, que imprimem sua própria visão do mundo àquilo que ouviram. E algumas vezes atribuem ao entrevistado palavras que ele não disse. As entrevistas que mais aprecio, em jornais e revistas, são aquelas dadas por escrito. Quanto às demais, considero como de autoria do entrevistador. Ele escreve o que consegue perceber. E às vezes ouve não o que foi dito, mas o que quer. A palavra é subjetiva. Claro, há muitos jornalistas que têm capacidade de discernimento, noção correta da força da informação, da sua responsabilidade, e o dom de reproduzir perfeitamente a àgua pura da fonte. Era o caso de Carlos Castello Branco, grande jornalista, que deixou muitos seguidores. Falava de coisas importantes, por isso era importante. É o caso de Roberto Pompeu de Toledo, conhecido como um dos melhores textos do jornalismo brasileiro. Mas alguns de nossos periódicos mais respeitáveis sofre desta febre que está tão em moda: vasculhar a vida afetiva das pessoas.
  Há muitos que se prestam a isso, até mesmo gostam. Mas eu acho detestável essa indústria da exibição da intimidade. Fotógrafos, que recebem como tarefa apenas a agressividade e a insolência, correm atrás de celebridades. Repórteres, premidos pelo tempo, pela necessidade de sobrevivência, são levados a produzir textos espalhafatosos. Já está ficando cansativo. A perseguição que os periódicos ingleses promovem contra a família real provou que os resultados podem ser trágicos. Acho compreensível que revistas especializadas em reportagens sobre intimidades façam seu trabalho, e vendam como pão. Quem compra, sabe o que está comprando. O problema é quando devassam a vida privada de pessoas que têm uma vida pública voltada para o trabalho, e que não demonstram nenhum interesse nessa exposição da intimidade. O problema é quando periódicos os mais sérios usam desse expediente para incrementar suas vendas. E perdem o sentido de sua função.
   Recentemente, uma revista fez uma reportagem sobre livro meu, de poesia lírica, com conotações religiosas e místicas, escrito a partir de um encontro com a vida bucólica de uma cidade mineira, Carmo do Rio Claro, MG. A reportagem se limitou a pouco mais que enumerar os laços afetivos de minha vida, quase todos passados na adolescência e primeira juventude. Uma leitora me escreveu, muito bem humorada, dizendo que pensara ser o livro, uma autobiografia amorosa. Sentiu-se, e foi, enganada pela revista. 
   Mas não tem importância. A reputação de um escritor depende apenas do que ele escreve. A do jornalista, também.

 
Ana Miranda
Escritora
Ana Miranda
Enviado por RG em 24/02/2017
Código do texto: T5922443
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