O casamento entre portugueses e indígenas na Amazônia: O Alvará de 04 de abril de 1755
A dimensão do Estado do Grão-Pará e Maranhão, na segunda metade do século XVIII, constituía-se de empecilho para o reino de Portugal. Seja em São Luís ou em Belém, a administração pública não dava conta de todas as localidades do interior da região, isoladas e carentes de comunicação e desenvolvimento econômico. Vendo o problema que isso acarretaria para a soberania de Portugal sobre a Amazônia, cobiçada por holandeses e espanhóis, Mendonça Furtado sugere a criação de uma nova região administrativa. Na Carta Régia de 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, com capital na aldeia de Mariuá de São José do Javari, elevada à categoria de vila em 06 de maio de 1758 com o nome de Barcelos. (REIS, 1989, p. 120).
Criada a nova unidade, era necessário povoá-la. A carência demográfica era um antigo problema do Grão-Pará, que possuía uma população formada, em sua maioria, desde os tempos do Padre Antônio Vieira, por indígenas, divididos em gentios, que viviam no interior, e cristãos, que podiam ser livres ou escravos; e por brancos portugueses, divididos em nobres ou cidadãos, aqueles que desempenhavam altos cargos civis e militares; peões, que poderiam ser mercadores, mecânicos e operários; e os infames, que eram cristãos novos e degredados (SARAGOÇA, 2000, In SOUZA, 2009, p. 130). O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que [...] “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro” (MONTEIRO, 1995, p. 47).
As primeiras famílias da Capitania de São José do Rio Negro surgiram dessa política populacional. Portugueses com índias, índios com portuguesas, esses casais foram se fixando, com direito, na região, em casas simples de madeira e palha ou já de alvenaria. Seus filhos e, depois, outros descendentes, continuaram o trabalho de povoar a Amazônia. Confiram na íntegra, abaixo, o Alvará que autorizou a união entre portugueses e nativos na Amazônia:
Eu, El Rey. Faço saber aos que este meu Alvará de Lei virem, que considerando o quanto convém, que meus Reais domínios da América se povoem, e que para este fim pode concorrer muito a comunicação com os índios, por meio de casamentos: Sou servido declarar, que os meus Vassalos deste Reino, e da América, que casarem com as índias dessa, não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos da minha Real atenção, e que nas terras em que se estabelecerem, serão preferidos para aqueles lugares, e ocupações, que couberem na graduação das suas pessoas, e que seus filhos, e descendentes, serão hábeis, e capazes de qualquer emprego, honra, ou Dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma, em razão destas alianças, em que serão também compreendidas as que já se acharem feitas antes desta minha declaração: E outrossim proíbo, que os ditos Vassalos casados com índias, ou seus descendentes, sejam tratados com o nome de caboclos, ou outro semelhante, que possa ser injurioso; e as pessoas de qualquer condição, ou qualidade, que praticarem o contrário, sendo-lhes assim legitimamente provado perante os Ouvidores das Comarcas, em que assistirem, serão por sentença destes, sem apelação, nem agravo, mandados sair da dita Comarca dentro de um mês, e até mercê minha; o que se executará sem falta alguma, tendo porém os Ouvidores cuidado em examinar a qualidade das provas, e das pessoas, que jurarem nesta matéria, para que se não faça violência, ou injustiça com este pretexto, tendo entendido, que só hão de admitir queixas do injuriado, e não de outra pessoa: O mesmo se praticará a respeito das Portuguesas que casarem com índios: e a seus filhos, e descendentes, e a todos concedo a mesma preferência para os ofícios, que houver nas terras em que viverem; e quando suceda, que os filhos, ou descendentes destes matrimônios tenham algum requerimento perante mim, me farão a saber esta qualidade, para em razão dela mais particularmente os entender. E ordeno que esta minha Real resolução se observe geralmente em todos os meus domínios da América. Pelo que mando ao Vice-Rei e Capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, Capitães generais e governadores do Estado do Maranhão e Pará, e mais conquistas do Brasil, capitães-mores delas, chanceleres, e Desembargadores das Relações da Bahia, e Rio de Janeiro, Ouvidores Gerais das Comarcas, Juízes de fora, e Ordinários, e mais justiças dos referidos Estados, cumpram, e guardem o presente Alvará de Lei, e o façam cumprir, e guardar na forma que nele se contém, o qual valerá como Carta, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, e se publicará nas ditas Comarcas, e em minha Chancelaria mor em que semelhantes Alvarás se costumam registrar; e o próprio se lançará na Torre do Tombo. Lisboa, quatro de Abril de mil e setecentos e cinquenta e cinco.
Rei
Marquês de Penalva P.
Alvará de Lei, porque V. Majestade é servido declarar, que os Vassalos deste Reino, e da América, que casarem com índios dela, não ficam com infâmia alguma, antes se farão dignos da sua Real atenção, e serão preferidos nas terras, em que se estabelecerem, para os lugares, e ocupações, que couberem na graduação de suas pessoas; e seus filhos, e descendentes serão hábeis, e capazes de qualquer emprego, honra, ou Dignidade, sem que necessitem de dispensa alguma, em razão destas alianças, em que se compreendem as que já se acham feitas antes desta Resolução; e que o mesmo se praticará com as Portuguesas, que casarem com índios, e a seus filhos, e descendentes, como acima se declara.
Para Vossa Majestade V:.
Por Resolução de Sua Majestade de vinte e dois de Março de mil setecentos e cinquenta e cinco, tomada em Consulta do Conselho Ultramarino, de dezessete do dito mês, e ano.
O Secretário Joaquim Miguel Lopes de Lavre o fez escrever
Registrado a fol. 48. Do liv. 12. De Provisões da Secretaria do Conselho Ultramarino. Lisboa, 10 de Abril de 1755.
Joaquim Miguel Lopes de Lavre.
Francisco Luiz da Cunha de Ataíde
Foi publicado este Alvará de Lei na Chancelaria mor da Corte, e Reino, Lisboa, 12 de Abril de 1755.
Dom Sebastião Maldonado
Registrado na Chancelaria mor da Corte, e Reino, no livro das Leis a fol. 83. Lisboa, 14 de Abril de 1755.
Rodrigo Xavier Alvares de Moura.
Theodosio de Cobellos Pereira o fez.
Foi reimpresso na Oficina de Miguel Rodrigues.
FONTES:
REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas. 2° ed, Belo Horizonte, Itatiaia, 1989. (Coleção reconquista do Brasil).
SOUZA, Márcio. História da Amazônia. Manaus, Editora Valer, 2009.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, São Paulo, Metro Cúbico, 1995.